A problemática do acesso ao desporto
A adesão limitada das camadas populares ao desporto tem origem em quê? Na sua inaptidão em integrar uma prática cultural ou na incapacidade desta em os receber?
Perante os enormes obstáculos levantados ao acesso generalizado de quem possui menos meios, é possível elaborar uma perspectiva inovadora coerente, com suficiente solidez para orientar duravelmente uma acção de características novas? E se tomarmos em consideração a «crise» de participação verificada em vários sectores de actividade social, será possível que essa orientação resulte do esforço colectivo capaz de a extrair de uma análise concreta da prática?
Durante muitos anos, até 1974, a teoria oficial explicativa do atraso crónico do desporto nacional era de que os portugueses não possuíam aptidão para a prática desportiva, só se interessavam pelo «futebol de bancada» e, no fundo, a única hipótese séria de afirmação desportiva internacional do País se encontrava numa hipotética acção de detecção de atletas nas então designadas «províncias ultramarinas». Os «pretos», bem mais próximos da natureza do que nós, eram atletas «inatos», enquanto nós, «brancos» um tanto ou quanto abastados, não tínhamos necessidade de praticar essas actividades em que o corpo, o suor e o ruído das paixões do Zé Povinho se misturavam numa actividade primária para que não possuíamos capacidades.
O 25 de Abril de 1974, veio desmentir esta perspectiva, não só através de resultados internacionais, conseguidos logo em 1976, como também ficou bem claro que a generalidade da população se interessava pelo desporto de uma ou de outra forma. Fosse como fosse, e ainda que o grande movimento de adesão iniciado naquela altura tivesse sido liquidado por uma visão política mesquinha, sectária e ignara e que, pode ver-se agora, representou durante toda a década de oitenta um retorno incrível a antigas concepções, ficou bem patente uma realidade com duas faces complementares: não só o «povo» português tinha aptidão para as actividades desportivas idênticas às de qualquer outro país europeu, como desejava a elas aderir porque foi tomando consciência de que o acesso à sua prática era um direito inquestionável devido aos benefícios de vária ordem que provoca na vida do praticante. Essa tomada de consciência não tem cessado de crescer ao longo dos anos.
A conjugação de todos estes elementos com a profunda transformação que se está a dar no campo social das práticas desportivas coloca diversas questões fundamentais.
No centro das contradições sociais
Como articular, com coerência e benefício individual, o tempo de trabalho com o tempo livre, de forma a que todos possam beneficiar das riquezas tornadas possíveis com o avanço da ciência? Como é que o desporto, sob que forma e com que conteúdo, pode contribuir para o progresso do indivíduo? Como elaborar novas soluções para enfrentar e resolver uma relação com o Estado que quase sempre se tem mostrado negativa, de forma a obter novos meios indispensáveis para se criarem novas condições de acesso? Afinal, como enfrentar a grande manobra ideológica que, reproduzindo antigos esquemas, mas sob novas figurações, procura espoliar os trabalhadores e as camadas populares, de um bem cultural fundamental, ou colocar ao seu serviço o possível ingresso dos novos praticantes no novo «mercado» do desporto?
Trata-se de um vasto conjunto de questões que exigem respostas objectivas e sólidas. Demonstram até que ponto e em que medida a actividade desportiva não pode ser limitada a uma simples questão de suor e movimento descerebrado, considerado como uma primitiva mobilização de massas acríticas, quanto muito um simples passatempo despreocupado e inconsequente. Na verdade, ao pensar na resolução desta questão agravada pela segregação da maioria da população de uma actividade essencial para a melhoria da sua qualidade de vida (que, de facto põe em causa, em simultâneo, as «razões de vida» e as «condições de vida» de cada ser individual e da sociedade no seu todo) é indispensável tomar em consideração os novos dados da dinâmica social.
Em termos gerais, a reflexão a fazer diz respeito à definição daquilo que deve ser conservado ou deve ser alterado, na antiga concepção das práticas, das estruturas e das finalidades. Ao proceder a este trabalho, ter-se-á de responder ao desafio: uma prática capaz de responder às necessidades do maior número, ou uma actividade manipulada pelos interesses financeiros?
No fundo, ao seguir as vias abertas pela reflexão, coloca-se o desporto no centro das contradições sociais actuais; uma sociedade mais solidária, mais justa, mais fraterna, ou seja, uma sociedade mais humana, ou uma sociedade cada vez mais incapaz de fornecer resposta às necessidades dessa humanização?
