Um olhar sobre Lino Lima

No ano de 1917, na Rua de Miraflor, da cidade do Porto, nasceu Lino de Carvalho Lima. Mercê do casamento de seu pai com uma menina (sua mãe) filha de industrial, o qual para fazer «subir» o genro o trouxe para gerir uma empresa; assim veio a sua família para Famalicão, pouco tempo depois de ter nascido. Teve uma infância e juventude mais ou menos despreocupadas, afora a participação no desafio e afrontamento aos Camisas azuis do Rolão Preto aquando da passagem destes pela Estação de S. Bento em direcção a Coimbra para uma manifestação de cariz nazi, onde, no meio de democratas, deu «vivas à República e à Democracia» e «morras ao fascismo», a que se seguiria uma desenfreada correria à frente de um polícia que, brandindo ameaçadoramente um chanfalho, acabou por ser batido na corrida e desistiu.
Excertos do trajecto de vida
de um resistente e comunista


Daí o reconhecer que fez um liceu sereno no Alexandre Herculano. É a partir do ano de 1934, com a sua ida para Coimbra para preparar a licenciatura em Direito, que a consciência cívica e política de Lino Lima, como viria a tornar-se publicamente mais conhecido, se vai formando e moldando. A guerra civil de Espanha desencadeada em 18 de Julho de 1936 por monárquicos, os filiados na CEDA, partido da direita de Gil Robles, os fascistas da Falange de Primo Rivera, os latifundiários e o exército, (do qual emergiu um tal general Franco que comandara a revolta das tropas das guarnições do Norte de África espanhol e, depois, rosto visível da sangrenta ditadura implantada) contra a Frente Popular e todos os acontecimentos que se lhe seguiram, vão ser a escola para a sua tomada de consciência política, aliás, como o confessa, quando mais tarde, relembrando, diz ter compreendido os factos que, na apura da sua ocorrência, não tinha sabido valorizar convenientemente.
Entretanto, foi viver para Rua Alexandre Herculano, num edifício alto e cujo quarto ficava junto à pensão onde ia comer. É nesta pensão que vivia Armando de Castro, que cursava o mesmo ano e com quem trava relações pessoais. É no quarto de Armando Castro, onde se reuniam, discutiam e viviam intensamente cada pormenor da guerra civil e da situação política em Espanha, que convive com Joaquim Namorado, Armando Bacelar, Pinto Loureiro, Rui Feijó, Álvaro Feijó, Fernando Marta e outros. Mais tarde, Raul Castro e Salgado Zenha que constituiriam uma nova geração a pontos deste último forçar o fascismo a aceitar eleições para a Associação Académica. Naquele quarto, foram temas de conversa, aprendizagem e discussão o materialismo histórico e o materialismo dialéctico, a procura de conhecimento sobre a realidade da União Soviética, de compreensão pelos diferentes lances da Revolução Socialista e ao mesmo tempo conhecer a verdade sobre o nosso País.
A Guerra Civil em Espanha era seguida com preocupação e era uma questão central que concitava a maior das atenções. Nos anos 40, com deslumbre lembra José Martins, que depois de formado em História e Filosofia foi para a clandestinidade, sendo preso e condenado a uma longa pena de prisão, que cumpriu. Teve um papel muito importante na divulgação do marxismo entre os da sua geração, confessa Lino, tendo quase sempre como cenário o quarto de Armando Castro.

