Igreja doméstica e «deriva securitária»
Visando ganhar alguma credibilidade pública, os meios políticos portugueses recorreram recentemente, uma vez mais, ao figurino da «tempestade num copo de água». Os protagonistas do incidente pré-fabricado são também negociadores na sombra do processo em curso de um futuro «bloco central». Com aparente ausência dos eclesiásticos e das forças da sua área de influência. Exigem, o bom senso e a estratégia política, que na presente fase a Igreja não se evidencie.
Foi pretexto o caso do novo Estatuto Político-Administrativo dos Açores. Palavra puxa palavra, Cavaco Silva tomou ele próprio a palavra e veio a público dirigir-se à Nação. Mário Soares, ex-socialista, racionalista e agnóstico (tudo em processo de revisão) ouviu o que o presidente disse e não gostou. O seu desagrado baseou-se numa argumentação mais ou menos sensata. Cavaco Silva não terá consultado ninguém antes de falar e foi insensível às realidades nacionais no tema eleito para justificar a sua alocução. Mas o próprio Mário Soares, embalado pela música celestial da sua retórica, perdeu o tino e desabafou: dolorosas notícias aguardam os portugueses no regresso do período de férias e o PR devia considerar ser seu dever não agravar o panorama chamando a atenção da opinião pública para mais uma importante questão nacional que, ainda por cima, é inesperada e suscita a atenção dos cidadãos. Estes, têm todo o direito a esquecerem, por umas semanas, os problemas que já os afligem e que agora sabem, se irão agravar.
No mínimo, é curiosa esta filosofia invocada por um homem que foi Chefe de Estado e Secretário-Geral de um partido de «esquerda». O povo português – pensa MS - tem direito a «esquecer» o que aí vem!... Melhor, por poucas semanas que sejam, pode enterrar a cabeça na areia fingindo que não vê... Isto, no momento em que a luta popular pelo direito à informação e a organização da resistência à exploração do homem se tornam factores de primeira linha.
As derivas securitárias
A crise mundial do capitalismo, interna e externa, fez destacar um aspecto essencial: o aparelho político, económico e administrativo montado pelo neocapitalismo não tem capacidade nem talento para resolver os problemas que em catadupa vão surgindo. Bolsas, políticas de preços, relações laborais, segurança social, desemprego, investimento, inflação, saúde e esino, tudo se baralha e procura remendar-se de qualquer maneira. E se a Igreja se cala e se deixa levar a reboque da exploração e da injustiça social (como não lhe convém), é porque sabe que a ruptura capitalista pode estar apenas a um pequeno passo de distância. Os gestores do sumptuoso palácio do dinheiro têm a clara noção de que o seu futuro vai depender do reforço da sua efectiva autoridade. É aquilo a que agora chamam «deriva autoritária». Por detrás da fachada democrática preparam o chicote.
O estalar deste verniz assume aspectos muito distintos entre si. Mas conduz sempre à centralização do poder político. Na frente «externa», impõe as concessões constitucionais necessárias às cruzadas da «luta contra o mal», aos esforços de guerra, às medidas de excepção, à unificação das polícias, ao condicionamento da emigração ou àquilo que os governos designam como antiterrorismo. E aqui é bom notar-se que «acto terrorista» é também o Iraque, o Afeganistão, Guantánamo, a misteriosa Al-Qaeda, as fomes consentidas do Darfur ou as milícias armadas privadas que usam do terrorismo para vencerem a concorrência. Frequentemente, a «luta antiterrorista» encobre as fontes do terrorismo autêntico. E reforça a ideia que só o centralismo musculado é capaz de conter o terrorismo.
Na «frente interna», a mesma história conta-se de outra maneira. Tendo embora os mesmos objectivos : tiranizar os pobres, desarmá-los e usá-los como simples fontes de lucro. É assim que os governos decretam os «códigos do trabalho», reduzem a força do Movimento Sindical, condicionam os partidos políticos, vendem ou destróem o património público em benefício das suas bases de apoio político, etc. É usando em seu proveito próprio o poder legislativo e a comunicação social que o poder prepara os caminhos de uma próxima etapa terrorista. E é cobrindo-se com a capa do obscurantismo religioso, bem pago em dinheiro e em prerrogativas sociais, que o capitalismo conta como recurso para ultrapassar a crise e dominar os rumos da História.
Não há-de ser assim e, quer queira Mário Soares ou não, assim não será. As camadas mais humildes da população portuguesa já compreenderam com quem estão a lidar. São os trabalhadores lançados no desemprego, as famílias que as falências reduzem à miséria, a geração dos novos pedintes, os habitantes do Bairro do Aleixo ou da Quinta da Fonte, os jovens com salários em atraso ou os assalariados cujo trabalho o Governo se prepara para retribuir com um peixe ou um naco de carne.
