A «malha» fina torna-se pesada

Jorge Messias
Sócrates começou, a seu tempo, com «pezinhos de lã». Os temas da canção que então cantava giravam à volta das maravilhas da integração europeia e da ampliação dos direitos e liberdades individuais. Com ele, o País caminharia para a prosperidade e para o sucesso.
Mais tarde, numa segunda fase, a canção já era outra: se as medidas que o governo entretanto tomara geravam riqueza e sucesso, a questão do défice europeu impunha pesados sacrifícios. A convergência financeira não era apenas da ordem económica, era um imperativo nacional imposto pela nossa dignidade colectiva. Os impostos foram aumentados, os valores salariais degradados, as verbas orçamentais de natureza social apagadas ou reduzidas. Agora, o grande objectivo seria amealhar para o país pagar a sua dívida nacional. Mandava que assim fosse a «honra de Portugal».
Mais recentemente, entrou-se numa terceira parte da letra desta canção. A Europa está em crise financeira, económica e social. Portugal não escapará às consequência dessa crise, apesar dos bons resultados que se devem ao consulado de Sócrates. Mas é necessário que, apesar dos pesados sacrifícios a exigir ao povo e aos trabalhadores, se continue a caminhar para um mundo mais livre. É assim que se deve entender o «Código do Trabalho», a liberalização dos despedimentos, a prestação gratuita de trabalho, o trabalho intermitente, os cortes orçamentais, etc., etc.. A culpa
do que se passa «não é nossa». Sócrates age a bem do nosso Povo, a bem da Nação.
Nisto estamos mas asseguram-nos que não ficaremos por aqui. Estão à vista o «trabalho gratuito», a restauração das «sopas dos pobres» e do movimento nacional feminino, o império das Misericórdias no interior das autarquias e a ocupação final do Poder pela gigantesca massa financeira do grande empresariado. Na sua primeira versão, o governo de Sócrates limitava-se a fazer avançar projectos limitativos de direitos e liberdades, sob a capa da «malha fina» de uma afirmação equívoca das suas verdadeiras intenções. Hoje é bem mais explícito. Tudo quanto exige, na mais completa impunidade, vai no sentido da instalação de uma ditadura do grande capital.

Uma viagem semi-secreta de Cavaco Silva

Perguntar-se-á por que razão estas considerações estão contidas na área das «religiões» do nosso Avante!. Por múltiplas razões, das quais destacaremos duas. Mas diga-se, à laia de prólogo, que sem as alianças com a igreja católica, o grande empresariado nunca conseguirá concretizar os seus desígnios. Substituir «direitos» por «solidariedade» ou a noção de «colectivo em luta» pelas da «caridade» e do «perdão», são desempenhos históricos de inestimável importância para os ricos que só a igreja pode desempenhar. A força da igreja representa o tampão que determina, nalguns casos, a neutralização passageira das lutas de classes.
Quanto aos factos insólitos que justificam a inclusão da política no capítulo das «religiões» recordemos em primeiro lugar que a hierarquia católica reelegeu, no passado mês de Abril, a ala mais «dura» dos bispos portugueses. Considerados como «duros» são aqueles prelados que manifestam uma cega obediência ao Papa e à defesa dos interesses da Igreja. E, como se sabe, o actual papa Bento XVI é igualzinho ao que sempre foi o cardeal Ratzinger.
Abordemos, em seguida, o pouco ou nada que se conhece acerca da recente visita que Cavaco Silva fez ao Papa. Nem sequer ficou esclarecido se a visita foi oficial ou particular. Cavaco Silva não levou comitiva, dispensou tradutores e, segundo os noticiários dos jornais, debateu com o Papa, em inglês, «os temas nacionais e internacionais» da maior actualidade: África, imigração clandestina, Timor («onde a voz dos bispos é mais forte que dos líderes políticos») e muitos outros assuntos. Curiosamente, o encontro a sós durou 25 minutos. Poder-se-á falar de tanto em tão pouco tempo? Decididamente, Cavaco Silva é igualzinho a Cavaco Silva, tal como Bento XVI é igualzinho a Ratzinger.
Entretanto, sem conexão aparente com a visita do súbdito crente ao Vaticano, um dos seus conselheiros mais destacados abandonava o emprego para ir apoiar os trabalhos de instalação de um novo partido político em formação e que poderá vir a ser o braço parlamentar de uma nova Democracia-Cristã portuguesa.
Diga-se de passagem que a igreja católica é a única instituição assistencial portuguesa credenciada para calar entre o povo a fome, com uma sopa. Para inspirar esperança e calar revolta nos fracos e nos explorados. E para manter expectativas no futuro entre uma classe média que já começa a impacientar-se. A igreja católica portuguesa continua a dispor de uma extensa rede de infantários e escolas quase que totalmente – ou totalmente – subsidiada pelo Estado. E ter nas mãos uma criança é ter na mão os pais e a família.
De braço-dado com a igreja, Sócrates prepara o seu futuro e faz um seguro político de vida do sistema capitalista que representa.


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