Comentário

O futuro e a luta

Ilda Figueiredo
Quando começa um novo ano, procuramos novas esperanças, sabendo, no entanto, que a luta continua na defesa dos direitos que temos, e que precisamos de exercer para que não se percam numa qualquer esquina desta crise com que nos ameaçam. Repare-se como a crise surge quase como um brinde antigo, esquecido no bolo-rei do Governo e das classes dominantes. Eles que são os principais responsáveis pela crise que gerou o desemprego, o trabalho precário e mal pago, a quebra da produção industrial e agrícola, querem agora escudar-se na crise e tentar fazer crer que esta é uma inevitabilidade e que não há alternativas. Claro que fazem uma excepção para os bancos, a que não faltam com os avales e o dinheiro público, mesmo que, nalguns casos, seja sobretudo para compensar a actividade que desenvolveram na destruição das conquistas de Abril, e que serviu para apoiar a (re)construção dos grupos económicos e financeiros que dominam o país, escamoteando quaisquer responsabilidades de sucessivos administradores pagos a preço de ouro.
Com o início de 2009, começa também a presidência checa do Conselho da União Europeia. Não será muito diferente da francesa que agora termina o seu mandato, embora Sarkozy tenha demonstrado todo o interesse em continuar a arbitrar o jogo dos poderosos. Veja-se a pressão que exerceu sobre a Irlanda para impor uma decisão anti-democrática sobre um novo referendo a um povo que rejeitou, de forma soberana e democrática, o projecto de tratado de Lisboa, o qual retoma a proposta da dita constituição europeia, que, por sua vez, já tinha sido rejeitada pelos povos da França e da Holanda, em 2005.
Mas, antes de novo referendo, teremos as eleições para o Parlamento Europeu, em 7 de Junho de 2009. E, antes disso, continuaremos atentos e vigilantes ao que se vai passar durante a presidência checa. É que, a seguir à importante vitória da luta dos trabalhadores que permitiu a derrota da proposta comum do Conselho da União Europeia sobre a directiva do tempo de trabalho, que punha em causa conquistas de mais de cem anos de duras lutas laborais, vão seguir-se negociações que podem retomar parte dessas propostas. O problema resulta de não ter sido aprovada a proposta de rejeição global da posição do Conselho que o nosso Grupo da Esquerda Unitária Europeia apresentou, e que eu própria subscrevi, o que teria arrumado de vez esta proposta inadmissível. Foi lamentável que PS, PSD E CDS não aceitassem a nossa proposta de rejeição. Assim, vão decorrer novas negociações entre o Conselho e o Parlamento Europeu.
No entanto, a verdade é que dificilmente conseguirão fazer aprovar algo semelhante antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu, sobretudo se os trabalhadores e os sindicatos mantiverem um estado de alerta permanente. Das propostas recusadas pelo Parlamento Europeu, destacam-se os casos em que o Conselho pretendia o prolongamento da jornada média de trabalho para as 60 e 65 horas semanais, a criação do conceito de «tempo inactivo de trabalho», que não seria considerado como tempo de trabalho, o ataque à contratação colectiva e aos sindicatos. Como deixámos claro, esta é também uma derrota do governo do PS/Sócrates que se tinha abstido na posição comum do Conselho, na senda da sua política de promoção da liberalização e precariedade do trabalho, de que é exemplo o novo Código do Trabalho, em Portugal.

Contra novas ce­dên­cias

Mas nas posições do PS, PSD e CDS há cedências que não acompanhamos. Por exemplo, não queremos que o período de referência para o cálculo médio das horas de trabalho passe de quatro para 12 meses, nem aceitamos que vingue a criação de um conceito de «tempo de trabalho inactivo» ou de espera, mesmo considerando-o tempo de trabalho, mas admitindo que seja contabilizado de modo diferente. É que tudo isso fragilizaria os direitos laborais, admitiria graves desregulamentações e desvalorizações do trabalho, como, aliás, o eurodeputado José Silva Peneda (PSD) admitiu no artigo que escreveu no JN em 21/12/2008. Ele próprio considera que as propostas que apoia admitiriam ser possível trabalhar 78 horas numa semana, sem ultrapassar o limite médio anual de 48 horas semanais.
Nós, deputados do PCP, recusamos tais propostas e vamos manter-nos firmes nas negociações que vão decorrer. Não aceitamos novas desvalorizações do trabalho, não admitimos mais exploração dos trabalhadores para garantir lucros para os grupos económicos e financeiros, através de mais retrocessos legais e do retorno a uma espécie de escravatura em pleno século XXI. É preciso respeitar a dignidade de quem trabalha. Num momento de crise e desemprego, o que se impõe é a redução progressiva da jornada de trabalho sem perda de salários, visando a criação de mais empregos com direitos e com melhores salários para aumentar o poder de compra da população e, assim, contribuir para a revitalização da economia.


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