Aval do Estado de 20 mil milhões aos bancos

Cheque em branco para salvar interesses privados

Com os votos do PS, PSD e CDS/PP, o Parlamento aprovou a proposta de lei governamental que garante 20 mil milhões de euros às operações de financiamento dos bancos.

Está em curso uma operação de potencial transformação da dívida privada em dívida pública

Para o PCP, que votou contra («Os Verdes» e BE votaram no mesmo sentido), este foi um «cheque em branco» passado por quem está apenas interessado em salvar os interesses dos banqueiros e do capital financeiro.
O diploma do Executivo estabelece a possibilidade de concessão extraordinária de garantias pessoais pelo Estado a instituições de crédito, até àquele limite de vinte mil milhões de euros. Com esta operação, segundo as palavras do secretário do Estado do Tesouro, Carlos Costa Pina, tratar-se-ia de «ajudar a repor a liquidez» no mercado interbancário, garantindo à banca a obtenção de crédito junto de instituições financeiras internacionais e, por essa via, imagine-se, ajudar as famílias e as pequenas e médias empresas necessitadas de crédito.
Em apoio deste mecanismo de garantia pelo Estado de pagamento em caso de dificuldades das instituições e crédito assumiram-se sem reservas os partidos à direita do espectro parlamentar, com o deputado Jorge Neto (PSD) a dizer que o seu partido «não podia de deixar de ser solidário com o Governo» e o CDS, pela voz de Diogo Feio, a afirmar que «tudo fará» para repor a confiança no sistema bancário.

Regras escondidas

Em sentido exactamente oposto fizeram-se ouvir as vozes dos quadrantes à esquerda do hemiciclo, em particular do PCP, inconformadas com um pacote de ajudas destinado a «salvar interesses privados», mais exactamente um sistema financeiro (ver caixa) que até hoje «não deu as mínimas provas de empenhamento na defesa dos interesses do povo e do País» e, em alguns casos, «nem sequer de respeito pelas regras da República».
Foi o que afirmou o deputado comunista Agostinho Lopes ao justificar as razões que levaram a sua bancada a recusar o que considera ser um «cheque em branco». Desde logo, explicou, porque o Governo negou à Assembleia da República o conhecimento das regras que enquadram e regulam este aval do Estado aos bancos. «Não sabemos quanto vai a banca pagar de comissão; o que acontece em caso de incumprimento; que penalizações para os possíveis infractores das regras estabelecidas», exemplificou o parlamentar comunista, sustentando ser ainda um «cheque em branco» na medida em que o Estado em vez de «cobrir toda e qualquer operação de crédito, nomeadamente operações bolsistas», deveria, ao contrário, fixar «explícita e claramente o quadro de potenciais destinatários das operações de crédito» em particular para as pequenas empresas, autarquias e projectos públicos».

Grande negócio

Agostinho Lopes expressou ainda o repúdio da sua bancada pela atitude do Governo de, agora, estar a utilizar «a todo o gás» o Estado para salvaguardar interesses privados, ignorando outras propostas orientadas para o bem comum. Governo do PS a quem acusou de abraçar uma operação na União Europeia de «potencial transformação da dívida privada em dívida pública, num extraordinário macro negócio financeiro privado à escala da Europa, com o aval público, isto é, dos impostos pagos pelo povo».
O mesmo Governo, fez ainda notar o parlamentar do PCP, que, «falando de mais e melhor regulação», nada diz sobre os off shores, paraísos da desregulação, da fuga ao fisco e da lavagem de dinheiro. O mesmo Governo que não foi capaz, acusou, de intervir na União Europeia contra a política monetária neoliberal do Banco Central Europeu, contra a subida das taxas de juro ou a revalorização do euro, orientações que penalizaram fortemente o nosso País.

Sistema predador

O aval agora dado pelo Governo foi por este justificado com a necessidade de «assegurar o cumprimento das obrigações das instituições de crédito com sede em Portugal», visando «promover as condições de liquidez nos mercados monetários e financeiros e, nessa medida, assegurar a regularidade do financiamento à economia».
O que significa que o Governo acciona, com os recursos de todos nós, um mecanismo de socorro para acudir a um sistema financeiro construído na perfeição à imagem da política de direita executada anos a fio na condução do País pelo PS, PSD e CDS/PP. Foram estes, com efeito, os únicos responsáveis por uma política que, como lembrou Agostinho Lopes, estimulou o «processo de desmembramento e privatização do sector financeiro público», tudo em nome da alegada «eficiência e excelência da gestão privada, do risco empresarial privado».
Uma política que transformou o nosso sistema financeiro - foi ainda o parlamentar comunista a fazer o sublinhado - no «coração dos principais grupos monopolistas portugueses e num lugar estratégico do capital transnacional, funcionando como centro de acumulação e distribuição de capital», por via da sua acção predadora sobre os sectores produtivos, as pequenas empresas e as famílias.

