A encruzilhada e o voto
No actual panorama político português os ritmos dos tempos de intervenção do Poder deixam muito a desejar. Estamos a escassos meses de uma sucessão acelerada de actos eleitorais e tudo parece marcar passo. Não funcionam as alianças naturais enquanto desaba a economia e o panorama social é cada vez mais catastrófico. A direita ocupou o essencial do aparelho socialista e assumiu o Governo por interposta pessoa mas perdeu-se depois num emaranhado beco sem saída. Os ministros mais
parecem aguardar por melhores dias. Ganhar tempo. Olham para a miséria como se tudo se resumisse em chegar à janela para ver passar os pobres.
Cavaco Silva está triste e preocupado com a situação do País. Em Braga, falou com os trabalhadores desempregados e disse-lhes: «Só posso trazer-vos uma palavra de solidariedade. Isto é pouco mas não tenho mais nada para vos dar...». A equipa de Sócrates faz coro com o Presidente. Isso é de facto pouco, ou melhor, não é nada.
Perante o desenrolar deste filme nada recomendável a Igreja dispõe as suas peças no xadrez político e procura resguardar-se, dividir e reinar. Podre de rica enreda-se nas suas contradições. Tal como Sócrates, usa abundantemente a estratégia da vitimização, da conspiração e da cabala. Tenta aproveitar-se dos ângulos da crise que possam abrir caminho às suas ambições de poder. Mas não pode apagar as incertezas que a minam por dentro e hão-de acabar por dividi-la.
A confissão do silêncio
O pesado silêncio da hierarquia sobre o exercício amoral da governação não exclui o olhar atento e astuto dos bispos focado na crise e nas instituições assim como, e sobretudo, na definição das linhas estratégicas que permitirão à Igreja eternizar-se no poder. Para alcançar esses objectivos a hierarquia recorre a um leque de tácticas que, embora sendo contraditórias entre si se revelam – quando bem utilizadas – sinuosas mas complementares. É a história dos silêncios prolongados seguidos por inesperadas «fugas», necessariamente muito bem controladas. Foi o caso de uma entrevista recente que o prof. João César das Neves (uma das pedras angulares da UCP e do Patriarcado) concedeu um jornal diário. Tentaremos seguir os seus raciocínios. Por detrás deles perfila-se a Igreja real.
Primeiro, a vitimização. Segundo o entrevistado, as relações do patriarcado com o PS não são nenhuma «lua de mel». Há no Governo um grupo anticatólico que ataca a Igreja e em seguida foge. «Bate e foge. São políticos maçónicos cujos interesses não representam os de Sócrates». Este, «flutua acima» dessas intrigas. Mas, cuidado! «Isto de bater na Igreja, não é de borla...» declara textualmente César das Neves. Fica a promessa de que acções como estas produzirão para o PS efeitos amargos na contagem dos votos.
Em segundo lugar, a negociação. A evidência da existência real de uma cabala anticatólica não significa ruptura entre as duas instituições, pelo menos, «por enquanto» (esta expressão repete-se ao longo do texto). Mas a possibilidade de a hierarquia vir a recomendar o voto anti-socialista é factor a considerar como simples hipótese, «por enquanto». «O PS está com medo que se levante esta questão!». Para evitar que tal suceda, os socialistas terão de rever posições, levantando a asfixia democrática que aflige os bispos, acelerando o processo de regulamentação da Concordata, pagando as dívidas antigas do Estado às Misericórdias e IPSS, etc.
Em terceiro lugar, o acordo de interesses. Se os bispos declarassem agora, simplesmente, «a Igreja não vota no PS» a ruptura entre socialistas e católicos seria imediata e irreversível. A reacção do Governo envolveria retaliações administrativas, cortes de subsídios, aumento de impostos, bloqueio financeiro das Misericórdias e IPSS, redução ou anulação de privilégios, etc. A hierarquia tem pois o dever de considerar a gravidade dessas consequências. A Igreja não se deve precipitar. Tem de
manter-se firme nas negociações e usar como trunfo na defesa dos seus interesses o sentido do seu voto final. Deve privilegiar o tacto diplomático mas simultaneamente impor na negociação as suas reivindicações em relação aos sistemas de educação, de saúde, de trabalho, da justiça, da fiscalidade, etc., etc. «Por enquanto». Depois se verá.
