Notícias do meu país

Correia da Fonseca
De há uns tempos a esta parte, alguns dos canais abertos têm vindo a complementar os seus noticiários da noite, uma vez por semana, com reportagens acerca de aspectos vários da actual vida portuguesa. Tem sido, designadamente, o caso da TVI e da SIC, mas não garanto que a RTP nunca lhe tenha seguido o exemplo, se é que de exemplo se pode falar. E tem acontecido que tais reportagens têm sido geralmente de muito boa qualidade, o que aliás só confirma o que bem sabe quem se interessa por estas coisas: que há excelentes jornalistas a trabalhar na televisão portuguesa, a questão é querer distribuir-lhes tarefas à altura dos seus méritos e garantir-lhes que sempre estarão ao abrigo de eventuais desagrados por parte de patrões e outros legítimos superiores. Já se vê que recomendar isto não é pedir o céu; e quanto ao resto está aí o País inteiro à espera de quem o olhe e narre, isto para não invocar o inteiro mundo, que seria decerto âmbito excessivo. É claro que nem sempre os temas escolhidos para essas reportagens são os que cada um de nós porventura considera mais urgentes, mais relevantes ou mais esquecidos, mas nem esse provável aspecto da questão pode ser levado à conta de inconveniência porque a TV, e obviamente que não apenas ela, também há-de servir para nos abrir portas que nem supúnhamos existir, para nos alargar horizontes, para evitar que fiquemos estreitinhos. E se não acontece assim, o que é de recear que constitua regra geral, será por estarmos perante uma TV que não merece sê-lo, tal como pouco merece ser telespectador aquele que não sente pelo menos um mínimo impulso para reclamar uma televisão que não se pareça com uma pastilha elástica.

Uma espécie de pegada

Ficou dito um pouco acima que as reportagens de que falamos surgem como complemento dos telenoticiários, e convém explicar que esse entendimento não resulta apenas, nem sobretudo, do facto de serem transmitidas logo a seguir aos serviços noticiosos da noite, apenas com a pausa reservada para o sacratíssimo bloco publicitário. Na verdade, o seu carácter complementar resulta do facto de serem essas reportagens, não sempre mas por vezes, a fornecerem-nos acerca do País que habitamos informações preciosas para o estabelecimento de um seu retrato bem mais significativo e fiel que o resultante da rotineira aplicação da fórmula «desastre-futebol-intriga política». Ora, por ser assim, tais reportagens ou pelo menos as melhores delas funcionam como denúncia da distancia enorme que separa a rotina dos telenoticiários da quotidiana verdade portuguesa. Não significa isto, naturalmente, que se entenda ser necessário que no interior da cada noticiário, enovelada no meio de alhos e bugalhos, se aniche uma espécie de micro-reportagem sobre assunto relevante. Mas parece que deva ser tomado como significativo que um ou outro tema abordado em reportagem e que corresponda a situações de modo nenhum raras nunca tenha sido referido com adequada ênfase em qualquer anterior serviço noticioso. Recorde-se ou, melhor ainda, verifique-se hoje mesmo ou em qualquer dos próximos dias, que uma ocorrência banal havida nos Estados Unidos ou seus arredores ideológicos merece tempo de antena nos noticiários portugueses que, contudo, muitas vezes parecem não o ter para o que acontece em Portugal e nele é característico e definidor. Afinal, o telespectador português continua sem as «notícias do meu País» de que falava Alegre no tempo da ditadura fascista. E não se diga que a ausência se explica por não haver agora repressão brutal, pide nas ruas, censura com mítico lápis azul. A questão é que nem todas as brutalidades estão nos bastões das polícias, nem todas as delações são registadas em ficheiros, nem todas as censuras têm lápis e carimbos. É aliás porque tais coisas por vezes se refugiam em mutações, e assim podem subsistir, que seria natural esperarmos notícias que podem nem ser comparáveis às do passado mas que, existindo, parece não terem lugar na já enfadonha rotina diária. Assim, se formos esperançosos, ficamos à espera de que uma reportagem atenta, provavelmente corajosa, surja depois de um telenoticiário e, como que em complemento dele, nos revele uma espécie de pegada no caminho de muitas amarguras que é hoje a realidade portuguesa.


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