Beneficiar os grandes

A bancada comunista responsabilizou igualmente o sistema financeiro pelo que definiu de «sufocante política de crédito dos bancos». Vários foram os exemplos por si referidos que testemunham essa realidade, como demonstrado foi, noutro plano, que a política de crédito numa se orientou pelas necessidades de desenvolvimento do País, mas, fundamentalmente, pelo sacrossanto objectivo do «máximo lucro e mínimo risco».
Elucidativos a este propósito são alguns dados trazidos à colação pelo PCP no decurso do debate e que constam num recente Relatório (de Estabilidade Financeira) do Banco de Portugal. Nele se constata, nomeadamente, que apenas 1,6% do crédito concedido pela banca em 2007 foi para a agricultura, não obtendo as indústrias extractivas mais do que 0,4%, enquanto as indústrias transformadoras não ultrapassaram os 12,7%. Os sectores produtivos fundamentais receberam assim, em suma, 14,7% de todo o crédito, enquanto as actividades imobiliárias totalizaram 20%.
A estes indicadores, reveladores por si só da forma como tem evoluído o perfil da nossa economia, importa ainda juntar um outro, o que mostra o «elevadíssimo grau de concentração do crédito nas grandes e muito grandes empresas». Agostinho Lopes frisou a este respeito que no final de 2007 cerca de 80 % do saldo dos empréstimos correspondia a seis por cento das empresas que obtiveram empréstimo da banca. «Destas empresas, 05% totalizaram quase metade do crédito concedido, podendo afirmar-se que a maioria das micro, pequenas e médias empresas, a esmagadora maioria do tecido produtivo, estavam excluídas», garantiu o deputado do PCP, antes de observar que a banca foi o sector da economia que, entre 2004 e 2007, viu os seus lucros subirem qualquer coisa como 155,4%, enquanto o PIB do País evoluiu ao ritmo médio anual de 1,3 por cento.
«É para este sector financeiro, centro em Portugal da especulação bolsista e da financeirização da economia nacional, campeões da fuga legal ao fisco, utilizadores ou intermediários privilegiados dos paraísos financeiros, que o Governo vem propor à Assembleia da República que passe um cheque em branco de 20 mil milhões de euros», rematou o parlamentar comunista.

PS rejeita outros caminhos

Rejeitadas pela maioria socialista foram todas as propostas alternativas apresentadas pelo PCP e BE para evitar que a garantia de 20 mil milhões de euros dada pelo Governo à banca assumisse o carácter de «cheque em branco». Inviabilizados foram assim outros caminhos e soluções, seguramente mais ajustados aos interesses do povo e do País, o que revela como a preocupação central do Governo está sobretudo dirigida para a defesa dos interesses dos banqueiros e do capital financeiro.
«Propomos as condições que pensamos que estão na cabeça das pessoas. Basta de tratar privilegiadamente um sector», salientou nas vésperas do debate o deputado comunista Honório Novo, sintetizando o sentido e objectivos das propostas da sua bancada.
Destaque, entre estas, para a que condiciona a concessão do aval aos empréstimos a pequenas e micro-empresas, autarquias, projectos de interesse público e de crédito à habitação.
Aos bancos que recorressem a essas garantias, segundo a proposta do PCP, seria aplicada uma taxa de juro com base na «taxa de referência» do Banco Central Europeu, «acrescido de um spread até 0,75».
Os deputados comunistas pretendiam, além disso, em caso de incumprimento do empréstimo ou aval pela instituição bancária, impor que o mesmo fosse «convertido em participação, numa espécie de nacionalização parcial de parte do capital social».
Impunha-se, por último, que houvesse «a responsabilização individual e patrimonial» dos membros do Governo e dos administradores das instituições bancárias, os quais, na perspectiva do PCP, deveriam responder «com o seu património por eventuais prejuízos que o Estado venha a ter no incumprimento das suas obrigações».


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