Plataforma para convergir
No primeiro debate da campanha «Sim, é possível!», Jerónimo de Sousa saudou a participação de destacadas personalidades não comunistas e salientou que propostas concretas para responder aos problemas do povo e do País, a par do projecto contido na Constituição da República, constituem uma base sólida para a convergência daqueles que, à Esquerda, procuram uma alternativa para o rumo do País.
Vão ocorrer debates noutros pontos do País
O debate sobre «Poder económico, direitos dos trabalhadores, desigualdades sociais e liberdades democráticas» teve lugar na sexta-feira, dia 13, desde cerca das 15 horas até depois das 18, num dos auditórios do Hotel Plaza, no centro de Lisboa. O interesse suscitado pelo tema e pelos nomes dos oradores colocou a participação do público acima das previsões e a lotação da sala foi superada logo de princípio.
Francisco Lopes, da Comissão Política do Partido, no papel de moderador, lembrou que esta série de debates - que prossegue hoje, no mesmo local, a partir das 17.30 horas, com o professor Rogério Roque Amaro, o padre Mário Tavares, a dirigente sindical Maria do Carmo Tavares e o deputado comunista José Lourenço (e, de novo, Jerónimo de Sousa, no final), a abordarem o tema «Desigualdades sociais e pobreza, apontar saídas e soluções» - faz parte da campanha do PCP «Sim, é possível uma vida melhor». Com estes encontros, o Partido procura suscitar a reflexão e discussão sobre a crise actual, granjeando também contributos de mulheres e homens que, não sendo comunistas, entendem ser necessário agir para alterar a situação.
As diferenças e divergências, tal como os pontos comuns, foram expostas com ampla franqueza, tornando o debate ainda mais vivo e interessante. Ao longo da tarde, expressões como «total desacordo» conviveram com manifestações de uma empenhada comunhão de preocupações, quanto aos efeitos sociais da crise capitalista, e de interesse na busca de soluções favoráveis à grande maioria da população, rompendo com a lógica, hoje dominante na sociedade e no poder, de busca de maiores lucros para o capital e de intensificação da exploração dos trabalhadores.
Uma crise do sistema
Abrindo a primeira série de intervenções, Pedro Carvalho - economista e comunista - lembrou que a actual crise não é meramente financeira, atinge a economia real, e não está localizada num grupo de países, mas «é global e emana do centro do sistema capitalista mundial». Apontou alguns exemplos de como os instrumentos a que governos e bancos centrais recorrem não evitam que a crise continue a aprofundar-se. Deteve-se, em especial, sobre a situação económica na tríade constituída pelos EUA, a União Europeia e o Japão. Referindo muitos economistas, que continuam a tentar justificar a crise com «erros» de política económica, com «falhas» na regulação dos mercados ou com «falta de ética» de alguns actores, sublinhou a impossibilidade de compreender as causas da actual crise, «se não tivermos em conta a sua natureza sistémica», encarando-a como «inerente ao modo de produção capitalista».
Lembrou que, no Manifesto Comunista, Marx revelou que a burguesia triunfa nas crises «pela aniquilação forçada de uma massa das forças produtivas», como sucedeu nas duas guerras mundiais, permitindo relançar o ciclo de acumulação de capital, nos anos 50 e 60. Mas a crise esteve sempre latente e, desde o ano 2000, a taxa média de crescimento do PIB nos países do G7 é quase três vezes menos do que a verificada nos anos 60. Também cerca de três vezes inferior, em igual período, é a taxa média de crescimento dos salários, evidenciando uma contínua transferência de ganhos de produtividade para o patronato.
A crise actual expõe os limites históricos do sistema capitalista e a necessidade da sua superação, concluiu, realçando que «não existem soluções capitalistas para a crise do capitalismo».
