Falando de «alternativas»

Aurélio Santos
A Dra. Manuela Ferreira Leite, apresentando-se como alternativa ao PS no Congresso do PSD, partiu de constatações irrefutáveis: o empobrecimento da chamada classe média; as causas não só externas mas também internas dos problemas; a urgência no combate à pobreza, com referência expressa aos novos pobres; a necessária mobilização de esforços para enfrentar as dificuldades da situação actual...
Mas o que propôs não foi mais que a velhíssima cassete do PSD: uma «saudável diminuição do peso do Estado», tendo como original contrapeso inovador «o saudável aumento» da intervenção das organizações não governamentais e do voluntariado.
Ora o acto de benevolência (a boa, tradicional e antiquíssima esmola) não impõe qualquer dever a quem o pratica, nem atribui qualquer direito a quem o aufere. E aí é que bate o ponto.
Na emergência imposta pela seriedade da situação em que o país se encontra sugerimos a Ferreira Leite a leitura da genial novela de Karel Chapec, «A Fábrica de Absoluto». Nela é imaginada, numa interessante elaboração humorística, uma sociedade capitalista de bondade, afabilidade e humanidade criada por uma modesta e bem intencionada máquina que, sem nada reivindicar, reduz toda a matéria-prima que lhe é fornecida ao simples absoluto. Por outras palavras: à infinita misericórdia divina…
Houve quem comentasse que a Dra. Ferreira Leite fala pouco e não faz promessas.
Pelo contrário. Cada uma das suas propostas contém promessas. Para o Capital: diminuição do «peso do Estado» e desvio de «investimentos públicos de infra-estruturas não necessárias» (em beneficio de quem, não disse a senhora).
A fobia anti-estatal faz a Dra. incorrer em vários esquecimentos ou omissões de análise.
Esquece, por exemplo, que a satisfação dos direitos sociais dos cidadãos, atribuída ao Estado democrático pelas revoluções e avanços democráticos do século XX, só pode garantir-se mediante a existência de uma base económica destinada à realização desses fins. Ao destruir essa base económica, como o PSD, tal como o PS, sempre fez, anulam-se possibilidades de cumprimento desses deveres sociais.
A grande vaga contra-revolucionária do capitalismo que foi ideologicamente designada como «neo-liberalismo» já está arrastando o mundo para uma das mais graves crises da sua história. Os porta-vozes em Portugal dessa ofensiva, não podem ser considerados como alternativa para os desastres que a crise desse neo-liberalismo está semeando pelo mundo e no nosso País.
As chagas do capitalismo não se resolvem com simples alternâncias de linguagem. Entre apelos ao manto da caridade para cobrir as feridas abertas pelas setinhas do PSD ou com as roncas de modernidade acenadas pela mão de finado do PS.
Outros caminhos são necessários.


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