As dores de cabeça dos bispos católicos

Jorge Messias
Na esfera doirada do mundo global, as coisas parecem ir de mal a pior. Nem uma das tensões e problemas de há muito existentes foi resolvida. Agravam-se constantemente os problemas cambiais, os desequilíbrios na área dos combustíveis, os fossos entre países ricos e países pobres, as questões dos armamentos e da emigração legal e clandestina, o aumento do banditismo, o discurso oco no que diz respeito ao ambiente e ao respeito pela Natureza, a questão da opção das fontes de energia, etc.. Os pactos regionais ditos de desenvolvimento são fonte de maior riqueza para os ricos e de maior pobreza para os pobres servem como nichos onde se geram novos conflitos entre povos e nações ou opõem populações e as etnias que as constituem. A coroa de glória das contradições capitalistas atinge o auge do seu esplendor com o antagonismo profundo entre os interesses da Europa e da América e os novos potentados nascentes da China e da União Indiana. Em nenhuma das áreas em risco o neoliberalismo foi capaz de dar um passo em frente no sentido do bem comum. Pelo contrário, mergulhado em severa crise, o capitalismo mundial cuja meta ambiciosa era a globalização, marca passo à espera de melhores dias. Dias que, talvez, não chegarão. Os banqueiros têm consciência disso e defendem a tese de «ou eu ou o caos».
Como sempre, Portugal continua a ser um pálido reflexo dos cenários de tragédia que o sistema capitalista está a criar no mundo. Todavia, à nossa escala, a continuarmos no sentido suicida para onde nos encaminhamos, viveremos dentro de pouco tempo por entre um amontoado de ruínas. Nem o palavreado dos políticos no Governo e dos senhores dos negócios (mesmo esses já procuram refrear um tanto o seu triunfalismo), actualmente convence os portugueses de que a terra em que vivem é um mundo de sucesso. Pelo contrário anunciam os comentadores de todos os sectores políticos que se avizinham dias ainda mais duros. Para além de tudo isto, é dado histórico universalmente aceite que os tiranos jamais concedem em abandonar voluntariamente o poder. Só a firme «luta de classes», mobilizando as forças populares, permitirá o regresso à Democracia de Abril ! ...

A mudez impávida da Igreja

Recorde-se a teoria do «milagre social» tão em voga nos anos 60 e 70. Dizia-se,
então, que a igreja católica mudara, que o «povo de Deus» se erguera contra
Roma, impusera uma profunda reforma, e assim, deste modo, já não constituía um esteio do absolutismo, do fascismo e do capitalismo, como sempre acontecera. Agora, regressava ao voto de pobreza, fazia a «opção pelos pobres» e anematizava as injustiças, viessem elas de onde viessem. A igreja católica seria, futuramente, e em relação aos povos, apenas «uma perita em humanidades». Era o que se dizia e se anunciava aos quatro ventos.
Depois desta fase inebriante da opinião pública mundial, rios de água passaram debaixo das pontes e o que se viu é que o Vaticano não mudara uma vírgula da sua permanente e camuflada opção pelo capitalismo. Não só no plano político onde as sua alianças são sobejamente conhecidas. Também, e de forma muito activa, noutras áreas decisivas para o poder capitalista: na diplomacia, na formação dos estrategas do neocapitalismo, nos negócios da igreja nos sectores financeiros e bolsistas, no mercado da solidariedade onde organizações fundamentalistas arrecadam lucros fabulosos, na entrada contínua de quadros confessionais na vida político-partidária, etc., etc.. Na sua intervenção na sociedade, a igreja católica, realmente, não mudou: vai-se adaptando.
Como fundamento desta conclusão óbvia, recordem-se as importantes observações (Abril de 1908) que, de forma algo confusa foram publicadas no jornal «Semanário» e parecem atribuídas a D. Jorge Ortiga, já depois de ter sido empossado Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa:
«Há coisas em que a Igreja não pode nem deve abrir mão. Mas há outras em que é urgente a modernização dos comportamentos e, até, dos enquadramentos filosóficos e religiosos.
«A Igreja sabe o que pode esperar do Estado. Um Estado laico que significa um Estado que inclui, dignifica e respeita a religião o que, no nosso caso, significa sempre uma defesa da igreja maioritária e culturalmente marcante do povo português. Exactamente o contrário da ideologia laicista do Estado ateu. O Estado não é ateu. O Estado é «laico», ou seja, admite religiões diferentes e respeita até (o sublinhado é nosso) quem não tem religião».
Um pouco mais à frente declara-se: «A Igreja Católica tem que proclamar o “Amor de Cristo”. É isto que a distingue acima do combate político. A acção pelos mais pobres não pode ser confundida com agendas corporativas ou “lutas de classes”.
«A opção definitiva pelo amor exclui a guerra, a violência e, necessariamente, esta agenda mediática de falta de senso e de conflito».
O texto é profundamente cínico mas realista. Inscreve-se na escola de pensamento dos Jesuítas e do Opus Dei dos quais Ratzinger é brasão e estandarte.


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