Dignidade no desequilíbrio
«Com muito agrado e honra estou aqui», começou por dizer o professor universitário Jorge Leite, um dos mais reputados especialistas nacionais em Direito do Trabalho. Jerónimo de Sousa lembraria, mais adiante, os tempos em que conviveram como deputados do PCP. O próprio jurista situou-se desta forma para os muitos que, na sala, o recordavam como o militante comunista que foi até 1989. Admitindo que, hoje, «divergimos talvez nalgumas soluções para atingir os mesmos objectivos de justiça social», passou a analisar a revisão do Código do Trabalho, cuja publicação oficial ocorrera na véspera. Considerou-a «uma trapalhada», do ponto de vista jurídico, uma vez que muitas normas da nova lei não entram já em vigor, valendo a lei anterior, ou disposições transitórias, ou leis regulamentares ainda por aprovar. «Não percebo a pressa do Governo e, se perceber, não é para concluir nada positivo», criticou. Considerou que, numa relação laboral «assimétrica», em que a maioria assalariada não tem poder para negociar condições de troca justas, o Direito do Trabalho «foi uma forma de salvar o sistema, de o tornar suportável e amenizar convulsões sociais». O Código do Trabalho acaba por ser «um instrumento de gestão», que não tem por objectivo equilibrar aquela relação.
Defendeu que a introdução de «mudanças, ainda que não radicais», é possível. A flexibilidade, a adaptabilidade, a precariedade ou a mobilidade geográfica agravam a exposição dos mais frágeis às consequências da sua própria fragilidade e o Direito abandona-os no momento de maior fragilidade - quando procuram emprego. O empregador sabe que pode incluir normas desumanas no contrato, que isso não impedirá o trabalhador de assinar, salientou. Para Jorge Leite, «é possível mudar alguma coisa e introduzir mais dignidade».
Rendimento menos desigual
Manuela Silva, economista e professora do ISEG aposentada, assumiu o combate à pobreza como uma das grandes causas do seu mandato na presidência da Comissão Nacional Justiça e Paz, concluído no final de 2008. Encarou como «um desafio» o facto de não ser muito frequente falar «em ambientes radicalmente diferentes do nosso quadro de mundividência», assinalando que «temos objectivos comuns, mas o quadro analítico em que me situo é radicalmente diferente do que ouvi até agora». Abordando o tema das desigualdades, a corresponder ao convite que lhe fora feito, considerou o rendimento como o factor principal de desigualdade e apontou a relação directa entre a desigualdade económica e a coesão social, com as grandes desigualdades a dificultarem a busca de caminhos para a paz social. Na definição de desigualdades insere ainda um lado ético, ligado à repartição equitativa do que é produzido conjuntamente.
Citou estudos que detectaram a contemporização da sociedade portuguesa com as desigualdades, enquanto o País surge, na UE, com os maiores índices de desigualdade em todos os indicadores e com valores particularmente elevados, sobretudo quando se compara os extremos. Com a crise actual, previu, a tendência será de agravamento e concretizar-se-á, ou não, consoante a eficácia dos instrumentos para a contrariar.
Reconhecendo não acreditar «em grandes revoluções», mas antes «nas reformas do sistema», sugeriu algumas medidas «para reduzir a desigualdade na repartição do rendimento, de forma sustentada», enfatizando, de entre estas, a redução das desigualdades salariais dentro de cada empresa e o desenvolvimento da «democracia económica». Quando expressou o seu apreço pelos «passos importantes» que o actual Governo tem dado nas políticas sociais, suscitou um leve burburinho de desacordo na sala - reacção que já esperaria e a que respondeu com um sorriso. A simpatia foi retribuída em aplausos uns segundos depois, no final da sua comunicação.
Liberdade resiste
Advogada e durante vários anos deputada do PCP, Odete Santos tem estado mais recentemente empenhada no combate contra os ataques às liberdades democráticas. No debate, começou por admitir a dificuldade de falar, mais uma vez, sobre direitos, liberdades e garantias. Ao contrário da oradora que a antecedeu e «ainda deita água benta sobre o primeiro-ministro», daria a Sócrates «o papel de Pinóquio» numa peça que a convidassem para encenar. Foi precisamente «a prática deste Governo» que desfigurou completamente a Constituição, deixando as palavras «sem significado». A liberdade de expressão surge «muito limitada» no Tratado de Lisboa, quando a Lei Fundamental portuguesa a consagra «por qualquer forma».
