A dimensão moral

Jorge Messias
Dirigindo-se aos católicos declarou Bento XVI, há poucos dias, em tom cinzento e repetitivo, acerca da crise económica mundial: «Sei que várias famílias passam necessidades... Não percam a coragem!».
As intenções caritativos assim formalmente expressas nada têm a ver com as causas e consequências reais desencadeadas pelas pela misérias de um capitalismo cujos segredos Ratzinger, o papa alemão, bem conhece. Nem com a dimensão imoral das políticas, nomeadamente a mentira populista conjugada com os mitos religiosos. Há valores morais, códigos de honra, princípios, que a Igreja Católica não deveria tentar apagar.
Corrijamos o papa: não «há várias famílias» a morrer de fome, devoradas pela miséria em todo o mundo. Há milhões delas nos cinco Continentes. A causa dessa miséria é sempre a mesma: a ganância do lucro e a concentração do capital nas mãos de um pequeno número de grandes fortunas – é o Capitalismo! Nos nossos dias, o monstro do crime que suga e que mata dá pelo nome de «globalização», imperialismo do dinheiro que o papa apadrinha.
Como que «por milagre», na mesma altura em que o germânico Ratzinger assim falava, foi noticiado na sua Alemanha natal, que um banco um banco católico, o Pax, apresentara um pedido de desculpas ao povo anónimo, por «ter investido em acções de empresas de armamentos, tabaco e contraceptivos». Pediu desculpas, recebeu os lucros dos investimentos e continuou a investir... Esta prática amoral é comum a todos os grupos financeiros do Vaticano. É normal e corrente.
Por cá, o panorama traçado pelos sucessivos escândalos que afectam o capitalismo nacional e em que participam actores que se confessam piedosos crentes, é exactamente igual àquele que é descrito no exemplo do banco Pax. Por exemplo, nos escândalos do BCP (nascido do Banco Popular de Espanha, uma extensão do Opus Dei) é conhecido que toda a estrutura do grupo gira na esfera financeira da Obra de Escrivá de Balaguer. Todos os principais acusados são capitalistas, tecnocratas e bons católicos. A Justiça imputa-lhes crimes tão graves como os de manipulação do mercado, ocultação de operações financeiras, empolamento de resultados e participação em dezenas de offshores, tudo no valor de muitas centenas de milhões de euros. A Igreja portuguesa conhece perfeitamente que esta relação Igreja/crime existe mas em vez de denunciá-la dá-lhe cobertura. O caso do BCP não é único no universo financeiro confessional. Representa apenas uma árvore numa imensa floresta.

A moral comunista

Denunciar não é perseguir. Nem condenar os crimes do Vaticano significa negar ou pretender negar a cada católico o direito ao bom nome, à cidadania e à prática da sua fé. Há católicos com elevada estatura moral e de mentes abertas. Mau seria que não reconhecêssemos isso. Mas «o hábito não faz o monge». Uma coisa é a fé, outra bem diferente a Igreja institucional politizada.
O Movimento Comunista impõe a si próprio os princípios morais que Lénine descreveu bem claramente: «A sinceridade em política ou seja, a sinceridade num domínio de relações humanas em que já não se trata de indivíduos mas de milhões de seres humanos, exige uma correspondência total entre as palavras e os actos».
O comportamento ético dos comunistas rege-se por estes princípios. Não é a caridade que removerá a miséria e a acumulação criminosa dos lucros. Nem é a solidariedade com as classes ricas dominantes que atenuará, sequer, o gravíssimo problema social prestes a explodir. Queremos uma sociedade nova, justa, próspera e sem classes. Temos como ponto de honra relacionar permanentemente os princípios e os actos. Em particular, nas nossas próprias práticas.
Como aplaudir pois que, a todos os níveis da Ética e da Moral, num país onde tudo pertence aos ricos e tudo é negado aos pobres, uma hierarquia religiosa faça concordatas leoninas com o poder e se preste a servir de tampão à ira popular como reacção aos roubos e às manobras escuras? Ou que empreste as suas utopias para a «lavagem» da imagem dos ricos?
Contra isto continuaremos a lutar. Contra os abusos do Poder e da Igreja. Contra a degradação moral da terra portuguesa.


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