Respostas do desporto ao «serviço de todos»

A. Mello de Carvalho
As necessidades sociais e as aspirações individuais estão em constante evolução, colocando novos problemas e, no fundo, provocando a grande dinâmica do progresso. Emergem directamente das relações complexas que se estabelecem em profundidade entre as transformações sociais e a dinâmica cultural. Por definição, umas e outras, estão sempre «à frente» das respostas que a sociedade, no seu todo, lhes vai fornecendo.
Constituindo o próprio processo individual de estar e sentir a realidade da vida de cada um, traduz-se também por um amplo movimento social. Por isso, constitui um processo movente que está em aceleração no tempo presente. O conhecimento deste processo é indispensável para se compreender a extensão e a profundidade da mudança no sector do desporto. A questão inicial diz respeito ao conjunto de necessidades a que ele tem de fornecer resposta.
Encaradas de uma forma sintética, estas necessidades assumem a seguinte formulação: necessidades de conservação e aperfeiçoamento da saúde (com a melhoria das condições de vida e o alongamento do tempo de vida activa); de fruição enriquecedora do tempo livre (devido à diminuição do número de horas de trabalho); de convivialidade (provocadas pela a agressão das condições da vida de trabalho e do processo acelerado de urbanização caótica); de inserção social (tendo em conta os fenómenos de exclusão social, de marginalização e de aumento das desigualdades); de progresso contínuo (provocadas pela aspiração em viver melhor); de contacto com a natureza (perdido devido às condições de vida moderna); de formação e aperfeiçoamento do crescimento (provocadas por um sistema de ensino desequilibrado); de afirmação pessoal numa sociedade em que a individualidade se perde no consumismo geral; de desenvolvimento máximo de capacidades (num mundo que recusa colocar o indivíduo no centro das suas preocupações).
Apercebemo-nos facilmente do enorme fosso que separa a situação real, actual, incapaz de fornecer respostas adequadas a este quadro. A realidade vivida pelas camadas populares contradiz as suas aspirações, constituindo um sério obstáculo à satisfação das necessidades sociais e apresentando-se como incapaz de fornecer resposta ajustada às aspirações individuais (será bom, aliás, considerar que não existe qualquer separação entre umas e outras).
As consequências negativas desta situação são imensas para a grande maioria dos trabalhadores e seus filhos. Mas, de qualquer forma, desenham-se a partir daquela definição o conjunto de aspirações gerais expressas, de forma mais ou menos clara, em relação ao desporto:

– praticar uma actividade, concebida de acordo com as possibilidades actuais e o gosto de cada um, para servir a sua saúde e o seu bem estar;

– garantir, para as crianças e os jovens, uma prática assumindo um vincado carácter educativo;

– encontrar formas de convívio fraternal com os outros, através de actividades socializadoras e de carácter festivo;

– realizar uma competição correcta, respeitando os outros e sendo por eles respeitado, e reconhecendo o valor cultural da actividade;

– progredir até ao mais elevado nível e exprimir todas as suas capacidades, em especial durante a juventude;

– assistir e participar no espectáculo desportivo de qualidade, com valor cultural em si próprio, e não com sobreposição de outros aspectos, frequentemente de valor humanizador negativo;

– encontrar formas e estruturas para a prática regular, para o treino e a manutenção dentro da Cidade;

– poder usufruir a natureza em pleno respeito pelo ambiente.

Um projecto de actividade desportiva dirigido a todos, tem, necessariamente, que tomar em consideração este conjunto de elementos. Por um lado, tomando plena consciência de que as necessidades fundamentais do indivíduo em relação ao desporto fazem parte da perspectiva mais vasta do processo de transformação social global. Mas, por outro lado, procurando responder às aspirações formuladas em relação à própria actividade desportiva, é toda uma perspectiva alternativa que se estrutura frente à evolução actual do desporto.
Contudo, essa resposta é essencial se se quiser, de facto, colocar o desporto ao serviço das massas populares. O «desporto para todos» poderá vir a preencher esses requisitos se sofrer uma séria transformação. Mas é uma questão que só o futuro resolverá. No presente ele não faz mais do que alinhar na estruturação do mercado de consumo das práticas desportivas e é por isso que não é aceitável a substituição do conceito de «necessidade» pelo de «oferta do produto». Trata-se de duas questões concebidas a partir de perspectivas opostas: a 2.ª estrutura o «mercado comsumista», o 1.º constitui o ponto de partida para a construção de uma prática colocada ao serviço do ser humano.


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