Fora de jogo

Correia da Fonseca
O assunto que no passado fim-de-semana e dias imediatamente seguintes dominou as preocupações informativas da televisão lusitana não foi a catástrofe ocorrida na Birmânia com os seus muitos milhares de mortos, nem a campanha eleitoral no interior do PSD, nem as últimas etapas do percurso da chama olímpica em direcção a Pequim, nem os mais recentes episódios do intrigante duelo Hillary-Obama, nem sequer a exploração mediática do caso do cidadão austríaco que durante décadas sequestrou e violou a própria filha. Note-se que este último tema, tal como aliás a desgraça natural na Birmânia, é de um género muito do apreço das televisões em geral e da televisão portuguesa em particular. Porém, desta vez o assunto que sobre todos os outros prevaleceu foi a decisão do Conselho Disciplinar da Liga de Clubes que puniu Pinto da Costa, Valentim Loureiro e mais uns não sei quantos árbitros de futebol actuais e pretéritos. Foi, enfim, a Bola (com inquestionável direito a maiúscula inicial) e as suas guerras. Sendo assim, a regra básica do comentador de TV que quer «estar» onde estão os olhos e a atenção do público manda que se fale aqui dessa decerto relevante questão, tal e tamanha que a ela foi dedicado o último «Prós e Contras», programa que como se sabe se dedica exclusivamente a debater as grandes questões nacionais. Mas o «Prós e Contras» tem a dupla propensão de ser chato e de se estender para zonas horárias pouco ou nada adequadas a quem trabalha no dia seguinte, isto é, a uns milhões de potenciais cidadãos telespectadores, o que desde logo o limita na utilidade e no impacto. Para mais, e quanto a este caso concreto, sucede que os já antigos jogos em que segundo a Comissão Disciplinar ocorreram corrupções, ou tentativas de corrupção, os porventura secretos desejos de corromper (tudo isso naturalmente condenável, punível e pelos vistos punido) parecem-me jogos de interesse secundário, salvo o respeito devido às equipas que neles participaram, e por isso incapazes de me mobilizarem em atenção e emoção. Acresce ainda que se me afigura curioso, talvez mesmo patusco, que depois de certamente aturadas investigações só tenham sido apurados casos de corrupção activa bem acima das águas do Mondego, o que pode abrir caminho para um estudo sobre a relação entre a latitude geográfica e a deontologia desportiva. Ou, o que é bem pior, sobre as próprias investigações. Tudo isto embaraça e desmotiva um sujeito que se propõe avaliar e comentar os conteúdos da TV fornecida ao País, o que bem se compreenderá.

Na Primeira Divisão

Por outro lado ainda, acontece-me, como seguramente acontece a qualquer um que tenha olhos na cara e vontade de usá-los, que ao longo dos dias vou deparando com situações que me parecem reclamar a atenção da TV, por exemplo uma emissão do «Prós e Contras» adequadamente frequentada e se possível transmitida a horas mais propícias. Ainda há apenas uma ou duas horas, vinha eu a caminho do cumprimento do dever de alinhar esta dupla coluna, passei uma vez mais por um cidadão que com algum custo levantava a tampa de um contentor de lixo e sobre ele se debruçava em busca de qualquer coisa que lhe servisse. Que lhe servisse, imagino eu, talvez não directamente para comer (essa é, creio, a especialidade do que é lançado em contentores colocados à porta de supermercados), mas sim que por troca ou venda desse acesso a qualquer coisa comestível. Sei, naturalmente, que a TV já se ocupou destes casos uma vez ou duas. Poucas vezes, parece-me, e um pouco de raspão. Mas o que por vezes sonho é que este assunto terrível ocupe um dia um «Prós e Contras” inteirinho, com rebuscadores de lixo sentados num dos lados do palco do teatro/estúdio Armando Cortês, dadivosas senhoras sentadas do lado oposto e na plateia numerosos beneficiários da muda generosidade dos contentores. Não sei se um programa assim resultaria em alguma utilidade concreta, se não se limitaria a levar roda de tentativa para imiscuir uma espécie de Neo-Realismo actual no plano das grandes questões nacionais. Por outras palavras e recorrendo ao vocabulário do futebol, que é desde há muito vocabulário in, o que eu sonho é que o tema da miséria que se multiplica por essas ruas, em torno ou não de contentores , deixe de ser considerado fora-de-jogo. Do grande jogo da informação fornecida ao País e ao nível da primeiríssima divisão em que o «Prós e Contras» da RTP faz figura de jóia da coroa.


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