A adesão ao Partido

O ano de 1941 seria o último ano de Coimbra e é na Primavera desse ano que, convidado, acabaria por dar a sua adesão ao Partido Comunista Português. Ainda vive a experiência do trabalho clandestino ao fazer o controlo das organizações em Vila do Conde e Póvoa de Varzim, que o Partido lhe propôs por intermédio de Pires Jorge com quem havia de trabalhar muitos anos. Seria a primeira e última vez que realizou trabalho clandestino, porque, pouco tempo depois, seria preso pela PVDE. Quando meses depois saiu da cadeia, abrangido pela amnistia do fim da guerra e com uma curta passagem pelo MUNAF, o Partido destacou-o para outras tarefas, designadamente o «trabalho legal», pois que entretanto surgira o Movimento da Unidade Democrática e era preciso forçar o governo (fascista) a aceitá-lo como organização política permanente da «Oposição». Nesta nova tarefa, mais apropriada para um advogado - reconhece -, ficaria até ao 25 de Abril.
A sua actividade na «legalidade» é sobejamente conhecida, destacando-se ao integrar a Comissão Distrital de Braga que apoiava a candidatura do General Norton de Matos (1949) e que publicava um jornal denominado Eleições livres, do qual foram tirados vários exemplares, distribuídos por vários pontos do País. Nele veio um artigo intitulado «A política económica do Governo de Salazar» que fazia uma extensa análise, séria e objectiva, da matéria. Foram seus autores Armando Castro e Lino Lima. Este estaria juntamente com Victor de Sá no projecto e redacção do documento dirigido «Aos Portugueses», datado de 31 de Janeiro de 1959, que terminava dizendo a Salazar para «abandonar o poder».
Embora não participando na campanha política de 1965 por razões de ordem familiar, Lino Lima acompanha a intervenção dos «democratas de Braga» e destaca as «inelegibilidades» declaradas pelas «autoridades» a Humberto Soeiro e Pinheiro Braga, bem como a sagacidade de Eduardo Ribeiro que, ao entrar no edifício dos Correios, em Braga, para expedir os convites dirigidos aos jornais para a conferência de imprensa, deparou ali com quatro agentes da PIDE, despistou-os e foi deitar os convites nos Correios das Taipas.
O documento entregue aos jornalistas durante essa conferência de imprensa foi redigido por Santos Simões, a quem as autoridades fascistas pouco tempo deixaram gozar do direito que conquistara de ser professor do ensino oficial. Tinham-no demitido em 1961 quando leccionava na Escola Técnica de Guimarães. Nas «eleições» de 1969, não obstante o papel negativo e aniquilador da acção política «legal» do distrito de Braga de um pequeno grupo dos «democratas de Braga», o objectivo fundamental de aproveitamento do período de propaganda e da ida às urnas foi alcançado. Foram distribuídas dezenas de milhares de documentos impressos, tratando um conjunto de problemas reais, com destaque para a política ultramarina, a politica de habitação, a política das relações entre a Igreja Católica e o Estado, a política cultural, etc., bem como a Nova Cartilha do Povo, de cujo texto foi autor Santos Simões. A lista D foi então constituída por A. Marinho Dias, Eduardo Ribeiro, J. Santos Simões, José Sampaio, Lino Lima e Margarida Malvar. A destacada intervenção política de Lino Lima ao longo da noite fascista era conhecida e reconhecida pelos democratas e pelo povo do distrito e de Famalicão.
Ainda me lembro de ouvir em sussurro - eu bastante mais novo - Lino Lima foi preso. Tive o privilégio de o conhecer mais de perto, depois do 25 de Abril, quando em sua casa começámos a tratar de organizar o Partido em Vila Nova de Famalicão, passando necessariamente pelo aluguer de uma casa para Centro de Trabalho do Partido. Para a primeira casa, uma sala de rés-do-chão na Rua S. João de Deus, teve influência decisiva António Cleto Malvar, pai de Margarida Malvar. Seguiu-se-lhe a segunda casa em que a amizade e assinatura de Lino Lima tiveram os efeitos desejados junto dos proprietários. Era o antigo Externato Camilo Castelo Branco. Foi aí que mais uma vez lidei de perto com o camarada Lino Lima.

