A crise do capitalismo e a moral marxista (2)

Jorge Messias
Um exemplo final, a envolver também os capitais eclesiásticos. O caso Madoff veio chamar as atenções, como anteriormente foi já referido, para o envolvimento das fundações privadas de natureza ética, humanista e filantrópica, formalmente sem interesses lucrativos e revestidas de uma auréola de despojamento material e de caridade, ainda que todas elas tenham sido criadas por fortunas multimilionárias. À nascença, quando foi sendo anunciada a criação dessas fundações, a própria Igreja proclamou que os mais ricos, afinal, tinham uma consciência social e laços de solidariedade que os ligavam aos mais pobres. O argumento moral foi utilizado como tese para rebater o princípio da luta de classes. Mas escândalos como os de Madoff, do BPN, do BCP, do BPP, etc., etc., permitem reconhecer a presença, nesta série negra que envolve fraudes e offshores, de siglas sonantes do capitalismo religioso: o Santander, La Caja, o Montepio Geral, o Banesto, o Popular, L'Union Suisse des Banques, La Banque Lyonnaise, o J.P. Morgan, o Bilbau y Vizcaya... e por aí fora, muitas outras mais. É um verdadeiro «poço sem fundo». O que está em causa é a acumulação e o lucro, custe o que custar, uma ambição desmedida oculta por uma capa de moral solidária. Tudo profundamente falso porque, ao contrário do que diz a Igreja, os banqueiros e os trapaceiros políticos não têm «movimentos de alma ascendentes». Domina-os a ganância material.

Moral capitalista e moral marxista

Os sistemas éticos não são gratuitos nem ocasionais. Pelo contrário, resultam de situações objectivas e têm objectivos concretos; um (o capitalista), valida e valoriza conceitos formais sem conteúdo real, parados no tempo e com o valor de dogmas, de que depois se serve para aprovar, em nome do direito e da justiça, as acções que decorrem no seu quadro de interesses; o outro (o marxista) nasce da dialéctica da luta de classes, isto é, do movimento e das relações entre contextos reais. Incorpora valores dinâmicos relacionados com a justiça social, com os interesses colectivos, com a paz, com a justa distribuição da riqueza, com tudo quanto diga respeito à construção de uma sociedade socialista sem classes.
Os valores morais do marxismo reflectem a experiência da vida e apoiam-se nas leis objectivas da história. A economia produz a ética tal como o Estado socialista é fonte de equilíbrio social e de progresso. Marx e Engels abordaram estes aspectos fundamentais em toda a sua obra revolucionária, como pode exemplificar-se com o texto seguinte: «Na sociedade burguesa actual, os homens vivem dominados por uma força estranha, pelas condições económicas que eles próprios criaram e pelos meios de produção que eles próprios geraram. Ou seja: na sociedade burguesa subsiste a base efectiva de uma religião como acto ideológico de reflexão que depois se transfere de novo da sociedade laica para a religiosa. O facto de a economia burguesa permitir, até certo ponto, penetrar no nexo causal desse domínio exercido por uma força estranha não altera em nada essa realidade. A economia burguesa não pode impedir as crises cíclicas, nem salvaguardar os capitalistas dos riscos das perdas financeiras, das dívidas e da bancarrota, nem garantir aos operários o emprego e a extinção da pobreza... Não basta o mero conhecimento acumulado pela economia burguesa para submeter as forças sociais ao domínio da sociedade. Para isso é necessário, antes de tudo, uma força social que se aposse do conjunto dos meios de produção e os dirija planificadamente em benefício dos povos... Só quando o homem dispuser desse poder desaparecerá a força estranha que ainda se reflecte na religião e com ela esfumar-se-á, também, o próprio reflexo religioso sobre o conjunto da sociedade.» ( Marx-Engels, Anti-Duhring).
Estes pensamentos ensinam-nos a ler correctamente o essencial do que se passa em Portugal nos dias de hoje que mergulham numa crise total do capitalismo: crise económica e financeira, crise social, crise política, alianças da Igreja com o poder, papel incolor da sociedade civil, degradação moral e a tal «força estranha» que divide os homens e lhes rouba a dignidade.
Nas lutas que travamos e se vão intensificar, o exercício da moral marxista é um dos motores principais da nossa acção de mudança.


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