Uma ponta do icebergue...
O deplorável acordo sobre a transferência de dados dos passageiros das companhias aéreas para o Departamento da Segurança Interna dos EUA (DHS), concluído pela presidência alemã e recentemente assinado pela presidência portuguesa em nome da UE – constitui uma séria ameaça aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Assegurando a continuidade dos acordos firmados em 2004 e 2006, o objectivo do actual acordo é colocar à «disposição» do DHS as informações contidas nos registos de passageiros de transportes aéreos (PNR) provenientes de países da UE, estabelecendo as regras (para alguns, «os requisitos técnicos») para a transferência destes dados.
Entre outros gravosos aspectos, o conteúdo do acordo prevê que o DHS recolha, trate e utilize mais de 30 itens de dados pessoais (incluindo a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, a saúde e a vida sexual dos cidadãos), podendo armazená-los durante quinze anos, não existindo sequer qualquer garantia quanto à sua supressão definitiva. Não é garantido o pleno acesso por parte de um cidadão à informação sobre si armazenada, nem os mecanismos judiciais que garantam a defesa do uso «incorrecto» dos seus dados. Assim como não é estabelecido qualquer limite quanto ao que as autoridades dos EUA poderão fazer com tais dados pessoais, podendo estes ser disponibilizados a diferentes organismos (como a CIA ou o FBI) e mesmo a países terceiros, sem que para tal seja sequer exigido um procedimento judicial ou a «intervenção» da UE.
Trata-se de um acordo inaceitável, que «apresenta graves lacunas em termos de segurança jurídica, de protecção dos dados e de possibilidades de recurso para os cidadãos» dos diferentes países da UE, «nomeadamente devido às definições vagas e imprecisas que contém e às numerosas excepções nele previstas»(1). Um acordo que, refugiando-se no limbo da ambiguidade jurídica, não se baseia em garantias vinculativas que salvaguardem os direitos dos cidadãos, podendo as «intenções» expressas pelo DHS serem, a qualquer momento, modificadas de forma unilateral por este, segundo a legislação norte-americana.
Não estamos perante uma medida isolada, bem pelo contrário. Trata-se de um acordo que se enquadra na actual política securitária promovida e realizada ao nível da UE que, usando a autêntica cortina de fumo que é a denominada «luta contra o terrorismo», agride, flagrantemente, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Entusiasmada com tal resultado, a Comissão Europeia, presidida por Durão Barroso, pretende concretizar novos «passos», anunciando a apresentação de um novo pacote de propostas de medidas securitárias, durante Outubro. Entre outras, tal pacote incluirá a proposta de criação de um «sistema PNR» ao nível da UE (ou de alguns estados-membros), que se acrescentaria aos já criados «Sistema de Informação Shengen (SIS)», «Sistema de Informação sobre Vistos (VIS)» e «sistema API» (sistema já previsto ao nível da UE para a partilha de informações sobre passageiros de transportes aéreos). Tal «sistema PNR» da UE incluiria uma disposição segundo a qual todos os dados nele integrados poderiam ser colocados à «disposição» do DHS.
Dois apontamentos...
Através deste exemplo, entre tantos outros, poderemos entender e tomar consciência do que representaria a transferência de soberania dos Estados para a UE - através da aprovação e ratificação do dito «tratado reformador» -, numa área tão fundamental como a definição, consagração e salvaguarda dos direitos, liberdade e garantias dos seus cidadãos. Tal significaria a facilitação, ao nível do processo de decisão da UE (por exemplo, com o fim da regra da unanimidade e a subtracção desta competência aos parlamentos nacionais), da concretização de perigosos e inaceitáveis «avanços» da política securitária, de criação se sistemas de informação e de controlo dos cidadãos, centralizados ao nível supranacional.
O conteúdo deste acordo entre a UE e os EUA é igualmente esclarecedor quanto ao real significado do muito propalado (e, por alguns, ansiado) «papel da UE no Mundo». Nele se vincula a ideia de que a partilha de informação é uma componente essencial da parceria entre a UE e os EUA, sublinhando-se a visão muito pragmática de que as diferenças na aplicação dos partilhados princípios não deverão representar um obstáculo a esta cooperação. Aliás, realça-se que o acordo representa um reforço e um encorajamento à cooperação entre as «partes» no «espírito da parceria transatlântica». Que o mundo se cuide...
