Comentário

Duas faces da mesma moeda

Maurício Miguel
A recente cimeira realizada entre os EUA e a União Europeia foi mais um passo na concertação das agendas dos dois pólos do imperialismo na sua tentativa de hegemonia mundial. Desenvolvendo aquilo a que chamam de «parceria global», reafirmam a necessidade de «reforçar o trabalho conjunto, particularmente nas áreas das liberdades, segurança e justiça». Após os atentados do 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque, as relações EUA-UE estreitaram-se com amplos contactos e a partilha e processamento de informações, nomeadamente em relação aos passageiros que viajam dos países da UE para os EUA e às transferências bancárias, bem como a participação da UE nas estratégia de «guerras preventivas» dos EUA e da NATO. Utilizando o «terrorismo» como justificação, o «trabalho conjunto» alargou-se à colaboração no âmbito do caso dos «voos da CIA», cujos contornos sobre a detenção ilegal, tortura e transferência de pessoas têm vindo a demonstrar, de forma inegável, o envolvimento directo de vários países da UE nesse vergonhoso processo. A agenda desse «trabalho conjunto» poderá vir a ser bem mais vasta, com a possibilidade de criar uma «área euro-atlântica de cooperação no campo das liberdades, segurança e justiça» entre a UE e os EUA. O «inimigo», dizem, está em todo o lado, é necessário continuar a tomar medidas para o combater.
Do lado de lá do Atlântico, a administração Obama já afirmou que apoia a renovação de três provisões do «Patriot Act» (acto patriótico) que expiravam no final deste ano. Não causa estranheza que Obama o faça, já que, enquanto senador do Estado do Illinois, tinha votado favoravelmente este programa que permite, entre outras coisas, a vigilância das comunicações electrónicas dos americanos sempre que o governo acredite que estejam ligadas ao terrorismo. O pacote legislativo aprovado pela administração Bush, e que Obama irá provavelmente prolongar, permite a imunidade para as empresas de telecomunicações pela cumplicidade com as autoridades. Desde a sua criação, seis semanas depois dos ataques do 11 de Setembro, o «Patriot Act» alargou procedimentos que existiam desde os anos 80, permitindo, por exemplo, ao FBI enviar «cartas de segurança nacional» para conseguir informações das empresas fornecedoras de serviços de Internet, instituições financeiras e de crédito, sem ordem dos tribunais, para obter informações sobre os seus clientes, com a justificação «legal», quando ela existe, que essa informação é «relevante» para uma investigação. As empresas, por seu lado, estão proibidas de revelar terem recebido esse pedido.
Do lado de cá do Atlântico, na UE, é também a vigilância e o autoritarismo que vêm crescendo com o consequente empobrecimento da democracia que temos, limitando os direitos liberdades e garantias de todos nós.
O programa para os próximos cinco anos para a «Área da Liberdade, Segurança e Justiça» (Programa de Estocolmo) vem acelerar um processo construído sem um debate público sobre o seu significado, actual e futuro, subtraindo aos países partes importantes da sua soberania, designadamente na área da justiça e das relações entre países, militarizando a segurança interna e acentuando um caminho de repressão em detrimento da prevenção e de políticas económicas e sociais que atacassem, na origem, os problemas da criminalidade nas suas diferentes expressões.
Perante uma crise do sistema capitalista que afecta particularmente os EUA e a UE, os desenvolvimentos da componente de segurança interna procura ser o seguro de vida do imperialismo. A propaganda da luta contra o terrorismo veio permitir a sua expansão, canalizando milhões de euros para os programas de segurança interna. Só a UE investiu cerca de 1,4 mil milhões de euros num programa de investigação na área da segurança, entre 2007 e 2014, aventando-se a possibilidade de, na próxima revisão orçamental, se criar um fundo próprio para uma área dominada pelo sector privado, nomeadamente pelo complexo industrial-militar e pelo sector de tecnologias de ponta.
UE e EUA concertam-se nas prioridades políticas e na sua imposição nas relações com outros países. As medidas e tecnologias em desenvolvimento abrem imensas possibilidades na batalha da informação visando o controlo e exploração crescente dos trabalhadores e dos recursos. A antecipação permite definir uma agenda do imperialismo que trata de reinventar-se para escapar à morte anunciada.


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