Desporto e Crise de Valores
No nosso País a prática desportiva nunca foi associada à valorização cultural do indivíduo. Nas escolas as condições existentes quer estruturais, quer curriculares, pouco permitem dar mais atenção do que «dar a aula» para a grande maioria dos professores. E isto, frequentemente em condições deploráveis em termos de «ambiente educativo».
Nos clubes impera a preocupação com a aprendizagem do gesto técnico, com o seu aperfeiçoamento, tendo em vista melhorar o rendimento dos melhores, atingir a excelência e chegar à vitória.
As federações e as associações regionais suas filiadas, na totalidade das modalidades desportivas, preocupam-se exclusivamente com a organização dos campeonatos, provas mais ou menos especiais e com um tipo de formação limitada à aquisição dos conhecimentos técnicos que permitam melhorar o desempenho «técnico» dos treinadores.
Por cima de tudo isto, paira a preocupação em ganhar uma medalha olímpica ou conquistar um título mundial, europeu ou nacional. Ou seja: afirmar o prestígio do País através dos seus resultados desportivos (ver o Euro 2004, ou os Jogos Olímpicos das últimas seis olimpíadas, por exemplo).
É a isto que praticamente todo o Sistema Desportivo designa como «qualidade» desportiva, limitada ao progresso internacional de cada modalidade obtida pelo pequeno número dos mais dotados e que constitui o «farol» orientador da acção iniciada nos escalões mais baixos. Nestes, são rapidamente eliminados os que têm «menos jeito», de tal ordem que num número impressionante de clubes se dá a inversão da pirâmide, ou seja, existe um maior número de praticantes seniores e juniores do que nos escalões inferiores. Mesmo naqueles clubes que possuem «escolas» de formação (e teríamos de ver com cuidado o que é que isto significa para o adolescente que as frequenta), organizam-nas com a preocupação exclusiva de «pescar» o mais dotado, a pérola rara que demonstra possuir uma intuição especial, uma habilidade fora do comum.
Por baixo de tudo isto, de forma surda e hipocritamente escondida, afirma-se a esperança de «produzir» o campeão e de organizar uma equipa que renda economicamente na grande feira do mercado desportivo profissionalizado ou procurando lá chegar.
Como em tudo na vida, generalizar este panorama comete a injustiça de envolver aqueles que, apesar do seu pequeno número, se preocupam realmente em colocar o desporto ao serviço da criança, do jovem e do adulto, considerando a sua prática como um verdadeiro instrumento de que a acção educativa se pode servir de uma forma especialmente eficaz.
Assim, a preocupação geral de todo o edifício desportivo, incluindo um desporto escolar esquelético e exangue, que, uma vez por outra, dá uns estremeções para demonstrar que ainda possui alguma vida, centra-se na preocupação de constituir um conjunto de bons campeonatos, bem espectaculares para «motivarem» os jovens – dizem os responsáveis. Trata-se, de facto, de procurar conquistar o «cliente» do tempo livre como espectador, ou, numa percentagem ridícula, como praticante, de formar «boas máquinas» no caso dos atletas em idade de competir, ou de responder à procura através de uma oferta rentável financeiramente.
Que os health centers e os ginásios particulares se preocupem exclusivamente com estes objectivos, compreende-se. Mas o mesmo já não acontece nem com o desporto escolar, nem com os clubes populares. Ambos deviam assentar a sua acção na lógica da vida associativa, orientada pelos valores essenciais que apontam para a construção de um novo processo de cidadania assente naturalmente no domínio técnico da actividade, mas acompanhada pelo respeito pelo outro, pelo esclarecimento das funções individuais e sociais do desporto, pela educação para exercício do associativismo, quer dizer, para a capacidade em trabalhar com os outros, em valorizar criticamente o seu próprio comportamento, em aprender a rejeitar conscientemente todas as formas de deturpação da prática (desde a violência ao dopping), em treinar a capacidade de liderança através do exercício de responsabilidades várias.
Também a chamada «alta competição» ou «desporto de alto rendimento», como se lhe queira chamar, vive uma crise que acompanha a evolução da crise global e que, como o demonstram as informações do Eurobarómetro, somos o país europeu com menor número de praticantes de todo o tipo e que esse número está em regressão. Como admirar-nos então, que o comportamento dos jovens e dos espectadores adultos assuma as formas que lhe conhecemos? E que o desporto, habitualmente identificado pela opinião pública como prática do futebol espectáculo profissionalizado, se veja impedido de desempenhar as funções que lhe deveriam caber no interior do Sistema Educativo e como forma cultural de afirmar a existência do praticante que, sob formas devidamente adaptadas, deveríamos ser todos nós, desde a infância até à velhice?