Depois de fazer referência a «ataques às liberdades que são muito conhecidos», sublinhou os que são dirigidos contra a pintura de murais e o direito de afixação de propaganda política. Às tentativas ilegais de limitação do direito de reunião e manifestação e de direitos laborais (com as forças policiais a serem chamadas para anularem o direito de greve, como sucedeu na Sisáqua e na Valorsul), a resposta está no direito a resistir a actuações ilegítimas, que permanece consagrado na Constituição. «Nós resistiremos e é em frente que vamos», concluiu.
Francisco Lopes, da Comissão Política do Partido, no papel de moderador, lembrou que esta série de debates - que prossegue hoje, no mesmo local, a partir das 17.30 horas, com o professor Rogério Roque Amaro, o padre Mário Tavares, a dirigente sindical Maria do Carmo Tavares e o deputado comunista José Lourenço (e, de novo, Jerónimo de Sousa, no final), a abordarem o tema «Desigualdades sociais e pobreza, apontar saídas e soluções» - faz parte da campanha do PCP «Sim, é possível uma vida melhor». Com estes encontros, o Partido procura suscitar a reflexão e discussão sobre a crise actual, granjeando também contributos de mulheres e homens que, não sendo comunistas, entendem ser necessário agir para alterar a situação.
As diferenças e divergências, tal como os pontos comuns, foram expostas com ampla franqueza, tornando o debate ainda mais vivo e interessante. Ao longo da tarde, expressões como «total desacordo» conviveram com manifestações de uma empenhada comunhão de preocupações, quanto aos efeitos sociais da crise capitalista, e de interesse na busca de soluções favoráveis à grande maioria da população, rompendo com a lógica, hoje dominante na sociedade e no poder, de busca de maiores lucros para o capital e de intensificação da exploração dos trabalhadores.
Uma crise do sistema
Abrindo a primeira série de intervenções, Pedro Carvalho - economista e comunista - lembrou que a actual crise não é meramente financeira, atinge a economia real, e não está localizada num grupo de países, mas «é global e emana do centro do sistema capitalista mundial». Apontou alguns exemplos de como os instrumentos a que governos e bancos centrais recorrem não evitam que a crise continue a aprofundar-se. Deteve-se, em especial, sobre a situação económica na tríade constituída pelos EUA, a União Europeia e o Japão. Referindo muitos economistas, que continuam a tentar justificar a crise com «erros» de política económica, com «falhas» na regulação dos mercados ou com «falta de ética» de alguns actores, sublinhou a impossibilidade de compreender as causas da actual crise, «se não tivermos em conta a sua natureza sistémica», encarando-a como «inerente ao modo de produção capitalista».
Lembrou que, no Manifesto Comunista, Marx revelou que a burguesia triunfa nas crises «pela aniquilação forçada de uma massa das forças produtivas», como sucedeu nas duas guerras mundiais, permitindo relançar o ciclo de acumulação de capital, nos anos 50 e 60. Mas a crise esteve sempre latente e, desde o ano 2000, a taxa média de crescimento do PIB nos países do G7 é quase três vezes menos do que a verificada nos anos 60. Também cerca de três vezes inferior, em igual período, é a taxa média de crescimento dos salários, evidenciando uma contínua transferência de ganhos de produtividade para o patronato.
A crise actual expõe os limites históricos do sistema capitalista e a necessidade da sua superação, concluiu, realçando que «não existem soluções capitalistas para a crise do capitalismo».
Dignidade no desequilíbrio
«Com muito agrado e honra estou aqui», começou por dizer o professor universitário Jorge Leite, um dos mais reputados especialistas nacionais em Direito do Trabalho. Jerónimo de Sousa lembraria, mais adiante, os tempos em que conviveram como deputados do PCP. O próprio jurista situou-se desta forma para os muitos que, na sala, o recordavam como o militante comunista que foi até 1989. Admitindo que, hoje, «divergimos talvez nalgumas soluções para atingir os mesmos objectivos de justiça social», passou a analisar a revisão do Código do Trabalho, cuja publicação oficial ocorrera na véspera. Considerou-a «uma trapalhada», do ponto de vista jurídico, uma vez que muitas normas da nova lei não entram já em vigor, valendo a lei anterior, ou disposições transitórias, ou leis regulamentares ainda por aprovar. «Não percebo a pressa do Governo e, se perceber, não é para concluir nada positivo», criticou. Considerou que, numa relação laboral «assimétrica», em que a maioria assalariada não tem poder para negociar condições de troca justas, o Direito do Trabalho «foi uma forma de salvar o sistema, de o tornar suportável e amenizar convulsões sociais». O Código do Trabalho acaba por ser «um instrumento de gestão», que não tem por objectivo equilibrar aquela relação.
