Justiça, para que te quero?

Anabela Fino
Antes de chegar ao fim do seu mandato o Governo vai anunciar mais uns quantos casos de «sucesso» entre os quais, não duvidamos, se incluirá a redução drástica dos processos pendentes em tribunais. Ouviremos então os discursos do costume sobre a genialidade das medidas tomadas, cujas, está bom de ver, são sempre tomadas em nome do povo e as melhores possíveis para o povo.
Desta vez, e ao contrário do que se poderia pensar, temos de reconhecer que o Governo vai ter razão. Os tribunais correm mesmo o risco de ficar às moscas, que é como quem diz à míngua de litígios, não porque os mesmos desapareçam por um passo de mágica da sociedade portuguesa mas porque quem tiver a veleidade de querer recorrer à Justiça vai ter que pensar duas vezes, mais a mais em tempo de vacas magras. Ou três, ou quatro, ou um ror de vezes, fazendo contas que serão sempre de sumir. E por quê? Porque o Governo Sócrates, sempre preocupado com o bem-estar do povo, decidiu que isso de Justiça, pese embora o que diz a Constituição, é como a Saúde, ou a Educação, ou Habitação... Ou seja, quer a quer, que a pague. Nem mais.
A menos que se tenha a «sorte» de auferir menos do que três salários mínimos nacionais, a partir desta segunda-feira os portugueses que queiram rercorrer à Justiça vão ter de pagar à cabeça as custas judiciais, não obstante o ministro Alberto Costa garantir que as «melhorias introduzidas» no novo regulamento «vão agilizar o processo e diminuir, no seu todo, as custas em cerca de 10 por cento». Até pode ser verdade, mas como é que se chega ao «todo» do processo se não houver verba para lhe dar início? Fácil, fácil. Deixem os tribunais em paz, vão para a conciliação, entendam-se, não atrapalhem, não chateiem, tenham paciência...
Num tempo em que há cada vez mais gente a acreditar que o crime compensa, estas novas regras são ouro sobre azul: o ofendido paga «à cabeça»; o arguido, se requerer a instrução do processo, nada paga «à cabeça»; mais, se o arguido for pronunciado, no final da instrução não poderá ser condenado em mais de três Unidades de Conta (cada uma corresponde agora a 102 euros), enquanto o ofendido, se perder, pode ser condenado até um máximo de dez Unidades de Conta.
Moral da história: não se ofendam, façam contas. E se o caso for grave, resta sempre o velho ditado «a vingança serve-se fria».


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