Revolução e contra-revolução

A onda reaccionária do denominado «Verão Quente» investiu contra nós, cercando o nosso Centro de Trabalho de 31 de Julho para 1 de Agosto de 1975. A sua serenidade e capacidade de comando marcou-me de forma que eu não esqueci nem esquecerei. A autoridade e firmeza com que dialogava com o oficial que comandava os militares deslocados para ali, transmitia-nos confiança e acalmava o nervosismo e susto que nos causava a presença dos militares, já que dos reaccionários momentos houve em que não fora a presença militar, tê-los-íamos corrido com umas apropriadas marmeleiradas de que estávamos munidos; ainda que agora, à distância, me seja claro de que tudo estava programado.
Era o processo contra-revolucionário em curso. E quando, por decisão da Comissão Política do PCP, Octávio Pato transmite telefonicamente instruções para abandonarmos o Centro de Trabalho, mais uma vez Lino Lima teve papel preponderante no serenar das reacções da maioria dos militantes que se recusava abandonar o edifício. O documento que dactilografei, em duplicado, (o Partido deve tê-lo) ditado por ele em que eram responsabilizados os militares pela integridade física do edifício, e de todos os bens nele existentes e que foi subscrito pelas partes, é também facto inesquecível. Os dias que se seguiram à nossa saída a meio da tarde do dia 2 de Agosto de 1975 em viaturas militares para o Quartel-General da Região Norte (o Comandante Corvacho seria substituído por Pires Veloso de má memória) e, depois recebidos no C.T. da Boavista, por José Carlos Almeida e Ângelo Veloso, foi de terrorismo fascista em que o escritório do camarada Lino Lima foi vandalizado e destruídos todos os documentos do seu trabalho.
Lino Lima jamais esqueceu este acto de verdadeiro banditismo e o seu trauma, apesar do brilhante e insigne trabalho parlamentar que lhe valeu aplausos e admiração dos vários quadrantes político-partidários, só muito tarde volta à, entretanto, cidade de Vila Nova de Famalicão. Fui com muito orgulho seu motorista na minha própria viatura, mesmo quando no seu contagiante humor me dizia «deixa-me pôr a cilha» referindo-se ao cinto de segurança, quer para a participação em jantares-convívio comemorativos do 25 de Abril realizados por a Organização Concelhia do PCP quer para a homenagem que foi prestada a si e a Armando Bacelar pela Câmara Municipal de V.N. de Famalicão, em Outubro de 1996, sob o lema Testemunhos de Luta pela Liberdade.
A morte de sua companheira - a minha Julinha, como carinhosamente a tratava - haveria de marcá-lo profundamente, acelerando o seu debilitamento o que o levaria à morte física. Morreu em 6 de Janeiro de 1999. Os seus restos mortais jazem junto da sua companheira de sempre no cemitério de Vermoim, não existindo qualquer lápide a assinalá-lo por sua expressa e inequívoca vontade. Ao voto de pesar por nós apresentado em 26 de Fevereiro desse ano, que mereceu a aprovação unânime da Assembleia Municipal, sugeria-se que na toponímia da cidade figurasse o seu nome e daquele que havia sido seu amigo, Armando Bacelar. Tal ainda não aconteceu, apesar de a Câmara que o homenageara ser, naquela altura, do Partido Socialista.
Lino Lima foi um resistente e um comunista convicto. O seu exemplo continua vivo na minha memória, como penso continua na de todos aqueles e aquelas que com ele privaram e que, ao seu lado, lutaram pela liberdade, pela democracia. A sua coerência, dignidade e verticalidade características da sua própria personalidade - na defesa de valores, dos quais a justiça social era a causa suprema da sua batalha política, não podem deixar de ser reconhecidas por quem se identifica com tais exemplos e, em particular, os trabalhadores.
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Intervenção proferida na Festa da Alegria, em Braga.
Bibliografia consultada:
– Romanceiro do Povo Miúdo (Memórias e confissões), edições Avante;
– Discursos e Debates na Assembleia da República, edição da C. M. V. N. Famalicão.


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