Na campanha
Com razão ou sem ela, não me pareceu que a presença de Jerónimo de Sousa no actual programa do Gato Fedorento tenha resultado numa emissão muito divertida. Nem me parece, de resto, que fosse necessário que o resultasse. De tudo quanto ali se ouviu, o que mais me agradou foi a forma como Ricardo Araújo Pereira caracterizou o «socialismo» do governo Sócrates: um socialismo de segunda ordem, «um socialismo comprado nos ciganos». Mas a efectiva ou suposta falta de graça no resto do programa não é consequência de uma eventual menor vocação de Jerónimo de Sousa para um convívio polvilhado de boa disposição com óptimas e oportunas piadas a condizer. A questão será bem outra: é que para um comunista a vida política não é uma actividade secundária, nem uma curiosidade transitória, nem uma oportunidade de emprego, nem um diletantismo: é uma luta permanente e um compromisso com os outros. Quer dizer: é uma coisa muito séria que é difícil, embora não impossível, compaginar com um clima de boas larachas. Para mais, e mesmo independentemente do perfil do Gato Fedorento e de Ricardo Araújo Pereira em especial, é sabido que os comunistas não estão habituados a terem «boa TV» como não estão habituados a terem «boa imprensa», pelo que é inevitável que sempre se sintam num estúdio de televisão como quem pisa um terreno que de um momento para o outro se lhe pode revelar hostil. Não aconteceu isso, é certo, com esta entrevista feita por Ricardo Araújo Pereira, mas em rigor só o ficámos a saber quando a conversa terminou. Aliás, é óbvio que o conjunto de entrevistas feitas pelo Gato Fedorento aos líderes partidários se inscreveu de facto na campanha eleitoral embora não a integrasse formalmente, e o mínimo que se pode dizer é que as candidaturas do PCP não foram exuberantemente bem tratadas pelas diversas reportagens transmitidas pelas três operadoras de TV. Mesmo quando não visivelmente hostis, sempre ou quase sempre se notou nelas, no mínimo, um grãozinho de depreciação. Provavelmente por efeito de hábitos velhos. Talvez não apenas por isso.
A falha
Há, é claro, o efeito da antiga, intensa, quotidiana propaganda anticomunista, todos os dias debitada pela comunicação social: é uma permanente inoculação tóxica que contamina também os próprios profissionais da actividade jornalística. Mas é de crer que haja também um factor situado noutro plano que será o do aparente irrealismo do projecto do PCP confrontado com as actuais circunstâncias sociopolíticas. Muita gente poderá pensar que há algo de quixotesco mas desfasado da realidade na luta política que aponta para uma transformação profundíssima da sociedade, contrariando uma formatação que parece solidamente implementada, que é defendida por sectores que parecem ser quase omnipotentes e que, mesmo quando é abalada, mostra ter recursos para tratar das feridas. Neste quadro, a campanha eleitoral do PCP, como aliás todas as lutas dos comunistas ou por eles participadas, pode parecer vã mesmo a quem não está propriamente alistado no anticomunismo profissionalizado e aliás bem pago. Há, porém, uma falha fundamentalíssima nesta avaliação mesmo quando não é feita por encomenda e conta alheia: é que o objectivo do combate dos comunistas não se situa a curto prazo, menos ainda a prazo imediato. Eles, os comunistas, mesmo quando se sentem com pressa, o que é natural, sabem que a História não tem pressa, que se move a um ritmo que não é o do calendário individual. Sabem também que, ao contrário do que lhes é repetido, por muito que o mundo tenha mudado nas últimas décadas, e é óbvio que de facto mudou, essas mudanças, por espectaculares que sejam, situam-se numa zona exterior ao essencial. E que o essencial é que persiste a exploração do homem pelo homem, a espoliação do trabalho de muitos em favor das gigantescas fortunas de poucos, a redução da maior parte da humanidade à efectiva condição de escrava. Esta situação, que é factual, garante que o projecto comunista tem futuro e que o poder capitalista sobrevive sob condenação à morte. Mas é verdade que o futuro se faz esperar. Por isso é preciso caminhar para ele passo a passo, combate a combate, lugar a lugar. Cada eleição é também um passo, mesmo que o caminho institucional seja uma via estreita. A campanha que agora termina, como todas as outras, faz parte desse itinerário; os comunistas sabem-no, os que os desdenham ignoram-no. É nessa ignorância que radica a sobranceria que muitos deles gostam de exibir.
A falha
Há, é claro, o efeito da antiga, intensa, quotidiana propaganda anticomunista, todos os dias debitada pela comunicação social: é uma permanente inoculação tóxica que contamina também os próprios profissionais da actividade jornalística. Mas é de crer que haja também um factor situado noutro plano que será o do aparente irrealismo do projecto do PCP confrontado com as actuais circunstâncias sociopolíticas. Muita gente poderá pensar que há algo de quixotesco mas desfasado da realidade na luta política que aponta para uma transformação profundíssima da sociedade, contrariando uma formatação que parece solidamente implementada, que é defendida por sectores que parecem ser quase omnipotentes e que, mesmo quando é abalada, mostra ter recursos para tratar das feridas. Neste quadro, a campanha eleitoral do PCP, como aliás todas as lutas dos comunistas ou por eles participadas, pode parecer vã mesmo a quem não está propriamente alistado no anticomunismo profissionalizado e aliás bem pago. Há, porém, uma falha fundamentalíssima nesta avaliação mesmo quando não é feita por encomenda e conta alheia: é que o objectivo do combate dos comunistas não se situa a curto prazo, menos ainda a prazo imediato. Eles, os comunistas, mesmo quando se sentem com pressa, o que é natural, sabem que a História não tem pressa, que se move a um ritmo que não é o do calendário individual. Sabem também que, ao contrário do que lhes é repetido, por muito que o mundo tenha mudado nas últimas décadas, e é óbvio que de facto mudou, essas mudanças, por espectaculares que sejam, situam-se numa zona exterior ao essencial. E que o essencial é que persiste a exploração do homem pelo homem, a espoliação do trabalho de muitos em favor das gigantescas fortunas de poucos, a redução da maior parte da humanidade à efectiva condição de escrava. Esta situação, que é factual, garante que o projecto comunista tem futuro e que o poder capitalista sobrevive sob condenação à morte. Mas é verdade que o futuro se faz esperar. Por isso é preciso caminhar para ele passo a passo, combate a combate, lugar a lugar. Cada eleição é também um passo, mesmo que o caminho institucional seja uma via estreita. A campanha que agora termina, como todas as outras, faz parte desse itinerário; os comunistas sabem-no, os que os desdenham ignoram-no. É nessa ignorância que radica a sobranceria que muitos deles gostam de exibir.