Evasão fiscal

Fraude à escala europeia

O escândalo sobre a gigantesca fraude fiscal descoberta na Alemanha voltou a colocar na agenda os privilégios dos chamados paraísos fiscais. Mas o problema não tem fácil resolução já que decorre da própria natureza do capitalismo.

Investigação confirma laços da banca europeia aos paraísos fiscais

Klaus Zumwinkel, o presidente dos correios alemães, foi obrigado a demitir-se, em meados de Fevereiro, acusado de ter furtado ao fisco do seu país cerca de quatro milhões de euros.
O desmascaramento deste alto funcionário não podia calhar em pior altura para o governo alemã. Enquanto por todo o país milhões de trabalhadores lutam por aumentos salariais que lhes permitam recuperar um pouco do poder de compra perdido na última década, o caso Zumwinkel veio chamar a atenção não só para as remunerações exorbitantes dos altos quadros mas também para a sua gula insaciável que se alimenta no corrupto sistema financeiro.
Mais uma vez foi uma coincidência que permitiu desvendar esta mega fraude fiscal à escala europeia. Um ex-funcionário do maior banco do Liechtenstein, o LGT, propriedade da família real que representa este pequeno país, vendeu aos serviços secretos alemães quatro DVDs com os dados de 1400 clientes da instituição detentores de contas secretas.
Com essa informação as autoridades alemãs já abriram 160 investigações em seis estados federados, que permitiram recuperar 28 milhões de euros em menos de um mês, calculando-se que o fisco germânico possa ser ainda ressarcido em mais três mil milhões de euros.
Contudo, uma parte substancial da evasão fiscal nunca entrará nos cofres públicos devido ao prazo de cinco anos para a prescrição deste crime.

Uma teia multinacional

Pouco depois, também o governo britânico revelou que comprara informação confidencial sobre cerca de uma centena de cidadãos com contas bancárias Liechtenstein.
No início desta semana, o ministro francês do Orçamento, Eric Woert, anunciou as autoridades alemãs lhe comunicaram o nome de 200 milionários gauleses com contas ilegais, cujo montante poderá ascender a mais de mil milhões de euros.
Outros países, nomeadamente os Estados Unidos, a Espanha ou a Itália já admitiram ter identificado nas listas do Liechtenstein numerosos contribuintes prevaricadores.
Todavia, embora alguns governos dirijam agora as suas críticas contra os chamados «paraísos fiscais», chegando mesmo a exigir a sua eliminação, como declarou na segunda-feira passada, o ministro alemão da Finanças, Peer Steinbruck, a verdade é que estes estados são apenas a face visível de um sistema financeiro corrupto que é indissociável do capitalismo.
Eduard Güroff, um dos cinco procuradores alemães que conduzem a investigação do presente escândalo, confirmou que os próprios bancos alemães estão envolvidos neste tráfico de capitais. «Os clientes ricos são apetecíveis, têm liquidez e necessidades concretas. Do outro lado da fronteira estão os produtos financeiros que necessitam. Oferta e procura. Alguém terá, nalgum momento, que dar o passo. Criar uma fundação no Liechtenstein é tão fácil como passar um cheque. Nem sequer é preciso ir lá. O mesmo se passa em todos os paraísos fiscais» (El País, 03.03).

Salvar a face

Tentando acalmar a indignação da opinião pública, o governo alemão engrossa a voz, exigindo que Bruxelas reforce a pressão sobre o Liechtenstein, Andorra, Mónaco e Suíça para que aceitem uma cooperação com as autoridades fiscais dos países vizinhos.
Nesse sentido, o executivo germânico propõe a revisão da Directiva Europeia sobre Fiscalidade que, desde 2005, já obriga os estados-membros a trocar informações sobre depósitos bancários para que os seus detentores paguem impostos nos países em que residem.
Berlim sugere que esta obrigação incida igualmente sobre as restantes aplicações financeiras, incluindo remunerações e lucros de capital. Para além disso, a futura directiva poderia ainda obrigar as entidades bancárias que operam na UE a identificar os contribuintes que encaminham as suas fortunas para as fundações anónimas do Liechtenstein.
No entanto, é pouco provável que os responsáveis políticos europeus venham algum dia a criar verdadeiros obstáculos ao funcionamento do opaco sistema bancário. A simples descoberta deste escândalo no Liechtenstein já foi considerada como «um terramoto para a banca privada europeia». Isto porque, como explicou Daniel Truchi, quadro dirigente do banco francês, Societé General, as revelações «dinamitaram a confidencialidade do cliente» e quem irá beneficiar da situação serão outros paraísos fiscais fora da União Europeia. É sabido que o capital não hesitará em procurar novos destinos, se for caso disso.

Um paraíso do capital

O Liechtenstein é um micro-estado localizado nos Alpes, em pleno centro da Europa, entre a Áustria, a leste, e a Suíça a oeste. Com uma população de pouco mais de 34 mil habitantes e um território de apenas 160 quilómetros quadrados, é no entanto considerado um dos países mais ricos do mundo, com um rendimento per capita de 16 800 euros, sendo frequentemente apontado como um centro de branqueamento de capitais.
Nas contas dos seus 15 bancos, dos quais dez são filiais de bancos suíços e austríacos, estão depositados cerca de 160 mil milhões de euros, ou seja, o equivalente ao Produto Interno Bruto de Portugal.
Os seus detentores são clientes estrangeiros que guardam o anonimato através em mais de 50 mil fundações (stiftungen), que constituem uma invenção local e o produto financeiro mais procurado pelos discretos investidores. A rentabilidade é superior a dez por cento, livre de impostos, entenda-se, e podem ser transmitidas a outros beneficiários. Mais do que noutro lugar, o segredo é aqui a verdadeira a alma do negócio.


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