Coches e ondas artificiais
Com pompa algo pechisbeque e personagens condizentes, lá estavam o comendador Berardo, de coração na lapela, o ex-futuro líder da sociedade de reabilitação da frente ribeirinha, José Miguel Júdice, com o silêncio da demissão agrafado no sorriso, e o anfitrião, essa coisa ministro da economia e inovação (?!), conhecido por visitar supermercados no dia em que o IVA baixou 1% e pelos dislates que lhe constroem o perfil, foi mostrado ao público ignaro o futuro Museu dos Coches, o primeiro dos projectos que integram um plano «global» para a zona ribeirinha de Lisboa.
Deixando para segundo plano a questão, longe de ser menor, de, no quadro global da situação museológica, ser intervenção prioritária edificar um novo Museu dos Coches, que não é o museu que mais carece de intervenção seja para ampliar, seja para melhorar a acessibilidade, a iniciativa ser da Economia sem (ou quase sem) ouvir a Cultura (*) e custar uns 35 milhões de euros, o que sobressai desse aparato é o que se anda a fazer na cidade, Câmara e Estado, à pala de devolver o Tejo aos alfacinhas.
Ao longo dos últimos séculos, à medida que Lisboa ia conquistando território ao rio por sucessivos aterros, o plano de água ficava cada vez mais distante. O porto, a via-férrea, as vias rodoviárias constituíram barreira quase intransponível, sem que ninguém olhasse para a Rua do Alecrim desenhada no séc. XVIII (!) por Carlos Mardel que vence o aterro e liga a cidade ao rio. Estranha e incompreensível maldição, sobretudo quando se olha para a planta da cidade e são várias as potenciais «ruas do alecrim».
O divórcio entre Lisboa e o Tejo foi e é objecto das retóricas mais inflamadas. Chegou a vez de encenações PS, no governo e PS + bengala BE, na Câmara, que apresentam um suposto plano global de intervenção.
Instala-se logo alguma inquietação quando se verifica que o primeiro cuidado foi inventar mais um trem de tachos com uma sociedade (**) – 5 milhões de euros até 2010 para seu funcionamento! isto de apertar o cinto não é para todos! – com o objectivo de gerir os projectos que integram um suposto plano estratégico encomendado à Parque Expo a qual, debaixo do guarda-chuva do paleio recorrente de parcerias público-privadas, consolidações, regenerações, percepções ambientais, sustentabilidades, elenca uma lista de obras que puxarão lustro ao regime aquando das comemorações do centenário da República. Chama-se plano a uma intervenção na frente ribeirinha que absorve projectos que deveriam ser repensados: Matinha, Santa Apolónia, Braço de Prata, Docapesca; tem novidades fulgurantes como a praia de ondas no Poço do Bispo; recupera propostas antigas como a de enterrar as vias ferroviárias e rodoviárias em Belém (***), enuncia parques urbanos de que só se conhece um projecto, o da Fundação Champalimaud, reconverte uma área, Belém, multiplicando as ditas indústrias criativas, tendo como âncoras o Museu Berardo (que essa gente supõe conter uma das melhores colecções internacionais de arte contemporânea, convicções destas garante lugar no reino dos céus) e o Museu dos Coches. Nesse vai e vem estado-autarquia, até agora, não se definiu juridicamente a gestão desse território e o presidente da autarquia tira da cartola um coelho: «embora não sejam juridicamente vinculativos (os compromissos entre Câmara e Estado) vinculam o Estado e a Câmara» princípio que irá fazer jurisprudência.
A extrema gravidade de tudo isto, para lá de alguns aspectos meritórios, é que os nossos políticos, no governo e no governo da autarquia, continuam sem perceber que as cidades são atractivas como um todo estimulante onde se inserem locais com estímulos particulares, por exemplo Bairro Alto, Belém, Frente Tejo, Baixa-Chiado; que um Plano não é uma lista de obras, nem uma intervenção localizada, deve ser elaborado a partir de uma visão estratégica da cidade; que é prioritário para a vida da cidade ter uma intensa actividade portuária em todo o seu arco, da movimentação de mercadorias e passageiros à reparação naval, prioridade que condiciona o planeamento e deve ser articulado com as restantes intervenções; que a última grande intervenção na frente ribeirinha, a zona da Expo 98, desaguou na especulação imobiliária e que não são docas de Alcântara que aproximam a cidade do rio.
Nada, ou pouco disto tem sido equacionado. A lição de Carlos Mardel, mais uma vez, não foi aprendida.
(*) As verbas são das contrapartidas do Casino de Lisboa, a única pedra em quase dez anos de recuperação do Parque Mayer, e são inferiores ao valor do edifício que foi «dado» à sociedade proprietária do casino.
(**) No princípio a sociedade, (será mesmo necessária?) era uma parceria estado-autarquia. Passou a ser só estado. O líder era Júdice, mandatário do Costa nas últimas eleições e escriba de banalidades do pensamento único em vários média, que desapareceu prometendo reaparecer a explicar-se em fólio.