Assim se chantageiam, umas às outras, as forças que governam Portugal. Por nós, resistiremos e acabaremos por vencer. Faremos das próximas eleições a nossa barricada!
parecem aguardar por melhores dias. Ganhar tempo. Olham para a miséria como se tudo se resumisse em chegar à janela para ver passar os pobres.
Cavaco Silva está triste e preocupado com a situação do País. Em Braga, falou com os trabalhadores desempregados e disse-lhes: «Só posso trazer-vos uma palavra de solidariedade. Isto é pouco mas não tenho mais nada para vos dar...». A equipa de Sócrates faz coro com o Presidente. Isso é de facto pouco, ou melhor, não é nada.
Perante o desenrolar deste filme nada recomendável a Igreja dispõe as suas peças no xadrez político e procura resguardar-se, dividir e reinar. Podre de rica enreda-se nas suas contradições. Tal como Sócrates, usa abundantemente a estratégia da vitimização, da conspiração e da cabala. Tenta aproveitar-se dos ângulos da crise que possam abrir caminho às suas ambições de poder. Mas não pode apagar as incertezas que a minam por dentro e hão-de acabar por dividi-la.
A confissão do silêncio
O pesado silêncio da hierarquia sobre o exercício amoral da governação não exclui o olhar atento e astuto dos bispos focado na crise e nas instituições assim como, e sobretudo, na definição das linhas estratégicas que permitirão à Igreja eternizar-se no poder. Para alcançar esses objectivos a hierarquia recorre a um leque de tácticas que, embora sendo contraditórias entre si se revelam – quando bem utilizadas – sinuosas mas complementares. É a história dos silêncios prolongados seguidos por inesperadas «fugas», necessariamente muito bem controladas. Foi o caso de uma entrevista recente que o prof. João César das Neves (uma das pedras angulares da UCP e do Patriarcado) concedeu um jornal diário. Tentaremos seguir os seus raciocínios. Por detrás deles perfila-se a Igreja real.
Primeiro, a vitimização. Segundo o entrevistado, as relações do patriarcado com o PS não são nenhuma «lua de mel». Há no Governo um grupo anticatólico que ataca a Igreja e em seguida foge. «Bate e foge. São políticos maçónicos cujos interesses não representam os de Sócrates». Este, «flutua acima» dessas intrigas. Mas, cuidado! «Isto de bater na Igreja, não é de borla...» declara textualmente César das Neves. Fica a promessa de que acções como estas produzirão para o PS efeitos amargos na contagem dos votos.
Em segundo lugar, a negociação. A evidência da existência real de uma cabala anticatólica não significa ruptura entre as duas instituições, pelo menos, «por enquanto» (esta expressão repete-se ao longo do texto). Mas a possibilidade de a hierarquia vir a recomendar o voto anti-socialista é factor a considerar como simples hipótese, «por enquanto». «O PS está com medo que se levante esta questão!». Para evitar que tal suceda, os socialistas terão de rever posições, levantando a asfixia democrática que aflige os bispos, acelerando o processo de regulamentação da Concordata, pagando as dívidas antigas do Estado às Misericórdias e IPSS, etc.
Em terceiro lugar, o acordo de interesses. Se os bispos declarassem agora, simplesmente, «a Igreja não vota no PS» a ruptura entre socialistas e católicos seria imediata e irreversível. A reacção do Governo envolveria retaliações administrativas, cortes de subsídios, aumento de impostos, bloqueio financeiro das Misericórdias e IPSS, redução ou anulação de privilégios, etc. A hierarquia tem pois o dever de considerar a gravidade dessas consequências. A Igreja não se deve precipitar. Tem de
manter-se firme nas negociações e usar como trunfo na defesa dos seus interesses o sentido do seu voto final. Deve privilegiar o tacto diplomático mas simultaneamente impor na negociação as suas reivindicações em relação aos sistemas de educação, de saúde, de trabalho, da justiça, da fiscalidade, etc., etc. «Por enquanto». Depois se verá.
Assim se chantageiam, umas às outras, as forças que governam Portugal. Por nós, resistiremos e acabaremos por vencer. Faremos das próximas eleições a nossa barricada!