Preces: que eficácia terapêutica?
Tenho hesitado bastante em escrever sobre este tema. Como diz Richard Dawkins no seu livro sobre Deus(1): se, em geral, é admitido raciocinar e efectuar análises críticas sobre toda a sorte de temas, divulgando, publicando, os resultados do pensar – eu sei, que se disser respeito ao actual Governo português, e em particular ao seu chefe, tal só é aconselhável portas adentro, nas nossas casas, como um membro do mesmo Governo se encarregou de comunicar à plebe do nosso País –, essa genérica admissão de liberdade de expressão já não se põe em termos similares quando se trata de matérias religiosas. E isto seja qual for a religião. Com efeito, diz-se – e o escriba destas linhas tem cumprido sempre esse princípio, por vezes porventura demasiado cegamente –, diz-se que a crença religiosa, sendo uma convicção íntima, deve ser, sem mais, sem dúvidas, respeitada, evitando-se, de qualquer forma, ofender a pessoa crente. Mas desta vez eu vou respeitosamente arriscar… porque preciso de dar conta do que a seguir vou escrever.
Refiro-me a um estudo cujos resultados foram publicados no American Heart Journal em 2006 – um estudo respeitante aos efeitos terapêuticos de orações pedindo a intercessão de Deus(2). Este estudo custou 2,4 milhões de dólares e teve como patrocinador principal a «John Templeton Foundation» que apoia a investigação na área de interface religião / ciência. Um estudo que chegou ser referido no New York Times como «a investigação mais intensa alguma vez levada a cabo sobre se a oração pode ajudar à cura da doença».
A amostra foi constituída por 1800 pacientes sujeitos à cirurgia de implantação de bypass na artéria coronária em seis centros médicos de diferentes zonas do conjunto dos EUA.
Efeito contrário
Os resultados do estudo não mostraram que os pacientes apoiados por preces realizadas por pessoas deles distantes, em sua intenção, obtivessem melhores resultados com a cirurgia do que os pacientes sem apoio de preces. Mais, de entre os pacientes que tiveram conhecimento de que estavam a pedir por eles, 59% desenvolveram complicações pós-operatórias, enquanto tal aconteceu apenas a 52% dos que foram informados que apenas havia a possibilidade de estarem a orarem por eles. Um resultado estatisticamente relevante. Os autores do estudo concluíram, então, que «a oração de intercessão não teve efeito na recuperação sem complicações da cirurgia de implantação de bypass na artéria coronária, contudo, a certeza de estarem a orar por eles estava associada a uma maior incidência de complicações». (3)
Como não podia deixar de ser, logo dos dois quadrantes opostos não se fizeram esperar as reacções de sinal contrário quanto à eficácia das preces na cura – desde argumentos de que o estudo estava errado até aos que proclamam que não se deve deixar que rezem por nós em caso de doença!
Mas eu fiquei a matutar…
Ora, aqui há não muito tempo, um clérigo amigo meu de várias décadas e com que eu desde adolescente não voltara a conviver, e por quem eu desde sempre nutri a melhor das opiniões sob os mais diversos aspectos, incluindo a posse de uma lúcida razão, para além de que sempre foi uma pessoa que no tempo do fascismo nunca se encolheu quando teve de tomar atitudes, esse clérigo, de certeza desconhecendo – estou convencido – este tipo de resultados de estudos que acabei de citar, referia, num círculo de amigos, que ser crente teria pelo menos a vantagem estatística de se encontrar num grupo de elevada longevidade. Argumentava ele, em termos do que soubera, que a esperança na vida eterna era um factor de molde a diminuir a angústia e, portanto, a controlar um dos factores de risco maiores relativamente à doença, como é o stress. Parecia um argumento lógico, «científico». No geral, as pessoas presentes nessa reunião de amigos assim pareceram ter pensado.
Perante os resultados do estudo acima referido, parece poder deduzir-se que a esperança, e o correspondente abaixamento dos níveis de angústia e de stress, tiveram antes um efeito contrário em termos de complicações pós-operatórias no caso da implantação de bypasses nas artérias coronárias…
_________
(1) Richar Dawkins (2006) - «God Delusion».