(***) Quando da construção do CCB fez-se um concurso público para intervenção na zona envolvente. Vários concorrentes, alguns premiados, propuseram que as vias ferroviárias e rodoviárias fossem enterradas na frente monumental de Belém. Ficou tudo na gaveta, já lá vão umas dezenas de anos, andaram a gastar e desperdiçar dinheiro noutras fachadas.
Deixando para segundo plano a questão, longe de ser menor, de, no quadro global da situação museológica, ser intervenção prioritária edificar um novo Museu dos Coches, que não é o museu que mais carece de intervenção seja para ampliar, seja para melhorar a acessibilidade, a iniciativa ser da Economia sem (ou quase sem) ouvir a Cultura (*) e custar uns 35 milhões de euros, o que sobressai desse aparato é o que se anda a fazer na cidade, Câmara e Estado, à pala de devolver o Tejo aos alfacinhas.
Ao longo dos últimos séculos, à medida que Lisboa ia conquistando território ao rio por sucessivos aterros, o plano de água ficava cada vez mais distante. O porto, a via-férrea, as vias rodoviárias constituíram barreira quase intransponível, sem que ninguém olhasse para a Rua do Alecrim desenhada no séc. XVIII (!) por Carlos Mardel que vence o aterro e liga a cidade ao rio. Estranha e incompreensível maldição, sobretudo quando se olha para a planta da cidade e são várias as potenciais «ruas do alecrim».
O divórcio entre Lisboa e o Tejo foi e é objecto das retóricas mais inflamadas. Chegou a vez de encenações PS, no governo e PS + bengala BE, na Câmara, que apresentam um suposto plano global de intervenção.
Instala-se logo alguma inquietação quando se verifica que o primeiro cuidado foi inventar mais um trem de tachos com uma sociedade (**) – 5 milhões de euros até 2010 para seu funcionamento! isto de apertar o cinto não é para todos! – com o objectivo de gerir os projectos que integram um suposto plano estratégico encomendado à Parque Expo a qual, debaixo do guarda-chuva do paleio recorrente de parcerias público-privadas, consolidações, regenerações, percepções ambientais, sustentabilidades, elenca uma lista de obras que puxarão lustro ao regime aquando das comemorações do centenário da República. Chama-se plano a uma intervenção na frente ribeirinha que absorve projectos que deveriam ser repensados: Matinha, Santa Apolónia, Braço de Prata, Docapesca; tem novidades fulgurantes como a praia de ondas no Poço do Bispo; recupera propostas antigas como a de enterrar as vias ferroviárias e rodoviárias em Belém (***), enuncia parques urbanos de que só se conhece um projecto, o da Fundação Champalimaud, reconverte uma área, Belém, multiplicando as ditas indústrias criativas, tendo como âncoras o Museu Berardo (que essa gente supõe conter uma das melhores colecções internacionais de arte contemporânea, convicções destas garante lugar no reino dos céus) e o Museu dos Coches. Nesse vai e vem estado-autarquia, até agora, não se definiu juridicamente a gestão desse território e o presidente da autarquia tira da cartola um coelho: «embora não sejam juridicamente vinculativos (os compromissos entre Câmara e Estado) vinculam o Estado e a Câmara» princípio que irá fazer jurisprudência.
A extrema gravidade de tudo isto, para lá de alguns aspectos meritórios, é que os nossos políticos, no governo e no governo da autarquia, continuam sem perceber que as cidades são atractivas como um todo estimulante onde se inserem locais com estímulos particulares, por exemplo Bairro Alto, Belém, Frente Tejo, Baixa-Chiado; que um Plano não é uma lista de obras, nem uma intervenção localizada, deve ser elaborado a partir de uma visão estratégica da cidade; que é prioritário para a vida da cidade ter uma intensa actividade portuária em todo o seu arco, da movimentação de mercadorias e passageiros à reparação naval, prioridade que condiciona o planeamento e deve ser articulado com as restantes intervenções; que a última grande intervenção na frente ribeirinha, a zona da Expo 98, desaguou na especulação imobiliária e que não são docas de Alcântara que aproximam a cidade do rio.
Nada, ou pouco disto tem sido equacionado. A lição de Carlos Mardel, mais uma vez, não foi aprendida.
(*) As verbas são das contrapartidas do Casino de Lisboa, a única pedra em quase dez anos de recuperação do Parque Mayer, e são inferiores ao valor do edifício que foi «dado» à sociedade proprietária do casino.
(**) No princípio a sociedade, (será mesmo necessária?) era uma parceria estado-autarquia. Passou a ser só estado. O líder era Júdice, mandatário do Costa nas últimas eleições e escriba de banalidades do pensamento único em vários média, que desapareceu prometendo reaparecer a explicar-se em fólio.
(***) Quando da construção do CCB fez-se um concurso público para intervenção na zona envolvente. Vários concorrentes, alguns premiados, propuseram que as vias ferroviárias e rodoviárias fossem enterradas na frente monumental de Belém. Ficou tudo na gaveta, já lá vão umas dezenas de anos, andaram a gastar e desperdiçar dinheiro noutras fachadas.