Ciência e Matemática

Francisco Silva
Enquanto num voo, metido dentro de um Jumbo, ainda outra vez a caminho de Los Angeles, de momento a deixar o sobrevoo da vertical ocidental da Islândia, na direcção da Gronelândia, já almoçado de acordo com a zona horária à saída de Frankfurt, e retirado o tabuleiro da refeição com os restos, vai para três horas e meia de viagem, indo para as duas da tarde no aeroporto de saída, enquanto o parceiro do lado vai vendo um filme no seu computador, e antes que apaguem as luzes da cabina, para todos, mesmo todos, meninas e meninos, sobretudo meninos, bem comportados, dormirmos, como na creche, até nos acordarem para a merenda antes da chegada, eu, curioso para saber se ainda apanharemos lá para o meio da Gronelândia, antes de passarmos à travessia do Canadá, se apanharemos, os que vamos a bordo, claro, a escuridão do resto da noite e o amanhecer do lado da margem Oeste do Atlântico, cá para a latitude do Árctico – os ecrãs suspensos do tecto da cabina permitem seguir mais ou menos esta imaginada perseguição, ao mostrarem a deslocação da mancha da noite através do globo terrestre –, chegou então a oportunidade – e já estou algo atrasado na cadência de produção – para a escrita do texto presente.
O seu tema, é certo, ainda não é retirado do que se está a passar na reunião mundial, «a reunião anual» do ICANN(1) (icann) de 2007, onde vou participar, e que, para ser menos inacessível, se realiza desta vez num hotel situado ainda no perímetro do aeroporto internacional de uma Los Angeles na berra dos média devido aos fogos que têm grassado na Califórnia. E não é assunto retirado daí até porque nem sequer ainda lá cheguei, quanto mais ter já assunto para sobre ela escrever!

A problemática da Ciência

É antes uma curta nota que pretende não deixar passar sem comentário uma questão que, há umas duas ou três semanas, me vem a ocupar o espírito. Com efeito, ocorreu o estímulo no decorrer de uma interessante entrevista no Jornal da Noite da RTP 2 – não me recordo se aquele «telejornal» se chama assim – ao Professor João Caraça, ex-Director do Instituto Gulbenkian de Ciência, acerca da problemática da Ciência, cá e internacionalmente. A páginas tantas, aquele referiu – ou pelo menos levou a que essa ideia ficasse afirmada, sem mais – que a Ciência, tal qual a conhecemos saída da Revolução Científica Ocidental, é uma Ciência da qual a Matemática é, por definição, parte constitutiva da matriz básica – talvez querendo-se com isto dizer que sem Matemática não há Ciência, ou seja acrescento a esta absoluta afirmação –, não há ciências do tipo como as entendemos modernamente. E se bem que deva reconhecer-se o indispensável papel da Matemática para a construção e avanço da Ciência (ou ciências), um papel mesmo historicamente determinante, desde logo no século XVII, veja-se o caso de Galileu ou de Newton, para além da Matemática ser por si uma ciência básica do sistema das ciências, parece-nos erróneo trazer à colação uma ideia como «sem Matemática, uma ciência não pode ser considerada como tal» – até porque esta é um absolutismo que anda por aí e que deve ser combatido. Então, por exemplo, o estudo das células dos seres vivos, dos seus mecanismos não pode em quase todo o tempo dispensar a Matemática? E quem refere este tema específico, poderia também avançar com boa parte do trabalho científico na área da Biologia – e não é esta uma ciência «rainha» na actualidade? E quem diz a Biologia, pode também dizer uma parte do trabalho científico nas ciências humanas e sociais – mas não queria para já ir por aí porque muitos, pelo menos de forma calada, ainda hoje considerarão que isto não são ciências, mas sim tretas.
É verdade que a Matemática, e em particular as Probabilidades e a Estatística, têm um papel importantíssimo também para estas ciências, quando se ocupam das características de populações, quando efectuam estudos epidemiológicos, etc.. Mas o que eu queria pôr à discussão é esta questão de a Matemática ter de fazer parte enquanto critério último de avaliação de cientificidade do conhecimento. Se não serão antes outros os critérios a empregar, como o teor explicativo e não apenas descritivo, ou a possibilidade de falsificação das «verdades». Etc..
Afinal, a perseguição da escuridão da noite, mesmo a poucas semanas do solstício de Inverno no Hemisfério Norte, para a alcançarmos antes do amanhecer, como era de prever, resultou inglória – e vamos chegar a uma Los Angeles cheia da luz solar, outonal, do princípio da tarde…

(1) ICANN - Internet Corporation for the Assigned Numbers and Names


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