Os jornalistas orgânicos da PentágonoPress (1)

César Príncipe
O Iraque não é apenas um poço de petróleo, também é um poço de sabedoria e de ensinamentos. Os senhores do Império, na dupla função de polícias e ladrões do mundo, sabem que o domínio ou o predomínio da Informação/Desinformação se inscrevem nos preparativos e nos dispositivos da invasão, da ocupação, da repressão, da legitimação.
A Informação/Propaganda é, pois, assunto inerente a todos os planos político-militares, é orçamentada, é avaliada no decorrer e no conjunto das operações, servindo-se dos recursos técnicos e humanos já instalados no espaço público (nacional e internacional) e guarnecendo-se de meios complementares e suplementares para enquadrar objectivos e potenciar efeitos.
A Guerra do Golfo II de Bush II revelou-se e continua a revelar-se um modelo da guerra clássica pela conquista do petróleo mental, havendo o invasor/ocupante ampliado e esmerado o instrumental de fluência e de influência, visto que enfrentava e defronta um amplo movimento adverso e, desta vez, a nível externo e interno. Os invasores/ocupantes, declarado o the end da ofensiva principal, desta feita, não ganharam a guerra psicológica na comunidade dos povos e na comunidade dos estados, embora houvessem conseguido pontualmente inverter, refrear ou gradualizar algumas tendências. Como seria de esperar, com a expedição de tropas para o teatro de operações e a imposição no terreno da lei do mais forte, tendem a oscilar alguns gráficos: os familiares e conterrâneos dos expedicionários passam a sentiMentalizar-se, condoendo-se com a «sorte» dos «seus», agora expostos ao fogo dos «outros» e, dada a desproporção de forças e perante a previsibilidade do desfecho, há sempre quem resvale para a resigNoção ou para a resigNação.
Os programadores ponderam as contingências, procurando o controlo do processo através de quatro variáveis de combate psicológico, com os respectivos cadernos de encargos: sedução, intimidação, transacção, neutralização. Em certas situações, desenvolvem o ataque aparentemente por etapas. Todavia, esta quadratura do círculo é montada de acordo com a agenda das dificuldades e a monotorização dos sinais persuasores. Estas quatro frentes da guerra psicológica não visam apenas a invasão e a ocupação das consciências individuais: se repararmos, as mesmas medidas são desencadeadas e as mesmas expectativas são depositadas na direcção de instituições, estados e exércitos, inimigos e amigos. A recente e persistente agressão ao Iraque é um compacto de tal doutrina: ludibriam-se os distraídos; amedrontam-se os vacilantes; compram-se os pragmáticos; abatem-se os resistentes. Neste abate, os expedientes vão desde a destruição de estações televisivas e radiofónicas/Iraque, a equipamentos móveis e portáteis e liquidação física de equipas de reportagem/Hotel Palestina/Al-Jazeera/Abu-Dhabi/Al-Arabiya, ao emprateleiramento e desemprego de jornalistas (inclusive vedetas do sistema/Peter Arnett). O Novo Império inspira e valida as teorias da Informação, premiando os seduzíveis e os intimidáveis ou punindo os que pisam o risco. Esta teoria assenta na mais democrática Liberdade de ExPressão.

Jornalistas orgânicos

No âmbito da guerra preventiva da Informação/Propaganda, os delineadores da campanha, alertados pelo coro mundial de protestos e pelas divergências no campo aliado, para além das receitas de sucesso, testadas em anteriores conflitos, experimentaram um maior grau de envolvimento de mediadores da opinião pública: integraram repórteres na maquinária militar. O entrosamento foi ao ponto de envergarem fardas e ganharem, num ápice, tiques castrenses (lexicais e gestuais), ficando prisioneiros de guerra da Informação. Redundaram em prisioneiros, objecto de negociação empresarial e pessoal: seduzidos. Passaram de profissionais ou correspondentes dos media, onde, frequentemente, despistavam os engajamentos ou poderiam, no limite, contrastar fontes, a correias de transmissão directas e explícitas. São inapelavelmente transformados em jornalistas orgânicos. A máquina restringe-lhes radicalmente os movimentos e sujeitam-nos às rações da verdade, criteriosamente ministradas. Daí que o general Tommy Franks, supercabo da Guerra do Golfo II de Bush II, não pudesse ser mais peremptório e optimizador: A melhor maneira de se mostrar ao mundo a verdade do que está a acontecer é através das linhas da frente. (Fox News)1 Rentabilização dos repórteres com fronteiras confirmada por um dos encafuados na máquina de guerra, Mary Beth Sheridan, de The Washington Post, que pretensamente embarcara no seio de uma brigada de helicópteros para observar «tudo» e «em directo», mas que desabafaria: Só quase três semanas depois do início dos combates é que viu os primeiros iraquianos feridos. (Público)2 Eis uma nova versão da Boa Imprensa, protótipo de virtudes, desde logo, in nomine Dei, na esteira do programa mediático da Igreja Católica, no princípio do séc. XX, então face à laicização da pena de jornalistas e colaboradores e à liberalidade dos conteúdos publicitários. Entre nós, foi pioneiro o Apostolado da Imprensa o jesuíta Santana.3 No início de um novo século, ressurge o espírito de missão da White House Church.
É o Novo Império Mediático PentágonoPress. O complexo militar-mediático torna-se, assim, uma espécie de ogiva de cabeça múltipla, incorporando aparelhagens específicas de Propaganda, redes de agências e tempos de satélites da componente económica imperial, quadros destacados para a esfera de Comunicação de Massas, agentes posicionados nos Órgãos de Informação e executores passivos ou seduzidos/intimidados dos e nos circuitos multimédia. Na disposição dos arsenais hertzianos, electrónicos e de papel, a CNN tem-se afirmado e tem sido mobilizada como a Newsworld, o Umbigo do Universo da Informação, o Grande Espelho Parabólico da Globamericanização, ocupando espaço central nas Redacções, onde, por regra, vício ou inércia, funciona noite e dia como canal da verdade instantânea, sinaleiro do agendável, regulador do politicamente correcto. Nesta orquestração, saltou da cartola dos programadores para o espectro multimédia um coelho antes sacado com mais subtileza: a dos militares-comentadores. Se por um lado, as tropas de invasão/ocupação anicharam repórteres em porta-aviões, helicópteros e tanques, não se esqueceram, nomeadamente em Portugal, de anichar militares nas redacções de televisões, rádios, jornais. Tais especialistas, uniformizados com um ar de neutralidade para uma neutralização mais eficaz, cumprida a missão que lhes foi confiada, acabaram medalhados pelo ministro da Defesa, um dos membros mais viris do Governo, apostado em ornar os peitos de combatentes das ex-colónias portuguesas e das actuais colónias americanas com tantas distinções como de beijos, enquanto dirigente partidário, cobriu feiras e lares de idosos. Os galardões do «Objectivo Bagdad» foram expressamente concedidos pela «neutralidade» dos opinion makers inter-armas. Ora, todos pudemos constatar a sua visão anglo-americana, ao ponto de alguns menos advertidos chegarem a utilizar o pronome «nós», numa identificação automática com a coligação. Os artefactos peitorais e os louvores nas folhas de serviços prestados — eis uma das gratificações/transacções. Outras prender-se-ão com a carreira enquanto os «ventos da História» soprarem do Eixo anglo-saxónico.
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1 Fox News, 10/05/2003.
2 Público, 11/05/2003.
3 Santana, Manuel Fernandes (1864-1910), A Cruzada em Favor da Boa Imprensa , 1902.


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