Nos clubes impera a preocupação com a aprendizagem do gesto técnico, com o seu aperfeiçoamento, tendo em vista melhorar o rendimento dos melhores, atingir a excelência e chegar à vitória.
As federações e as associações regionais suas filiadas, na totalidade das modalidades desportivas, preocupam-se exclusivamente com a organização dos campeonatos, provas mais ou menos especiais e com um tipo de formação limitada à aquisição dos conhecimentos técnicos que permitam melhorar o desempenho «técnico» dos treinadores.
Por cima de tudo isto, paira a preocupação em ganhar uma medalha olímpica ou conquistar um título mundial, europeu ou nacional. Ou seja: afirmar o prestígio do País através dos seus resultados desportivos (ver o Euro 2004, ou os Jogos Olímpicos das últimas seis olimpíadas, por exemplo).
É a isto que praticamente todo o Sistema Desportivo designa como «qualidade» desportiva, limitada ao progresso internacional de cada modalidade obtida pelo pequeno número dos mais dotados e que constitui o «farol» orientador da acção iniciada nos escalões mais baixos. Nestes, são rapidamente eliminados os que têm «menos jeito», de tal ordem que num número impressionante de clubes se dá a inversão da pirâmide, ou seja, existe um maior número de praticantes seniores e juniores do que nos escalões inferiores. Mesmo naqueles clubes que possuem «escolas» de formação (e teríamos de ver com cuidado o que é que isto significa para o adolescente que as frequenta), organizam-nas com a preocupação exclusiva de «pescar» o mais dotado, a pérola rara que demonstra possuir uma intuição especial, uma habilidade fora do comum.
Por baixo de tudo isto, de forma surda e hipocritamente escondida, afirma-se a esperança de «produzir» o campeão e de organizar uma equipa que renda economicamente na grande feira do mercado desportivo profissionalizado ou procurando lá chegar.
Como em tudo na vida, generalizar este panorama comete a injustiça de envolver aqueles que, apesar do seu pequeno número, se preocupam realmente em colocar o desporto ao serviço da criança, do jovem e do adulto, considerando a sua prática como um verdadeiro instrumento de que a acção educativa se pode servir de uma forma especialmente eficaz.
Assim, a preocupação geral de todo o edifício desportivo, incluindo um desporto escolar esquelético e exangue, que, uma vez por outra, dá uns estremeções para demonstrar que ainda possui alguma vida, centra-se na preocupação de constituir um conjunto de bons campeonatos, bem espectaculares para «motivarem» os jovens – dizem os responsáveis. Trata-se, de facto, de procurar conquistar o «cliente» do tempo livre como espectador, ou, numa percentagem ridícula, como praticante, de formar «boas máquinas» no caso dos atletas em idade de competir, ou de responder à procura através de uma oferta rentável financeiramente.
Que os health centers e os ginásios particulares se preocupem exclusivamente com estes objectivos, compreende-se. Mas o mesmo já não acontece nem com o desporto escolar, nem com os clubes populares. Ambos deviam assentar a sua acção na lógica da vida associativa, orientada pelos valores essenciais que apontam para a construção de um novo processo de cidadania assente naturalmente no domínio técnico da actividade, mas acompanhada pelo respeito pelo outro, pelo esclarecimento das funções individuais e sociais do desporto, pela educação para exercício do associativismo, quer dizer, para a capacidade em trabalhar com os outros, em valorizar criticamente o seu próprio comportamento, em aprender a rejeitar conscientemente todas as formas de deturpação da prática (desde a violência ao dopping), em treinar a capacidade de liderança através do exercício de responsabilidades várias.
Também a chamada «alta competição» ou «desporto de alto rendimento», como se lhe queira chamar, vive uma crise que acompanha a evolução da crise global e que, como o demonstram as informações do Eurobarómetro, somos o país europeu com menor número de praticantes de todo o tipo e que esse número está em regressão. Como admirar-nos então, que o comportamento dos jovens e dos espectadores adultos assuma as formas que lhe conhecemos? E que o desporto, habitualmente identificado pela opinião pública como prática do futebol espectáculo profissionalizado, se veja impedido de desempenhar as funções que lhe deveriam caber no interior do Sistema Educativo e como forma cultural de afirmar a existência do praticante que, sob formas devidamente adaptadas, deveríamos ser todos nós, desde a infância até à velhice?