O Congresso dos Sindicatos Britânicos declarou guerra à política blairista

O regresso da militância

Manoel de Lencastre
Os sindicatos britânicos, reunidos em Congresso durante a semana passada, em Brighton, confirmaram o retorno às formas de luta que os governos Thatcher-Major haviam suprimido através de leis iníquas que Blair jurou manter e declararam-se prontos para uma campanha de lutas a vários níveis contra o actual executivo. Toda a política blairista foi atacada, tanto na generalidade como nas candentes e particulares questões da guerra no Iraque, dos hospitais-fundações e das propinas exigíveis aos estudantes universitários. E surgiu, à vista do mundo, a nova geração de dirigentes sindicais formada nos anos nebulosos dos governos acima designados e que, agora, parece decretar ao capitalismo a sua inescapável rota - a da esperada catástrofe.
O primeiro-ministro, Tony Blair, também esteve em Brighton. Mas, desta vez, esquivou-se a comparecer diante do Congresso. Já sabia que teria de enfrentar uma recepção tumultuosa e hostil por parte da esmagadora maioria dos delegados. Por isso, achou por bem reunir-se com os principais dirigentes dos grandes sindicatos, mas durante um jantar. Mesmo nesse encontro, a trajectória do «New Labour» foi severamente criticada e os dirigentes em causa trataram com desdém a afirmação de que pretendem regressar aos cem anos de ilusões de que, segundo Blair, se tem feito a existência do «Trades Union Congress». Os novos dirigentes sindicais não têm a mínima dúvida de que Blair é um «Tory» infiltrado no «Labour Party» e desejam tratá-lo como tal.

Gordon Brown - os trabalhadores desconfiam dele

Os planos governamentais para introduzir mais reformas nos serviços públicos foram severamente derrotados pelo plenário. Os apelos à modernização, protagonizados por Gordon Brown, chanceler do Tesouro, não conseguiram apoio. Uma hora após o discurso daquele que se aponta como o sucessor de Blair, o Congresso afirmava-se persuadido de que a nova política de propinas suplementares «lançaria milhares de estudantes oriundos da classe trabalhadora para fora das universidades e destruiria muito das bases de apoio eleitoral ao Partido Trabalhista». O governo pretende aumentar as propinas que, anualmente, importam em 1 620 euros, para 4 320 euros. A proposta de Blair prevê, ainda, que todos os estudantes que não procedam aos pagamentos em causa, sejam forçados a fazê-lo, pela via dos tribunais, logo que atinjam a idade em que possam ser processados.
Frank Dobson, entretanto, um ex-ministro da Saúde, pronunciou-se contra a ideia dos Hospitais-Fundação. Eis as suas palavras: «As propostas do “New Labour” para que se crie este tipo de hospitais elitistas tem como objectivo enfraquecer, ainda mais, o “National Health Service”/Serviço Nacional de Saúde. O governo está a atirar o NHS às feras. Sinto tristeza em dizê-lo, mas parece-me que estamos perante o fim do NHS.» Os hospitais-fundação serão alguns dos mais modernos da actualidade. Ser-lhes-á dada uma autonomia financeira e administrativa que nunca quaisquer outros tiveram. Isso lançá-los-á na área do mercado. Dividirão, ainda mais, o serviço de saúde em todo o país, entre hospitais de qualidade vocacionados para os que podem pagar os respectivos serviços e hospitais decadentes para utilização da maioria dos cidadãos deste país.
Por seu lado, Dave Prentis, em nome do UNISON (Sindicato dos Funcionários Públicos), afirmou: «O governo blairista deveria ser honesto para com todos nós e designar os hospitais-fundação como aquilo que, na verdade, serão, hospitais privados.»

Iraque: «As mentiras do governo de Blair»

No debate dedicado pelo Congresso à situação no Iraque, Tony Woodley, secretário-geral da TGWU (Transport & General Workers Union), afirmou: «Se eu me chamasse Blair, faria desde já uma revisão da minha posição e pediria desculpa ao país. A guerra foi e é ilegal. O governo, para participar nela, teve de recorrer a lamentáveis processos de desinformação.» Quanto ao dirigente do «Rail, Maritime and Transport Union», Bob Crow, um dos mais militantes da nova geração, disse: «Quaisquer que sejam as palavras usadas para defender as mentiras do governo, parece-me perfeitamente certo que Blair nos arrastou para esta guerra com um único objectivo, o da conquista do petróleo iraquiano. O primeiro-ministro mentiu-nos quanto às armas de destruição em massa.»
Os principais dirigentes sindicais da nova geração são: Billy Hayes (Communications Workers Union/Correios e Telecomunicações), Mick Rix (ASLEF/Maquinistas ferroviários), Bob Crow (RMT/Ferroviários, Marinha Mercante, Transportes), entre outros. Todos se têm mostrado preparados para uma campanha de greves contra a política de Blair e contra as leis anti-sindicais postas em vigor por Margaret Thatcher. Dizem-se dispostos a deixar de reconhecer a lei contra as greves secundárias (quando os trabalhadores de uma indústria suspendem o trabalho em apoio aos camaradas de outra indústria), para começar.

A voz da história

Os sindicatos britânicos desenvolveram uma actividade intensa em quase todas as esferas da vida britânica durante a segunda metade do século vinte. A sua íntima aliança com o Partido Trabalhista deu-lhes condições para uma alargada participação nas actividades governamentais durante os gabinetes de Clement Attlee, Harold Wilson e James Callaghan. Nesses tempos, destacavam-se, como figuras respeitadas e poderosas, Frank Cousins e Jack Jones (secretários-gerais da Transport & General Workers Union), Hugh Scanlon, o carismático leader dos metalúrgicos, Jim Slater, dirigente dos trabalhadores da Marinha Mercante, Ray Buckton, dos maquinistas ferroviários e do Metro de Londres. Eram todos membros do Partido Comunista.
As lutas dos mineiros alteraram a conjuntura em que os sindicatos existiam. Quando em 1972 e 1974 as triunfantes greves da heróica classe dos mineiros levaram o governo conservador de Edward Heath à demissão, um profundo sentimento de vingança ficou a marcar todos os que se aliaram a Margaret Thatcher logo que esta assumiu a direcção dos «tories» (1975). Chegada ao poder (1979), a «dama de ferro» apressou-se a divisar uma nova política energética que fornecesse às grandes centrais geradoras de electricidade possibilidades de obterem o combustível de que careciam, mas muito mais barato do que o carvão - petróleo e gás. Esta política ameaçava, directamente, a própria existência dos mineiros.
Com Joe Gormley afastado, o Sindicato dos Mineiros era dirigido por Arthur Scargill, um dos mais combativos e leais dirigentes sindicais que a Grã-Bretanha conheceu. A greve de 1984-85 foi declarada para defender a vida das famílias das áreas mineiras. Mas Margaret Thatcher mobilizou toda a polícia britânica e diversas unidades do exército mas com uniformes de polícias para combater os piquetes de greve. A actividade dos serviços secretos para desmobilizar e atemorizar, também não foi pequena. A derrota dos mineiros foi uma das mais tristes páginas da história britânica moderna.


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