O conforto
Os editoriais do Público – que, desde uma recente remodelação, deixaram de ser assinados e foram assumidos como uma espécie de «pensamento colectivo» da direcção do jornal – publicaram nesta semana a opinião de que «é importante que alguém diga que os salários médios não podem aumentar» em Portugal «ou que temos de perder parte do nosso, já de si, escasso conforto». Isto na decorrência de vigoroso encómio a um discurso do primeiro-ministro grego, George Papandreou, defendendo que «todos teremos de perder o nosso conforto» para a Grécia poder recuperar a «sua credibilidade» nos mercados financeiros internacionais.
Portanto, no preclaro entendimento da direcção do Público, se Portugal quer «sair da crise» terá de seguir as receitas do grego Papandreou, actual descendente da «dinastia Papandreou» que tem tutelado o PASOK (o PS grego) e o regime democrático da Grécia nas últimas décadas, conduzindo este último à mesma degradação sócio-económica que o PS português, em conluio com o PSD, impuseram ao Portugal de Abril saído da Revolução dos Cravos.
Só não diz que a «receita» agora lançada por Papandreou sugere, por exemplo, o corte de 10% nas despesas com o sistema público de Saúde e o congelamento dos salários da Função Pública, entre outras medidas de igual «alcance», deixando obviamente intocada a depredação sem limites dos recursos e das mais-valias do país por parte da grande burguesia, confortavelmente reinstalada no seu mundo de privilégio.
Tal qual o PS, desde Soares a Sócrates, tratou de operacionalizar em Portugal, valha a verdade.
Todos, afinal, aplicando receitas velhas e relhas do capitalismo. Basta lembrarmo-nos do «milagre» operado por Salazar para reequilibrar o défice no início dos anos 30: virou-se para os funcionários públicos e cortou-lhes os salários durante anos, construindo assim o seu perfil de «mago das Finanças»...
Mas o que se torna divertido é ouvir, da parte da direcção do Público, a assumpção de que «temos de perder parte do nosso, já de si, escasso conforto». Só mesmo a rir é que podemos imaginar os dirigentes do diário de Belmiro de Azevedo a fruir um «escasso conforto», neste seu labor de organizar um jornal a contento do patrão, que para isso naturalmente lhes paga, e bem, como todos os patrões pagam a quem lhes supervisiona os interesses.
Este «temos» constitui, evidentemente, o plural majestático tão usado pelo famoso «arco do poder» que há mais de três décadas domina o País. Político português que se preze – e, sobretudo, almeje trepar ao poleiro – jamais se esquece de se juntar ao eleitor que pretende seduzir, e para isso nada melhor do que com ele se irmanar num majestático «nós».
Assim, as dificuldades passam a ser todas «nossas», para que os decorrentes «sacrifícios» também pareçam distribuídos por todos.
É por isso que o primeiro-ministro José Sócrates sempre teve a desfaçatez de proclamar ao País que «temos de fazer sacrifícios» quando, sucessivamente, foi impondo cortes nos salários, nas pensões, na Saúde, na Segurança Social, nas carreiras, nos direitos ou nas reformas, enquanto ele próprio e a vasta legião de acólitos, com igual descaramento, os únicos «sacrifícios» que sempre exibiram e exibem são as novas e sempre maiores prebendas que vão acrescentando aos cargos que ocupam.
Para defenderem, todos, o que realmente os move: os grandes interesses capitalistas que, paulatinamente, hegemonizaram de novo o País.
Portanto, no preclaro entendimento da direcção do Público, se Portugal quer «sair da crise» terá de seguir as receitas do grego Papandreou, actual descendente da «dinastia Papandreou» que tem tutelado o PASOK (o PS grego) e o regime democrático da Grécia nas últimas décadas, conduzindo este último à mesma degradação sócio-económica que o PS português, em conluio com o PSD, impuseram ao Portugal de Abril saído da Revolução dos Cravos.
Só não diz que a «receita» agora lançada por Papandreou sugere, por exemplo, o corte de 10% nas despesas com o sistema público de Saúde e o congelamento dos salários da Função Pública, entre outras medidas de igual «alcance», deixando obviamente intocada a depredação sem limites dos recursos e das mais-valias do país por parte da grande burguesia, confortavelmente reinstalada no seu mundo de privilégio.
Tal qual o PS, desde Soares a Sócrates, tratou de operacionalizar em Portugal, valha a verdade.
Todos, afinal, aplicando receitas velhas e relhas do capitalismo. Basta lembrarmo-nos do «milagre» operado por Salazar para reequilibrar o défice no início dos anos 30: virou-se para os funcionários públicos e cortou-lhes os salários durante anos, construindo assim o seu perfil de «mago das Finanças»...
Mas o que se torna divertido é ouvir, da parte da direcção do Público, a assumpção de que «temos de perder parte do nosso, já de si, escasso conforto». Só mesmo a rir é que podemos imaginar os dirigentes do diário de Belmiro de Azevedo a fruir um «escasso conforto», neste seu labor de organizar um jornal a contento do patrão, que para isso naturalmente lhes paga, e bem, como todos os patrões pagam a quem lhes supervisiona os interesses.
Este «temos» constitui, evidentemente, o plural majestático tão usado pelo famoso «arco do poder» que há mais de três décadas domina o País. Político português que se preze – e, sobretudo, almeje trepar ao poleiro – jamais se esquece de se juntar ao eleitor que pretende seduzir, e para isso nada melhor do que com ele se irmanar num majestático «nós».
Assim, as dificuldades passam a ser todas «nossas», para que os decorrentes «sacrifícios» também pareçam distribuídos por todos.
É por isso que o primeiro-ministro José Sócrates sempre teve a desfaçatez de proclamar ao País que «temos de fazer sacrifícios» quando, sucessivamente, foi impondo cortes nos salários, nas pensões, na Saúde, na Segurança Social, nas carreiras, nos direitos ou nas reformas, enquanto ele próprio e a vasta legião de acólitos, com igual descaramento, os únicos «sacrifícios» que sempre exibiram e exibem são as novas e sempre maiores prebendas que vão acrescentando aos cargos que ocupam.
Para defenderem, todos, o que realmente os move: os grandes interesses capitalistas que, paulatinamente, hegemonizaram de novo o País.