Defendeu que a introdução de «mudanças, ainda que não radicais», é possível. A flexibilidade, a adaptabilidade, a precariedade ou a mobilidade geográfica agravam a exposição dos mais frágeis às consequências da sua própria fragilidade e o Direito abandona-os no momento de maior fragilidade - quando procuram emprego. O empregador sabe que pode incluir normas desumanas no contrato, que isso não impedirá o trabalhador de assinar, salientou. Para Jorge Leite, «é possível mudar alguma coisa e introduzir mais dignidade».
Rendimento menos desigual
Manuela Silva, economista e professora do ISEG aposentada, assumiu o combate à pobreza como uma das grandes causas do seu mandato na presidência da Comissão Nacional Justiça e Paz, concluído no final de 2008. Encarou como «um desafio» o facto de não ser muito frequente falar «em ambientes radicalmente diferentes do nosso quadro de mundividência», assinalando que «temos objectivos comuns, mas o quadro analítico em que me situo é radicalmente diferente do que ouvi até agora». Abordando o tema das desigualdades, a corresponder ao convite que lhe fora feito, considerou o rendimento como o factor principal de desigualdade e apontou a relação directa entre a desigualdade económica e a coesão social, com as grandes desigualdades a dificultarem a busca de caminhos para a paz social. Na definição de desigualdades insere ainda um lado ético, ligado à repartição equitativa do que é produzido conjuntamente.
Citou estudos que detectaram a contemporização da sociedade portuguesa com as desigualdades, enquanto o País surge, na UE, com os maiores índices de desigualdade em todos os indicadores e com valores particularmente elevados, sobretudo quando se compara os extremos. Com a crise actual, previu, a tendência será de agravamento e concretizar-se-á, ou não, consoante a eficácia dos instrumentos para a contrariar.
Reconhecendo não acreditar «em grandes revoluções», mas antes «nas reformas do sistema», sugeriu algumas medidas «para reduzir a desigualdade na repartição do rendimento, de forma sustentada», enfatizando, de entre estas, a redução das desigualdades salariais dentro de cada empresa e o desenvolvimento da «democracia económica». Quando expressou o seu apreço pelos «passos importantes» que o actual Governo tem dado nas políticas sociais, suscitou um leve burburinho de desacordo na sala - reacção que já esperaria e a que respondeu com um sorriso. A simpatia foi retribuída em aplausos uns segundos depois, no final da sua comunicação.
Liberdade resiste
Advogada e durante vários anos deputada do PCP, Odete Santos tem estado mais recentemente empenhada no combate contra os ataques às liberdades democráticas. No debate, começou por admitir a dificuldade de falar, mais uma vez, sobre direitos, liberdades e garantias. Ao contrário da oradora que a antecedeu e «ainda deita água benta sobre o primeiro-ministro», daria a Sócrates «o papel de Pinóquio» numa peça que a convidassem para encenar. Foi precisamente «a prática deste Governo» que desfigurou completamente a Constituição, deixando as palavras «sem significado». A liberdade de expressão surge «muito limitada» no Tratado de Lisboa, quando a Lei Fundamental portuguesa a consagra «por qualquer forma».
Depois de fazer referência a «ataques às liberdades que são muito conhecidos», sublinhou os que são dirigidos contra a pintura de murais e o direito de afixação de propaganda política. Às tentativas ilegais de limitação do direito de reunião e manifestação e de direitos laborais (com as forças policiais a serem chamadas para anularem o direito de greve, como sucedeu na Sisáqua e na Valorsul), a resposta está no direito a resistir a actuações ilegítimas, que permanece consagrado na Constituição. «Nós resistiremos e é em frente que vamos», concluiu.