Bloco central de ética cristã?

Jorge Messias
Nos tempos que correm, preocupa ouvir ou ler as notícias do mundo. O capitalismo está a tentar resolver os seus gigantescos dilemas, agravando-os. As guerras dão lugar a outras guerras e as fomes provocam outras fomes. O desemprego alastra e gera a miséria. A pobreza agiganta-se face à monstruosidade das grandes fortunas. Surgem novas formas de miséria oculta.
A este quadro explosivo o neoliberalismo responde com o acentuar do autoritarismo. Recupera assim os percursos que o capital trilhou entre as duas grandes guerras mundiais. Responde à vontade dos povos com a força, como no Iraque, ou com soberba e desprezo, como na Irlanda. Reduz sistematicamente o leque das instituições democráticas. Permite que o patronato se substitua ao Estado para mais facilmente esmagar a força dos trabalhadores. O regresso ao quadro de referências de uma «Nova Ordem» é cada vez mais nítido.
O novo capitalismo tudo destruiu (inclusivamente o capitalismo clássico) só para abrir espaços vazios e imperar. Hoje, vagueia entre as ruínas, sem saber que sentido tomar. A globalização está a produzir os previsíveis efeitos desumanos.

O «suave milagre»

Em Portugal, a «classe política» leva agora as mãos à cabeça. Que fazer – e como fazer – de forma a disfarçar a miséria, dando-lhe um aspecto simpático mas conservando os capitalistas as rédeas do poder? Que estratégia será adequada à travessia de situações tão delicadas que requerem tacto, alianças fortes e unidade de interesses entre os grupos dominantes? É nesta fase que entra a Igreja Católica, a única grande senhora com força virtual capaz de produzir um «suave milagre»: a contenção da indignação popular.
Os políticos dividem-se e lançam ao ar balões de ensaio que pouco conseguem subir. Agora, o caso mais flagrante deste tipo de diversão envolve a sugestão do retorno ao antigo e desacreditado «bloco central», proposta soprada pela direita e pela extrema-direita. A ideia tem estado a ser recebida com grande cepticismo e é possível que ela própria apenas vise distrair as atenções da verdadeira fórmula mágica a promover no futuro. A igreja católica, por exemplo, embora concorde com os objectivos do «centrão», não se identifica com as estratégias repetitivas que ele aconselha. O episcopado tem um trunfo na manga: a doutrina social da Igreja.
O país está de rastos e cresce rapidamente a ameaça de ruptura na área social. Por toda a parte reina a corrupção. Mas a doutrina da igreja definiu, desde há muito, os contornos de uma Ética (que ela própria não pratica) e estabeleceu-se na sociedade com uma malha miúda de instituições assistenciais. Impõe-se potenciar estes valores, «dar a volta por cima». E assim nasceu um projecto avançado.
Foi divulgado há dias a sensacional notícia de que a Associação Cristã de Empresários (ACEGE) está a promover cursos em que os bispos portugueses aprendem técnicas neoliberais de gestão das dioceses. Estes cursos visam, segundo José Roquete, porta-voz da ACEGE, equipar o clero com os instrumentos necessários à «melhor organização dos recursos humanos, à gestão financeira e patrimonial, aos métodos de liderança e às tecnologias da informação». O detalhe desta íntima colaboração entre o patronato e as cúpulas eclesiásticas permanece no segredo dos deuses. Mas sabe-se que duas das principais metas a concretizar a curto prazo consistem na organização de uma só Central de Compras que integre as aquisições das 18 dioceses portuguesas e no ingresso de «leigos qualificados» no aparelho de gestão das paróquias, funções até aqui apenas desempenhadas pelo clero.
Esta proposta é aparentemente muito mais viável do que o decrépito plano do «bloco central», ainda que os objectivos de ambos sejam os mesmos: reforço e expansão da rede que liga a direita, o capital e a igreja ; difusão da Ética cristã de sentido apaziguador; e subsidiarização das funções do Estado, extinguindo serviços públicos e substituindo-os pela acção caritativa e assistencial. Então, a Ética será o traço de união ligando capitalistas, laicos, religiosos e políticos e recolherá o apoio popular.
Projectos megalómanos como este são de difícil concretização. Com uma tal ambição, precisam de avançar com segurança e rapidez, sem erros graves de cálculo. Exigem um contínuo fluxo de capitais recolhidos no Estado, no Privado e na Igreja. Assim os dois últimos consintam em «abrir os cordões à bolsa»...
Trata-se de condições operacionais raramente reunidas em Portugal. Tudo vai depender essencialmente do grau de mobilização e da taxa de remuneração dos lucros que a operação proporcionar. O problema social é extremamente grave e o povo não pode continuar a ser iludido e a perder tempos de luta com patranhas como a do «benefício da dúvida» ou da «caridade cristã como alternativa ética». Devemos intensificar a luta contra aqueles que, sob a capa da caridade, mais não fazem que reforçar a exploração e a miséria do povo.
Doa a quem doer!


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