O grande desconcerto ...

Jorge Messias
Não é que a história se repita, mas às vezes até parece que sim. O filme do que se passa no mundo actual já nos é familiar. Os super-homens calcam aos pés as sub-espécies da humanidade. Israel, herdeira do Holocausto, toma os antigos verdugos como modelo de acção. Alastram as falências e o desemprego. Multidões morrem de fome e na miséria. Por todo o mundo estoiram revoltas e guerras de rapina. A globalização capitalista dos mercados abre profundas fendas e tende a desabar. As instituições não funcionam e servem de capa hipócrita à exploração e ao extermínio do homem. Ressurgem os anti-valores que caracterizaram os dias que precederam a II Guerra Mundial. Vivemos tempos altamente perigosos.
Por cá, todo este retrocesso moral e político salta aos olhos. A economia praticamente não existe e as finanças são dominadas pela canalha mais corrupta. O poder está nas mãos dos banqueiros, da internacional do dinheiro, das sociedades secretas, dos serviços de informação e da Igreja católica. Esta, de mãos dadas com os titulares dos altos centros de decisão, presta-se a servir de fachada à inqualificável hipocrisia dos políticos aos quais fornece a plástica da falsa moral e da virtude. Exemplos desses não faltam no país.
«Gastámos mais do que tínhamos», é o sentido da análise que o Presidente da República faz às origens da crise económica, como se para ele isso fosse novidade. Mas não explica de quem é que está a falar com a sua alusão ao esbanjamento, se da élite que detém o poder, se da massa informe e pobre que constitui o povo português. «A culpa é de todos nós», clama D. José Policarpo, diluindo as culpas das políticas e dos banqueiros e convertendo em «pecado venal» aquilo que é crime deliberado da responsabilidade dos ricos e dos poderosos. O papa «insurge-se contra a pobreza» mas continua a amealhar tesouros na Terra. Os milionários choram publicamente os milhões que perderam e Cavaco Silva coroa este ciclo vicioso de crime/absolvição ao reconhecer, por um lado, que o País acumulou dívidas ao estrangeiro de montantes astronómicos (90% da totalidade do produto nacional); por outro lado, porém, perante a eminência da bancarrota, apela à paz e à concórdia das forças políticas e económicas lembrando, um tanto incoerentemente, que o momento «não é para querelas». É que importa ser-se prudente: apague-se o passado. Enquanto isto, Sócrates vai progressivamente perdendo a fala. Aproxima-se a data das próximas eleições legislativas. Esperam-se grandes mudanças, como diz Mário Soares. Vem aí o tempo das piruetas.

O futuro ao homem pertence!

Se a Igreja tradicional vai perdendo pujança e dinamismo nas áreas que lhe são próprias, certo é que os reflexos da religião marcam todas as estruturas da sociedade portuguesa. Ao longo dos séculos, as instituições tomaram como modelo de organização a ordem clerical. Os chefes são sumos sacerdotes, os ministros «ungidos de Deus», e sobre o povo miúdo paira a sombra de uma fatalidade que nenhum de nós pode evitar. O futuro a Deus pertence e... cá vamos andando! Com o tempo e as muitas experiências negativas, uma filosofia passiva e paralisante instalou-se insensivelmente em muitos de nós. É dever dos proletários combater essa mentalidade e mudá-la no seu contrário: o destino do povo é este que o traça e o futuro pertence-lhe, está nas suas mãos. É a acção que determina a mudança. E é a crítica da acção que permite aos homens unirem-se, aprenderem uns com os outros e caminharem em frente, talhando o seu futuro colectivo. Livremente, sem complexos de sujeição e sem papões. A religião tem de deixar de ser o ópio do povo.
Os actuais dirigentes prometeram-nos o Paraíso e dão-nos agora o desemprego, a vida cara e a pobreza. É digno de ver-se com que desfaçatez eles dão o dito pelo não dito. Sócrates, então, é o puro retrato de tudo quanto para os trabalhadores é mentira imoral. Compõe uma imagem de honestidade ilusória. Abre a torneira das promessas vãs. Logo a seguir, conservando o mesmo sorriso e as mesmas poses estudadas, anuncia o inverso do que prometeu e adia para mais tarde um futuro risonho que, com ele aos comandos, nunca chegará. Procede assim porque despreza o povo e tem como certo que o homem comum jamais se revoltará. No momento próprio, as algemas invisíveis da tradição irão emudecer a revolta popular.
É preciso travar esta situação e transformar profundamente a sociedade. Com desassombro e coragem. Lutando, falando, escrevendo, votando. Preenchendo todos os espaços vazios. Fortalecendo a unidade na acção.
Dando, enfim, a toda esta gente desprezível que ocupa e destrói as nossas vidas uma severa lição da moral marxista.


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