Comentário

Ingerência, militarismo e guerra

Pedro Guerreiro
A actual situação nos Balcãs, designadamente nos países da ex-Jugoslávia, é rica em ensinamentos quanto aos objectivos e ao real significado da chamada «Política Europeia de Segurança e Defesa» (PESD), isto é, da militarização da União Europeia, que a proposta de tratado da UE, agora denominado «de Lisboa» pretende institucionalizar e dar um significativo impulso.
Após a brutal destruição da Jugoslávia, metodicamente promovida pelos EUA e pelas grandes potências da UE, com a Alemanha à cabeça - Jugoslávia que, recorde-se, procurava afirmar o seu próprio rumo, resistindo ao domínio e aos condicionamentos da NATO e da UE -, deparamo-nos actualmente com um mosaico de situações que, embora com «maturações» diferenciadas, convergem num mesmo sentido. A Eslovénia é membro da NATO e da UE. A Croácia e a FYROM (Macedónia) têm uma parceria com a NATO e são candidatos à UE. A Bósnia-Herzegovina é um autêntico protectorado da UE/NATO. Todos os países que integravam a Jugoslávia, com a excepção da Sérvia (cujo processo negocial não está concluído), têm actualmente amplos «acordos de associação» com a UE, como etapa anterior a uma futura adesão. Durante a próxima Cimeira da NATO, que se realizará em Bucareste, em Abril, prevê-se que a Croácia e a Macedónia passem a membros e se estabeleçam parcerias com a Bósnia-Herzegovina (!) e com o Montenegro. Isto é, a «reintegração» destes países sob a alçada do dito «eixo euro-atlântico», ou seja, da NATO/UE.
A «declaração de independência unilateral» da província Sérvia do Kosovo promovida pelos EUA e pela UE - após os bombardeamentos da NATO à Jugoslávia, em 1999, e nove anos de ocupação (cerca de 80% das tropas ocupantes são de países da UE, incluindo Portugal) -, visa instaurar mais um protectorado da NATO e da UE (que «substitui» a missão da ONU) na região, que não contou, desta vez, com o «branqueamento» posterior de um mandato do Conselho de Segurança da ONU e que, bem pelo contrário, desrespeita de forma flagrante a sua resolução 1244. Protectorado, eufemisticamente apresentado como uma «independência vigiada» e apontado, por alguns, como «um «modelo» novo que pode vir a ser «exemplar». No fundo, um «novo» modelo que recupera a velha política da canhoneira e o colonialismo do século XIX e que se traduz na violação do mais elementar e fundamental direito internacional.
O que tal situação demonstra à evidência é que, sempre e sempre sob a cínica e esfarrapada desculpa da «inevitabilidade», os EUA/NATO/UE através da ingerência, manipulando contradições e impondo «factos consumados», se necessário, utilizando a mais brutal agressão - se possível, mas não necessariamente, com a conivência do Conselho de Segurança da ONU -, procuram afirmar o seu domínio sobre esta nevrálgica região. Os Balcãs são um exemplo do que é, afinal, a real face da política externa da UE e da sua dita «PESD»: ingerência, guerra e domínio político, económico e militar.

As ambições imperialistas da UE

A política da UE para os Balcãs é apenas um exemplo, dos mais significativos, que evidencia as grandes ambições das grandes potências capitalistas que integram a UE, com destaque para a Alemanha. Ambições traduzidas na actual proposta de tratado que, se ratificado, representará um enormíssimo passo na transformação da UE como um bloco económico-político-militar que anseia reequilibrar as suas relações com os EUA, nomeadamente no quadro da NATO.
Pela sua importância, merecem análise as intervenções proferidas na 44ª Conferência de Munique sobre a Política de Segurança, designadamente tendo em conta a já referida Cimeira da NATO, prevista para Abril.
Aí foram explicitados os anseios da Alemanha, assim como os da França, no sentido da «transformação política e militar da Aliança», da necessidade de um «maior diálogo e consulta» para as decisões e de uma «maior unidade quanto às intenções» no seu seio, devendo a «necessária cooperação NATO-UE» evoluir em «termos políticos». Para a Alemanha ou para a França, não é suficiente uma «colaboração pragmática» entre a NATO e a UE, querem mais, querem assegurar a sua participação na definição das grandes orientações e decisões da Aliança, afirmando e utilizando, para tal, a UE.
Para a Alemanha ou para a França é chegado o momento de procurar recuperar espaço perdido, daí o reforço do militarismo no tratado agora proposto, daí a sua pressão para a formalização e afirmação da UE como o pilar europeu da NATO e da transformação desta como «actor global», quase dez anos após a Cimeira de Saint-Malo, onde a França e a Grã-Bretanha decidiram iniciar a militarização da UE, e nas vésperas dos 60 anos da NATO, que se assinalarão em 2009.


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