Relatório sobre o racismo no copo (1)

Francisco Mota
Ao primeiro ignorante desconhecido que disse: «e como não havia vinho, bebemos branco».

Se pelarmos um bago de uva tinta e outro de uva branca veremos que, nos dois casos, a polpa é branca. Ou seja, são como os brancos e os negros, que por fora têm diferentes cores de pele, mas por dentro são iguais. Não há, portanto, razões para racismos velhos ou novos.
É verdade que existem dentro das centenas de variedades de uvas vinificáveis umas muito poucas que tem a polpa também escura. São chamadas genericamente tintoreiras porque a sua utilidade é aumentar a cor de vinhos onde o sol não é suficiente. Por exemplo na Europa central. Sei, por experiência própria, que esses vinhos tintoreiros têm um sabor bastante espesso e rasposo, são muito pouco bebíveis e têm uma cor violeta-escura que lhes marca destino e preço.
Vejamos os três principais tipos de vinhos de mesa, começando pelo vinho branco e pelo rosado, deixando para a próxima crónica o tinto e os comentários finais.
O vinho branco é um dos parentes pobres do nosso gosto. É considerado um vinho menor e poucas pessoas se demoram a escolher, provar e falar sobre um branco. Alguns chamam-lhe refresco e outros vinho para mulheres, numa exteriorização de que o vinho (tinto, claro) é assunto de homens. Aquilo a que vulgarmente se chama machismo.
Um branco bem feito, com as castas adequadas ao terreno, sol e humidade de que se dispõe, com uma boa vinificação em branco (e não como se fazem os tintos), controlando as temperaturas de fermentação para que os sabores primários – os da uva – fiquem bem presentes no produto final, é uma maravilha para todos os que não estejam bloqueados com ideias tontas.
Assim, depois de um descanso de poucos meses, teremos no copo, com grande probabilidade, um líquido de cor amarela, esverdeada, brilhante, que cheira a variadas coisas conforme a casta utilizada. As mais desejáveis são a de feno recém-cortado, erva molhada, frutas verdes ou tropicais e tudo o mais que o vosso nariz disser. Na boca deve notar-se as frutas, as ervas verdes, alguns toques de manga, ananás ou maracujá. Procurem e procurem sempre identificar os cheiros e os sabores. Se a senhora da casa tiver uma opinião diferente da do Exmo. marido, o mais provável é que a senhora tenha razão, já que o nariz, paladar e arquivo mental de cheiros e sabores é maior nas mulheres do que nos homens.
A questão é saber porque existe este preconceito contra os brancos. Como contributo, diria que sempre se ligou a ideia de vinho com a idade: «o vinho velho é o melhor», o que é totalmente falso. Está-se a falar de tintos, que têm uma capacidade de envelhecimento superior aos brancos, mas ainda assim limitada a uns dez anos. Se se deixa envelhecer um branco, como se fazia antes, o vinho perde o esqueleto, ou seja a acidez e beberemos uma coisa que foi um vinho, mas já não é. Cozinhem com ele!
A outra razão é que em Portugal, salvo contadas excepções, nunca houve bons brancos. Os Vidigueira, Bucelas e alguns do Ribatejo ou Bairrada eram bebidos mais por razões sentimentais, ou para reencontrar um velho amigo, cujo sabor se reconhecia e produzia a sensação do encontro no Natal com a família, mesmo se ninguém ia à missa do galo.

O vinho rosado

Marcados pelo peso dumas marcas feitas, e bem feitas, para outros mercados, onde o consumidor não tem por hábito beber vinho, os vinhos rosados nunca tiveram clientela em Portugal.
Quero começar por dizer que uso a palavra «rosado» e não «rosé» precisamente para marcar que os rosados não têm gás nem açúcar residual ou acrescentado. Entram portanto na qualificação de vinhos tranquilos, isto é, sem gás. Depois, afirmar que os rosados são vinhos tintos, só que as peles das uvas permanecem em contacto com o mosto líquido pouco tempo. Deste estágio conjunto o rosado fica com um pouco de cor e um sabor diferente dos brancos e dos tintos.
Um rosado deve ter uma cor entre a groselha, o morango, a pele de cebola seca e no último caso um cor-de-rosa muito desmaiado (por favor estou a falar de vinhos, não do PS. Que mania de meter política em tudo!!!). O sabor já não é o de um branco alegre e verdejante, mas o de frutas um pouco mais maduras, mas onde é necessário estar sempre o refrescante toque ácido de um vinho jovem. É um vinho mais consistente, mas muito agradável de beber e que desce bem nas épocas quentes, ainda que se possa beber todo o ano, se a comida o pede.


Mais artigos de: Argumentos

O mito da paixão e a mudança de imagem

Crescem os níveis da pobreza e agigantam-se as fortunas privadas. O papel do Estado moderno declina e, sentindo-se impune, o patronato dita as suas leis aos trabalhadores. O que ontem se garantiu desmente-se hoje e, com o maior descaramento, anuncia-se o seu contrário: a verdade é mentira e a mentira é verdade, conforme...

Enquanto Obama falava

Permita-se-me que me dispense de ir ver a data exacta em que o presidente Barack Obama partiu dos Estados Unidos para fazer o que talvez possa ser designado por «périplo europeu/africano». Registo, isso sim, que a televisão portuguesa, em convergência aliás com a TV de muitos outros lugares, deu grande destaque a essa...