(2) Benson, Herbert, Dusek, J.A., Sherwood, J.B., et al (2006) – «The Study of Therapeutic Effects of Intercessory Prayer (STEP) in cardiac bypass patients: a multicenter randomized trial of uncertainty and certainty of receiving intercessory prayer», Am. Heart Journal 151: 934-42.
(3) Gerald Weissman (2007) – «Galileo’s Gout – Science In An Age Of Endarkenment», pg.162.
Refiro-me a um estudo cujos resultados foram publicados no American Heart Journal em 2006 – um estudo respeitante aos efeitos terapêuticos de orações pedindo a intercessão de Deus(2). Este estudo custou 2,4 milhões de dólares e teve como patrocinador principal a «John Templeton Foundation» que apoia a investigação na área de interface religião / ciência. Um estudo que chegou ser referido no New York Times como «a investigação mais intensa alguma vez levada a cabo sobre se a oração pode ajudar à cura da doença».
A amostra foi constituída por 1800 pacientes sujeitos à cirurgia de implantação de bypass na artéria coronária em seis centros médicos de diferentes zonas do conjunto dos EUA.
Efeito contrário
Os resultados do estudo não mostraram que os pacientes apoiados por preces realizadas por pessoas deles distantes, em sua intenção, obtivessem melhores resultados com a cirurgia do que os pacientes sem apoio de preces. Mais, de entre os pacientes que tiveram conhecimento de que estavam a pedir por eles, 59% desenvolveram complicações pós-operatórias, enquanto tal aconteceu apenas a 52% dos que foram informados que apenas havia a possibilidade de estarem a orarem por eles. Um resultado estatisticamente relevante. Os autores do estudo concluíram, então, que «a oração de intercessão não teve efeito na recuperação sem complicações da cirurgia de implantação de bypass na artéria coronária, contudo, a certeza de estarem a orar por eles estava associada a uma maior incidência de complicações». (3)
Como não podia deixar de ser, logo dos dois quadrantes opostos não se fizeram esperar as reacções de sinal contrário quanto à eficácia das preces na cura – desde argumentos de que o estudo estava errado até aos que proclamam que não se deve deixar que rezem por nós em caso de doença!
Mas eu fiquei a matutar…
Ora, aqui há não muito tempo, um clérigo amigo meu de várias décadas e com que eu desde adolescente não voltara a conviver, e por quem eu desde sempre nutri a melhor das opiniões sob os mais diversos aspectos, incluindo a posse de uma lúcida razão, para além de que sempre foi uma pessoa que no tempo do fascismo nunca se encolheu quando teve de tomar atitudes, esse clérigo, de certeza desconhecendo – estou convencido – este tipo de resultados de estudos que acabei de citar, referia, num círculo de amigos, que ser crente teria pelo menos a vantagem estatística de se encontrar num grupo de elevada longevidade. Argumentava ele, em termos do que soubera, que a esperança na vida eterna era um factor de molde a diminuir a angústia e, portanto, a controlar um dos factores de risco maiores relativamente à doença, como é o stress. Parecia um argumento lógico, «científico». No geral, as pessoas presentes nessa reunião de amigos assim pareceram ter pensado.
Perante os resultados do estudo acima referido, parece poder deduzir-se que a esperança, e o correspondente abaixamento dos níveis de angústia e de stress, tiveram antes um efeito contrário em termos de complicações pós-operatórias no caso da implantação de bypasses nas artérias coronárias…
_________
(1) Richar Dawkins (2006) - «God Delusion».
(2) Benson, Herbert, Dusek, J.A., Sherwood, J.B., et al (2006) – «The Study of Therapeutic Effects of Intercessory Prayer (STEP) in cardiac bypass patients: a multicenter randomized trial of uncertainty and certainty of receiving intercessory prayer», Am. Heart Journal 151: 934-42.
(3) Gerald Weissman (2007) – «Galileo’s Gout – Science In An Age Of Endarkenment», pg.162.