Perante os enormes obstáculos levantados ao acesso generalizado de quem possui menos meios, é possível elaborar uma perspectiva inovadora coerente, com suficiente solidez para orientar duravelmente uma acção de características novas? E se tomarmos em consideração a «crise» de participação verificada em vários sectores de actividade social, será possível que essa orientação resulte do esforço colectivo capaz de a extrair de uma análise concreta da prática?
Durante muitos anos, até 1974, a teoria oficial explicativa do atraso crónico do desporto nacional era de que os portugueses não possuíam aptidão para a prática desportiva, só se interessavam pelo «futebol de bancada» e, no fundo, a única hipótese séria de afirmação desportiva internacional do País se encontrava numa hipotética acção de detecção de atletas nas então designadas «províncias ultramarinas». Os «pretos», bem mais próximos da natureza do que nós, eram atletas «inatos», enquanto nós, «brancos» um tanto ou quanto abastados, não tínhamos necessidade de praticar essas actividades em que o corpo, o suor e o ruído das paixões do Zé Povinho se misturavam numa actividade primária para que não possuíamos capacidades.
O 25 de Abril de 1974, veio desmentir esta perspectiva, não só através de resultados internacionais, conseguidos logo em 1976, como também ficou bem claro que a generalidade da população se interessava pelo desporto de uma ou de outra forma. Fosse como fosse, e ainda que o grande movimento de adesão iniciado naquela altura tivesse sido liquidado por uma visão política mesquinha, sectária e ignara e que, pode ver-se agora, representou durante toda a década de oitenta um retorno incrível a antigas concepções, ficou bem patente uma realidade com duas faces complementares: não só o «povo» português tinha aptidão para as actividades desportivas idênticas às de qualquer outro país europeu, como desejava a elas aderir porque foi tomando consciência de que o acesso à sua prática era um direito inquestionável devido aos benefícios de vária ordem que provoca na vida do praticante. Essa tomada de consciência não tem cessado de crescer ao longo dos anos.
A conjugação de todos estes elementos com a profunda transformação que se está a dar no campo social das práticas desportivas coloca diversas questões fundamentais.
No centro das contradições sociais
Como articular, com coerência e benefício individual, o tempo de trabalho com o tempo livre, de forma a que todos possam beneficiar das riquezas tornadas possíveis com o avanço da ciência? Como é que o desporto, sob que forma e com que conteúdo, pode contribuir para o progresso do indivíduo? Como elaborar novas soluções para enfrentar e resolver uma relação com o Estado que quase sempre se tem mostrado negativa, de forma a obter novos meios indispensáveis para se criarem novas condições de acesso? Afinal, como enfrentar a grande manobra ideológica que, reproduzindo antigos esquemas, mas sob novas figurações, procura espoliar os trabalhadores e as camadas populares, de um bem cultural fundamental, ou colocar ao seu serviço o possível ingresso dos novos praticantes no novo «mercado» do desporto?
Trata-se de um vasto conjunto de questões que exigem respostas objectivas e sólidas. Demonstram até que ponto e em que medida a actividade desportiva não pode ser limitada a uma simples questão de suor e movimento descerebrado, considerado como uma primitiva mobilização de massas acríticas, quanto muito um simples passatempo despreocupado e inconsequente. Na verdade, ao pensar na resolução desta questão agravada pela segregação da maioria da população de uma actividade essencial para a melhoria da sua qualidade de vida (que, de facto põe em causa, em simultâneo, as «razões de vida» e as «condições de vida» de cada ser individual e da sociedade no seu todo) é indispensável tomar em consideração os novos dados da dinâmica social.
Em termos gerais, a reflexão a fazer diz respeito à definição daquilo que deve ser conservado ou deve ser alterado, na antiga concepção das práticas, das estruturas e das finalidades. Ao proceder a este trabalho, ter-se-á de responder ao desafio: uma prática capaz de responder às necessidades do maior número, ou uma actividade manipulada pelos interesses financeiros?
No fundo, ao seguir as vias abertas pela reflexão, coloca-se o desporto no centro das contradições sociais actuais; uma sociedade mais solidária, mais justa, mais fraterna, ou seja, uma sociedade mais humana, ou uma sociedade cada vez mais incapaz de fornecer resposta às necessidades dessa humanização?