Que os capitalistas se não enganem a si mesmos. Por vezes há camadas da população semi-adormecidas, é certo. Mas um passo em falso dos tiranos, uma história mal contada, têm inevitavelmente o condão de as acordar.
Foi pretexto o caso do novo Estatuto Político-Administrativo dos Açores. Palavra puxa palavra, Cavaco Silva tomou ele próprio a palavra e veio a público dirigir-se à Nação. Mário Soares, ex-socialista, racionalista e agnóstico (tudo em processo de revisão) ouviu o que o presidente disse e não gostou. O seu desagrado baseou-se numa argumentação mais ou menos sensata. Cavaco Silva não terá consultado ninguém antes de falar e foi insensível às realidades nacionais no tema eleito para justificar a sua alocução. Mas o próprio Mário Soares, embalado pela música celestial da sua retórica, perdeu o tino e desabafou: dolorosas notícias aguardam os portugueses no regresso do período de férias e o PR devia considerar ser seu dever não agravar o panorama chamando a atenção da opinião pública para mais uma importante questão nacional que, ainda por cima, é inesperada e suscita a atenção dos cidadãos. Estes, têm todo o direito a esquecerem, por umas semanas, os problemas que já os afligem e que agora sabem, se irão agravar.
No mínimo, é curiosa esta filosofia invocada por um homem que foi Chefe de Estado e Secretário-Geral de um partido de «esquerda». O povo português – pensa MS - tem direito a «esquecer» o que aí vem!... Melhor, por poucas semanas que sejam, pode enterrar a cabeça na areia fingindo que não vê... Isto, no momento em que a luta popular pelo direito à informação e a organização da resistência à exploração do homem se tornam factores de primeira linha.
As derivas securitárias
A crise mundial do capitalismo, interna e externa, fez destacar um aspecto essencial: o aparelho político, económico e administrativo montado pelo neocapitalismo não tem capacidade nem talento para resolver os problemas que em catadupa vão surgindo. Bolsas, políticas de preços, relações laborais, segurança social, desemprego, investimento, inflação, saúde e esino, tudo se baralha e procura remendar-se de qualquer maneira. E se a Igreja se cala e se deixa levar a reboque da exploração e da injustiça social (como não lhe convém), é porque sabe que a ruptura capitalista pode estar apenas a um pequeno passo de distância. Os gestores do sumptuoso palácio do dinheiro têm a clara noção de que o seu futuro vai depender do reforço da sua efectiva autoridade. É aquilo a que agora chamam «deriva autoritária». Por detrás da fachada democrática preparam o chicote.
O estalar deste verniz assume aspectos muito distintos entre si. Mas conduz sempre à centralização do poder político. Na frente «externa», impõe as concessões constitucionais necessárias às cruzadas da «luta contra o mal», aos esforços de guerra, às medidas de excepção, à unificação das polícias, ao condicionamento da emigração ou àquilo que os governos designam como antiterrorismo. E aqui é bom notar-se que «acto terrorista» é também o Iraque, o Afeganistão, Guantánamo, a misteriosa Al-Qaeda, as fomes consentidas do Darfur ou as milícias armadas privadas que usam do terrorismo para vencerem a concorrência. Frequentemente, a «luta antiterrorista» encobre as fontes do terrorismo autêntico. E reforça a ideia que só o centralismo musculado é capaz de conter o terrorismo.
Na «frente interna», a mesma história conta-se de outra maneira. Tendo embora os mesmos objectivos : tiranizar os pobres, desarmá-los e usá-los como simples fontes de lucro. É assim que os governos decretam os «códigos do trabalho», reduzem a força do Movimento Sindical, condicionam os partidos políticos, vendem ou destróem o património público em benefício das suas bases de apoio político, etc. É usando em seu proveito próprio o poder legislativo e a comunicação social que o poder prepara os caminhos de uma próxima etapa terrorista. E é cobrindo-se com a capa do obscurantismo religioso, bem pago em dinheiro e em prerrogativas sociais, que o capitalismo conta como recurso para ultrapassar a crise e dominar os rumos da História.
Não há-de ser assim e, quer queira Mário Soares ou não, assim não será. As camadas mais humildes da população portuguesa já compreenderam com quem estão a lidar. São os trabalhadores lançados no desemprego, as famílias que as falências reduzem à miséria, a geração dos novos pedintes, os habitantes do Bairro do Aleixo ou da Quinta da Fonte, os jovens com salários em atraso ou os assalariados cujo trabalho o Governo se prepara para retribuir com um peixe ou um naco de carne.
Que os capitalistas se não enganem a si mesmos. Por vezes há camadas da população semi-adormecidas, é certo. Mas um passo em falso dos tiranos, uma história mal contada, têm inevitavelmente o condão de as acordar.