Guerra de classes na UE

Jorge Cadima

A nova moda de cortar nos salários de quem trabalha vai agravar uma crise que é de sobreprodução

Antes do colapso de 2009, a Islândia era apontada como exemplo beatífico da «globalização». E dizia-se o mesmo da Irlanda, cuja adesão à União Europeia seria a fonte dum «milagre económico». Era o Tigre Celta, por analogia com os chamados Tigres Asiáticos, como a Coreia do Sul ou Taiwan. Estes últimos foram enjaulados em 1997 pela crise regional. Quando eclodiu a crise mundial do capitalismo, tornou-se claro que o Tigre Celta era, afinal, um tigre de papel. O desemprego na Irlanda está nos 12,5% e o défice orçamental disparou para 13,6% do PIB (Economist, 10.12.09). Como noutras paragens, os banqueiros foram salvos pela teta do Estado. Mas para os trabalhadores, a conversa é outra. Já há uns meses o governo irlandês «na prática reduziu o salário dos trabalhadores do sector público introduzindo um desconto especial de 7% para as reformas» (Economist, 10.12.09). Passado que está o referendum-bis sobre o Tratado de Lisboa, o governo vai agora mais longe e corta os salários dos trabalhadores da função pública entre 5 e 8%. Como escreve o Irish Times (10.12.09): «os funcionários públicos e os beneficiários de apoios sociais são os mais atingidos pelos cortes na despesa em 4 mil milhões de euros». Entusiasmada ficou a revista do grande capital anglo-saxónico, Economist (10.12.09): «a Irlanda mostra ao resto da Europa o que realmente significa a austeridade» e «o orçamento deu ao governo uma oportunidade para tranquilizar os investidores internacionais». «Investidores internacionais» são os quadros dirigentes de grandes bancos cujos salários estão a ser aumentados (Financial Times, 24.7.09) e a rapaziada de Wall Street que achou por bem atribuir-se gratificações recorde no valor de 140 mil milhões de dólares (Wall Street Journal, 14.10.09) com os subsídios estatais que recebeu após ter presidido ao colapso do sistema financeiro. O «fim da luta de classes» é assim.

A Grécia é agora o novo alvo da União Europeia. Uma agência de rating (essas agências de avaliação que supostamente informam sobre a saúde económica de países e empresas, mas que asseguravam que as grandes instituições financeiras dos EUA estavam de óptima saúde na véspera de falirem) decidiu baixar a sua avaliação da Grécia. Logo surgiu uma enorme campanha, exigindo medidas à Sócrates. O Presidente do Banco Central Europeu, Trichet, afirma que os problemas da Grécia exigem «medidas muito difíceis, muito corajosas, mas absolutamente necessárias» (Financial Times, 11.12.09). Pelos vistos, se os governos não podem dizer ao BCE o que fazer, já o contrário não é verdade. Angela Merkel fez coro: «existindo problemas num país com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, que apenas se podem resolver através de reformas sociais levadas a cabo nesse país, surge naturalmente a questão de saber qual a influência que a Europa tem sobre os parlamentos nacionais, de forma a garantir que a Europa não seja travada» (euobserver.com, 10.12.09). A Sra. Merkel está a dizer que a soberania nacional acaba nas fronteiras das grandes potências da UE. O Pacto referido pela primeira-ministra alemã prevê multas para países que excedam o défice orçamental de 3%, mas a sua aplicação foi suspensa quando chegou a vez de multar a França e a Alemanha. O novo governo «socialista» grego diz que não quer cortar salários, mas vai ameaçando: «se estivéssemos à beira do precipício, cortaríamos os salários para metade, mas não estamos e lutamos tenazmente para não chegar lá» diz Papandreu (FT, 11.12.09). Os lucros do grande capital não são referidos. É natural que após as eleições seja a vez da Inglaterra, cujo défice orçamental vai nos 14,5%. E talvez sobre também para Portugal.

Esta ofensiva de classe na UE é indissociável da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Foi também para isto que foi imposto pela porta traseira e contra a vontade dos povos da Europa. Mas a nova moda de cortar nos salários de quem trabalha vai agravar uma crise que é, no fundo, uma crise de sobreprodução. O grande capital europeu está a declarar guerra aos trabalhadores. Não é coincidência que na Polónia se acabe de proibir os símbolos comunistas e que por toda a Europa se esteja a alimentar de novo o racismo, o fascismo e o anticomunismo. Aos trabalhadores e povos não resta outra via senão a luta. Que hoje mesmo será protagonizada pelos trabalhadores gregos.


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