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(1) In Resolução do Parlamento Europeu, de 12 de Julho de 2007
Assegurando a continuidade dos acordos firmados em 2004 e 2006, o objectivo do actual acordo é colocar à «disposição» do DHS as informações contidas nos registos de passageiros de transportes aéreos (PNR) provenientes de países da UE, estabelecendo as regras (para alguns, «os requisitos técnicos») para a transferência destes dados.
Entre outros gravosos aspectos, o conteúdo do acordo prevê que o DHS recolha, trate e utilize mais de 30 itens de dados pessoais (incluindo a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, a saúde e a vida sexual dos cidadãos), podendo armazená-los durante quinze anos, não existindo sequer qualquer garantia quanto à sua supressão definitiva. Não é garantido o pleno acesso por parte de um cidadão à informação sobre si armazenada, nem os mecanismos judiciais que garantam a defesa do uso «incorrecto» dos seus dados. Assim como não é estabelecido qualquer limite quanto ao que as autoridades dos EUA poderão fazer com tais dados pessoais, podendo estes ser disponibilizados a diferentes organismos (como a CIA ou o FBI) e mesmo a países terceiros, sem que para tal seja sequer exigido um procedimento judicial ou a «intervenção» da UE.
Trata-se de um acordo inaceitável, que «apresenta graves lacunas em termos de segurança jurídica, de protecção dos dados e de possibilidades de recurso para os cidadãos» dos diferentes países da UE, «nomeadamente devido às definições vagas e imprecisas que contém e às numerosas excepções nele previstas»(1). Um acordo que, refugiando-se no limbo da ambiguidade jurídica, não se baseia em garantias vinculativas que salvaguardem os direitos dos cidadãos, podendo as «intenções» expressas pelo DHS serem, a qualquer momento, modificadas de forma unilateral por este, segundo a legislação norte-americana.
Não estamos perante uma medida isolada, bem pelo contrário. Trata-se de um acordo que se enquadra na actual política securitária promovida e realizada ao nível da UE que, usando a autêntica cortina de fumo que é a denominada «luta contra o terrorismo», agride, flagrantemente, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Entusiasmada com tal resultado, a Comissão Europeia, presidida por Durão Barroso, pretende concretizar novos «passos», anunciando a apresentação de um novo pacote de propostas de medidas securitárias, durante Outubro. Entre outras, tal pacote incluirá a proposta de criação de um «sistema PNR» ao nível da UE (ou de alguns estados-membros), que se acrescentaria aos já criados «Sistema de Informação Shengen (SIS)», «Sistema de Informação sobre Vistos (VIS)» e «sistema API» (sistema já previsto ao nível da UE para a partilha de informações sobre passageiros de transportes aéreos). Tal «sistema PNR» da UE incluiria uma disposição segundo a qual todos os dados nele integrados poderiam ser colocados à «disposição» do DHS.
Dois apontamentos...
Através deste exemplo, entre tantos outros, poderemos entender e tomar consciência do que representaria a transferência de soberania dos Estados para a UE - através da aprovação e ratificação do dito «tratado reformador» -, numa área tão fundamental como a definição, consagração e salvaguarda dos direitos, liberdade e garantias dos seus cidadãos. Tal significaria a facilitação, ao nível do processo de decisão da UE (por exemplo, com o fim da regra da unanimidade e a subtracção desta competência aos parlamentos nacionais), da concretização de perigosos e inaceitáveis «avanços» da política securitária, de criação se sistemas de informação e de controlo dos cidadãos, centralizados ao nível supranacional.
O conteúdo deste acordo entre a UE e os EUA é igualmente esclarecedor quanto ao real significado do muito propalado (e, por alguns, ansiado) «papel da UE no Mundo». Nele se vincula a ideia de que a partilha de informação é uma componente essencial da parceria entre a UE e os EUA, sublinhando-se a visão muito pragmática de que as diferenças na aplicação dos partilhados princípios não deverão representar um obstáculo a esta cooperação. Aliás, realça-se que o acordo representa um reforço e um encorajamento à cooperação entre as «partes» no «espírito da parceria transatlântica». Que o mundo se cuide...
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(1) In Resolução do Parlamento Europeu, de 12 de Julho de 2007