Talvez publicidade

Correia da Fonseca
A disputa, ou lá o que foi aquilo, entre Jardim Gonçalves e Teixeira Pinto teve abundante atenção por parte das três estações portuguesas de televisão. Chegou mesmo a acontecer um «debate especial» em prime time largamente anunciado desde a manhã do dia em que ocorreu. Como bem se sabe, acontecera coisa semelhante em matéria de cuidados televisivos com a OPA lançada pela Sonae sobre a PT, que por sinal deu em nada, a menos que tenha dado na astronómica multa lançada pela entidade reguladora sobre a Portugal Telecom. Como a tal entidade reguladora ou quem está à frente dela mostrara alguma simpatia pela defunta OPA, logo terá havido quem tenha pensado numa espécie de desforrazinha, mas com esses misteriozinhos pouco ou nada tem a ver a arraia miúda, tal como não são contas do seu rosário, passe a expressão tocada de religiosidade, os combates entre Pintos e Gonçalves, Azevedos e Granadeiros. Ora, sendo assim, é cousa de muito maravilhar que as diversas operadoras lusitanas de TV invistam tanto tempo de antena em assuntos que dificilmente podem interessar à esmagadora massa dos seus espectadores. Quando se trata de zaragatas entre dirigentes de clubes de futebol ainda se percebe a cobertura televisiva que lhes é dada, pois é óbvio que são mais numerosos os sócios do Benfica ou do Porto que os accionistas do BCP. Quando muito poderá dizer-se que dar relevo a tais zangas é deseducativo; mas quanto a isso bem se sabe que pouco se ralam os que comandam as diversas estações, sobretudo se se tratar das privadas, das quais bem se pode dizer com escassa margem de erro que a deseducação do povo faz parte do seu negócio. Mas quando as guerras se travam entre grandalhões da banca ou do empresariado em geral, a perplexidade é outra e maior. Porque transmitir em intenção de relativamente escassas minorias não faz nada o género da gestão de operadoras televisivas em Portugal e não só.

A Bolsa e o resto

Fenómeno igualmente estranho e muito aparentado com este é a quase obsessiva frequência com que a TV portuguesa, globalmente considerada, nos impinge notícias do mercado bolsista e seus arredores, português ou estrangeiro. Aquelas informações são para quem, isto é, que percentagem de telespectadores poderá estar interessada nelas? O elementar conhecimento das coisas e o mero bom-senso ensinam-nos que será uma percentagem baixa, tanto e de tal modo que talvez nem mereça a designação de «nicho de mercado», pois isso de jogar na Bolsa ou, se quisermos dizê-lo de outro modo, de investir nela, não é hábito de largos segmentos desta população pobretana. Não obstante, RTP, SIC e TVI aplicam-se incansavelmente em dizer-nos como sobem ou como descem as cotações em Lisboa e noutras praças, sendo que as flutuações no caso da Bolsa de Lisboa chegam a ter um toque um poucochinho ridículo, pois isto aqui não é como Nova Iorque e Tóquio, tudo se jogando no comportamento de três ou quatro empresas, quando muito, e sendo o resto uma espécie de moldura insignificante. Por tudo isto, e porventura ainda por mais razões que aqui não cabem, fica a gente sem perceber por que diabo, salvo seja, as estações de TV persistem em dar-nos conta do que vai acontecendo nas Bolsas como se se tratasse dos resultados da bola, perdoe-se-me a insistência no confronto. Fica a gente sem perceber, salvo se começar a suspeitar de que se está perante um caso particular de promoção publicitária não-assumida como tal, isto é, clandestina. Expliquemo-nos. Como se sabe, há uma regra que ensina só existir socialmente ou, dizendo-o de outro modo, na cabecinha da generalidade das pessoas, aquilo que «passa» na televisão, o que implica uma espécie de complemento: o que «passa» na TV, e passa insistentemente, existe e é importante. Nesta linha, a insistência de notícias sobre a Bolsa ou sobre os conflitos entre gente muito crescida na área dos negócios e das negociatas confere-lhes uma existência mediática muito acima da efectiva: surgem como o sal da terra, quase o significado da vida. E implicam uma ténue sugestão: todo o resto lhes é subalterno. O resto são, entre nós, os dez milhões de portugueses mais os que labutam lá fora. O resto é o mundo e a vida. Que não têm cotação nas Bolsas.


Mais artigos de: Argumentos

África minha...

A sede do lucro imediato e do poder do capitalismo talhou, primeiro, os impérios neocoloniais. Depois, virou-se para a América Latina, afogou em sangue os seus povos e instalou ditaduras militares. Invadiu o Vietname e a Coreia, chacinou no Líbano, retalhou o Iraque, destruiu o Afeganistão, tomou o poder no Paquistão,...