Os enganosos horizontes

Correia da Fonseca
Na televisão só dei conta de um rápido registo num qualquer noticiário, decerto na esteira da habitual utilização da imprensa como fonte de notícias a transmitir. Num jornal dito de referência, isso sim: as conclusões de um estudo realizado no âmbito da Universidade Católica ocupavam quase uma página inteira, e esse destaque não era de forma alguma injustificado. O mais importante estava em título: os jovens entre os doze e os dezoito anos vêm abandonando a televisão por troca com o computador e o telemóvel. Algures naquele mesmo texto ou num outro que dele decorria, não posso agora precisar, comentava-se que a queda do anterior fascínio pela TV não podia surpreender em face dos baixos níveis de qualidade para que a televisão deslizou. Não encontrei nenhuma observação acerca do poder de atracção que, desde sempre mas talvez hoje mais que nunca, as novidades tecnológicas exercem sobre as camadas mais jovens. Retive, sim, que do texto principal como dos que eram sua consequência se desprendia o sentimento de que essa espécie de migração juvenil da TV para o computador e o telemóvel constituiria um avanço civilizacional de grande importância. Foi aí que me surpreendi a travar o meu próprio entusiasmo incipiente, se é que ele existia. Quanto ao avanço como conquista tecnológica e abertura de múltiplas possibilidades novas, é impensável recusá-lo. Mas, como se sabe, entre o que pode ser feito e o que efectivamente acontece abre-se muitas vezes, quase sempre, uma distância que não precisa de ser abissal para introduzir mutações decisivas no grau e na qualidade dos avanços conseguidos. Pelo que a notícia aparentemente boa de que os jovens estão a trocar uma televisão já «velha» e sobretudo quase sempre caduca pelos caminhos novos que serão o computador e o telemóvel reclamava alguma reflexão. Por razões várias, entre as quais avulta o facto de se tratar da juventude em cujas mãos estarão mais tarde ou mais cedo as grandes escolhas que decidirão tudo.

A distância

Não vou aqui perder tempo e espaço a abordar o que o computador e o telemóvel têm de maravilhoso como aberturas para vivências de que as gerações anteriores não puderam beneficiar, que porventura nem puderam sonhar: é sabido que quer um quer outro rasgam caminhos para o mundo largo, para a acessibilidade a novos conhecimentos, para permanentes e múltiplos contactos humanos. São, pois, novos e muito amplos horizontes que se abrem, que em princípio se oferecem. Porém, a questão põe-se mais uma vez na distância entre o que pode acontecer e o que de facto acontece na esmagadora maioria de casos. Não será preciso uma demorada e custosa descida à realidade (e não esqueçamos que se trata de um determinado segmento da realidade, o do nível etário entre os doze e os dezoito anos, mesmo que nos dispensemos de acrescentar concreto contexto da sociedade portuguesa) para ficarmos a saber que a aquisição de novos conhecimentos, a pesquisa de dados culturais ou próximos de o serem, não é o que mais comanda a utilização dos computadores por parte dos jovens daquelas idades: os jogos, o computador como meio de comunicação bilateral ou multilateral, hegemonizam o seu uso. Quanto ao telemóvel, nem será aqui necessária a menor observação, excepto talvez para lembrar os efeitos devastadores nas capacidades de expressão escrita e, quase certamente, também na de expressão oral. Fica assim visível que a sonhada largueza de horizontes abertos pelo computador e pelo telemóvel se transmuta numa efectiva estreiteza. É claro que desta verificação, saudável quanto corresponda à realidade efectiva, não se pode prosseguir demonizando telemóveis e computadores, até porque continuam neles, embora como que em situação virtual, as enormes capacidades desperdiçadas pela generalidade da sua utilização nos níveis etários em causa. De resto, outro tempo e outras idades, talvez também outro contexto social, virão. O que não podemos é deixarmo-nos enganar quanto às consequências imediatas da migração detectada. E podemos, devemos, reclamar que a televisão, seja ela pública ou privada, abandone a tónica de mediocridade que naturalmente enfada e afugenta os auditórios jovens e os recuperem. Não pela lisonja subserviente e demagógica perante os seus pendores associais, como por vezes vem acontecendo, mas sim para o entendimento do mundo e da vida neste princípio de milénio. Mas essa é uma outra conversa que já aqui não cabe.


Mais artigos de: Argumentos

No reino dos espantos

Alastra a moda do recurso à inocência. É a técnica dos «espantos». Quando posto em cheque, Sócrates nega tudo e afirma ter uma consciência tranquila. Se houver actos do poder que sejam condenáveis ele, primeiro-ministro, jura que não sabe de nada. Trata-se, sem dúvida, de calúnias da baixa política. Então, Sócrates...

O discurso do taxista

Para a Luz, minha companheira,economista desertora,divulgadora da língua-mãe e ouvinte atónitaEstava a Luz num passeio de Madrid quando um táxi vazio parou ao seu lado. Entrou e disse: Para o Passeio Imperial, por favor. O taxista pensou e respondeu: Desculpe mas não sei onde fica. Admirada, porque é uma rua bastante...

Título: Livni forma governo

A ministra israelita dos Negócios Estrangeiros, Tzipi Livni, foi encarregada esta segunda-feira, 22, de formar o próximo governo israelita.De acordo com um comunicado oficial, citado pela Lusa, a escolha do presidente Shimon Peres foi tomada após «consultas com os partidos políticos» com assento no Parlamento (Knesset),...