Comentário

Uma década de militarização

Maurício Miguel
Passaram dez anos sobre a decisão do Conselho Europeu de Colónia (Alemanha) de criar a chamada Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), na sequência do desenvolvimento do processo da Política Externa e de Segurança Comum.
Este processo recebeu um impulso essencial na Cimeira entre a França e a Grã-Bretanha que se realizou em Saint-Malo em 1998, onde as duas principais potências militares da UE limaram diferenças sobre qual o papel que estaria reservado à militarização da UE no quadro de relações com a NATO e os EUA.
Ao longo destes anos foi ganhando forma e robustez uma acção militarista da UE, desfazendo as ilusões de alguns que viam neste desenvolvimento uma forma de contrapoder à NATO e aos EUA. Cedo se evidenciou que o objectivo não era fazer frente aos EUA nem à sua hegemonia sobre a Europa ocidental, mas antes concertar estratégias na re-arrumação de forças após o desaparecimento da União Soviética e do campo socialista da Europa. Os EUA deram o seu aval ao que consideraram ser um complemento ao desenvolvimento estratégico da NATO, quer na Europa, onde se apontaram baterias para Leste no cerco à Rússia, quer no resto do mundo.
O fim da década de 90 ficou marcado pela agressão à Jugoslávia e o seu desmembramento, servindo posteriormente como território de ensaio das primeiras missões militares da UE, em substituição das forças de ocupação da NATO, tanto na Bósnia-Herzegovina como no Kosovo. Criaram-se as chamadas componentes militares e «civis», eixos centrais da tentativa de justificar a ingerência e o intervencionismo. Foram criadas estruturas políticas e militares, nomeadamente um «Comité Militar» e um «Presidente do Comité Militar da UE», as quais são parte integrante, como o próprio nome indica, da subtracção de elementos fundamentais da soberania dos países da UE. Foram criados os já operacionais «Grupos de Intervenção Rápida», que resultam da disponibilização de forças militares por vários países. Está a ser desenvolvido o complexo industrial-militar através da Agência Europeia de Armamento e da criação do mercado interno do armamento com vista à coordenação dos investimentos e à facilitação das transferências entre os vários países. Foi estabelecido um acordo com a NATO com vista ao uso por parte da UE dos meios dessa organização (os acordos «Berlim +»). A geoestratégia das missões no âmbito da PESC/PESD foi alargada. Dos Balcãs passou-se para África, nomeadamente RD Congo, Somália, Chade, República Centro-Africana e Guiné-Bissau. E para a Ásia Central e Médio Oriente, nomeadamente o Iraque, Afeganistão e Geórgia. A violação da soberania tem sido um dos pilares centrais do desenvolvimento da militarização da UE. São disso exemplo as tentativas de estabelecer os primeiros protectorados na Bósnia-Herzegovina, onde a tutela da UE se está a eternizar, e no Kosovo onde a UE está a ajudar à violação do direito internacional, apoiando a autoproclamada independência da província Sérvia.
A revisão da Estratégia Europeia de Defesa está hoje na ordem do dia, aguardando as orientações que sairão da Cimeira da NATO em Abril próximo. Todas as declarações apontam no sentido de uma maior concertação entre a UE, a NATO e os EUA.
A emergência de novas potências no plano mundial e o aprofundamento da crise do capitalismo obrigam a uma redefinição de alianças e estratégias num quadro de incertezas sobre a manutenção da hegemonia dos EUA e da sua parceria com a UE na tentativa de recolonizar o planeta.
O PCP e a CDU sempre tiveram uma posição clara de rejeição do processo de militarização da UE, o qual consideram, a par do neoliberalismo e do federalismo, parte integrante do desenvolvimento do processo de integração capitalista da UE. São os únicos que alertam para o perigo do relançamento da corrida aos armamentos e denunciam o objectivo de concertação entre a UE e os principais pólos do imperialismo, nomeadamente os EUA. São os únicos que de uma forma clara apontam a sua contradição com a Constituição da República Portuguesa e combatem a subordinação das forças armadas portuguesas e da defesa nacional aos interesses das grandes potências da UE e da NATO. São o PCP e a CDU a única força política que exige uma clara ruptura com a militarização da UE, definindo como contributo fundamental para a construção de uma outra Europa e para o desenvolvimento de uma política de cooperação e de paz com todos os povos do mundo, a defesa da soberania e independência nacionais. Por tudo isto, no dia 7 de Junho, votamos pelo progresso e pela paz, votamos CDU.


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