Sob suspeita
Iniciou-se na passada segunda-feira a campanha de vacinação contra a gripe A, ex-suina, e a televisão deu a notícia, como aliás lhe cumpria e também, parece-me, porque isto de epidemias incluem-se no catálogo de acontecimentos em princípio funestos que encontram na TV entusiástico acolhimento. Completando a informação do dia inaugural, foi a televisão ouvir não só os que recomendam a toma da vacina, mas também os que a recusam e que parecem ser de vária espécie. Há os que o fazem porque este género de vacinação já está há muito fora dos seus hábitos e talvez até dos seus princípios; há os que ouviram falar de possíveis efeitos secundários de perigosidade variada; há também os que dissimulam os seus receios com o pretexto aparentemente generoso de que primeiro estão os outros, os que em caso de doença por uma semana fariam mais falta ao País e porventura ao mundo. Entre estes está, naturalmente, o senhor Presidente da República, e, por mim, tremo só de pensar no que seria de Portugal se o senhor professor, afligido por temperaturas altas e dores musculares por todo o corpo, se visse impedido de promulgar leis, de dar-nos pontuais conselhos e mesmo de «percorrer o País», como ele próprio anunciou ir fazer ao usar da palavra na cerimónia de posse do novo governo. Para impedir tamanho risco e sem dúvida para que ficasse o exemplo, foi o PR dos primeiros a receber a injecçãozinha, neste caso administrada ao domicílio para que se evitassem perdas de precioso tempo. Entretanto, não se terão extinguido as dúvidas e mesmo os medos que a vacina vem suscitando, sendo naturalmente muito notadas as recusas por parte de médicos e enfermeiros, em princípio mais informados e esclarecidos que a generalidade das gentes. Para além deste grupo, porém, é notória falta de confiança que percorre boa parte da população quanto a esta vacina acabadinha de fabricar, e a televisão deu-nos conta desse estado de espírito que parece assentar num ou dois motivos que podem não ser inteiramente tontos. Um deles é a pressa, aliás compreensível, que caracterizou o fabrico da vacina e que impediu a perfeita comprovação da inexistência de factores de risco, o que só seria inteiramente possível com um mais longo prazo de experimentação. Outro é a notícia, fundamentada ou não, de já se terem registado falecimentos atribuíveis à toma da vacina, falando-se de um caso na Alemanha e havendo rumores de alguns outros. É claro que, de qualquer modo, estes sempre seriam acontecimentos excepcionais correspondentes a uma percentagem irrelevante no quadro do número total de vacinas aplicadas. Mas há quem, achando que a sorte grande só sai aos outros, acha que a sorte negra tem a vocação de bater-lhe à porta.
Uma segunda intenção
Uma coisa é certa: por desagradável que isso seja, a vacina contra a gripe A está sob suspeita. Não vi que a televisão nos tivesse informado de que argumentos contra a vacina circulam no mundo novo da Net, mas é de crer que essas advertências também estejam a ter consequências por muito infundadas que sejam. Porém, do que a TV nos informou, sim, ainda que com discrição, é de que a emergência da gripe A foi uma bênção dos céus para uma ou duas grandes empresas que produzem a vacina e que por via disso vão embolsar milhões. A televisão, que como se sabe tem o maternal cuidado de nos manter permanentemente em dia com as variações bolsistas, chegou mesmo a informar-nos de que as acções de uma dessas empresas registaram uma alta que terá feito a felicidade dos que as detinham. Significa isto, é claro, que nem tudo é mau neste novo tipo de gripe. Mas a notícia tem consequências, tão naturais e óbvias que até será ocioso registá-las aqui: é que boa parte do comum das gentes pode suspeitar de que o projecto de vacinação quase universal, inspirado sem dúvida pela defesa da saúde das populações, pode acumular essa excelente intenção com uma outra não menos generosa: a de reforçar o património das empresas que fabricam a vacina e de um número talvez restrito de accionistas. Esta suspeita conduz, naturalmente, a um menor fervor perante a eventualidade, ainda que improvável, de arriscar um poucochinho a vida para que alguns vivam ainda um pouco mais satisfeitos. É, quase de certeza, uma hipótese fantasiosa, disparatada e de efeitos nocivos. Mas é uma hipótese. E, porque é compatível com o que se sabe acerca do mundo actual e de quem o domina, desta sociedade que não inspira confiança, há quem pense nela.
Uma segunda intenção
Uma coisa é certa: por desagradável que isso seja, a vacina contra a gripe A está sob suspeita. Não vi que a televisão nos tivesse informado de que argumentos contra a vacina circulam no mundo novo da Net, mas é de crer que essas advertências também estejam a ter consequências por muito infundadas que sejam. Porém, do que a TV nos informou, sim, ainda que com discrição, é de que a emergência da gripe A foi uma bênção dos céus para uma ou duas grandes empresas que produzem a vacina e que por via disso vão embolsar milhões. A televisão, que como se sabe tem o maternal cuidado de nos manter permanentemente em dia com as variações bolsistas, chegou mesmo a informar-nos de que as acções de uma dessas empresas registaram uma alta que terá feito a felicidade dos que as detinham. Significa isto, é claro, que nem tudo é mau neste novo tipo de gripe. Mas a notícia tem consequências, tão naturais e óbvias que até será ocioso registá-las aqui: é que boa parte do comum das gentes pode suspeitar de que o projecto de vacinação quase universal, inspirado sem dúvida pela defesa da saúde das populações, pode acumular essa excelente intenção com uma outra não menos generosa: a de reforçar o património das empresas que fabricam a vacina e de um número talvez restrito de accionistas. Esta suspeita conduz, naturalmente, a um menor fervor perante a eventualidade, ainda que improvável, de arriscar um poucochinho a vida para que alguns vivam ainda um pouco mais satisfeitos. É, quase de certeza, uma hipótese fantasiosa, disparatada e de efeitos nocivos. Mas é uma hipótese. E, porque é compatível com o que se sabe acerca do mundo actual e de quem o domina, desta sociedade que não inspira confiança, há quem pense nela.