Fátima e o Provedor

Correia da Fonseca
O dr. Paquete de Oliveira, provedor dos telespectadores da RTP, entende que o PCP teve razão ao protestar pela forma como foi excluído da penúltima emissão do «Prós e Contras» e que os convites para participação deviam ter sido feitos segundo outro critério. Melhor dizendo: não apenas o senhor provedor tem este entendimento como também o tornou público, o que me parece ter sido um acto de coragem. Na verdade, sabe-se que é hoje politicamente incorrecto, e que o é com elevado grau de perigosidade, dar razão ao Partido Comunista Português. Sabe-se também que essa perigosidade se acentua quando a matéria em causa tem a ver com os media em geral e com a TV em especial, pois está em curso, embora ainda não na plena velocidade de cruzeiro que muitos desejam e esperam, uma operação que visa eliminar o PCP como presença no fluxo informativo que a RTP todos os dias fornece aos cidadãos a troco, já se vê, da taxazinha incorporada no custo dos consumos de energia eléctrica. Saliente-se, contudo, que essa pretendida eliminação admite excepções: são admitidas e até porventura estimuladas referências ao PCP se com maior ou menor clareza visarem desacreditá-lo, falsificar o sentido dos seus actos ou objectivos, evocar uma vez mais o irreversível óbito do comunismo no Leste europeu e no mundo em geral, reeditar calúnias antigas ou recém-inventadas. Nestes casos ou noutros análogos, as alusões são permitidas, uma vez que se considera serem peças integradas na defesa da Civilização Atlântica, da Globalização Neoliberal e do sacratíssimo El-Rei Mercado. Ainda assim, porém, tais referências devem ser feitas com peso, conta e medida; pois acontece que falar muito de defuntos pode resultar que eles regressem da cova onde supostamente foram sepultados e comecem a querer passear pela cabeça das pessoas. Reza um antigo e inesquecido texto que há mais de século e meio ele, o comunismo, percorria a Europa feito fantasma. Que as excessivas referências o tornem não já um fantasma mas uma reconhecida realidade é um risco a não correr. Pelo que o melhor é não convidar nenhum comunista para um programa relevante da Estação pública de TV, e melhor ainda é reforçar esse boicote com uma suposta razão que seja uma espécie de pedrada suja. Por exemplo: dizer-se que só se convidam pensadores. Com as dimensões mínimas do dr. Paulo Rangel, presume-se. O que, espera-se, fará a totalidade dos comunistas empalidecer de inveja.

Depois da audácia

Foi este caminho, como se sabe, o escolhido pela jornalista Fátima Correia Campos: espertíssima, ter-se-á decerto apercebido de que com a exclusão de qualquer presença da área do PCP assegurava tranquilidade à emissão do seu «Prós e Contras» e dava mais uma prova pública de fidelidade aos altos critérios que norteiam a sua actuação no programa. Não foi uma grande surpresa, confesse-se: ao longo de todo o tempo que a sua apresentação do «Prós e Contras» já tem, Fátima deu sinais que podem ser lidos como de «activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas» como, se bem me lembro, rezava o velho decreto. Eis, porém, que surgiu o dr. Paquete de Oliveira a dizer, embora por palavras mais discretas que estas, que Fátima Campos Ferreira fez porcaria, isto é, disparate. De facto, que não cumpriu uma das fundamentais regras éticas da informação seriazinha. Do dr. Paquete de Oliveira, de tom sempre medido, não esperaria tamanha audácia a generalidade dos telespectadores, não a esperariam nem a jornalista nem a RTP. Porém, ela aí está, a audácia, acontecendo que o dr. Paquete de Oliveira não é um sujeito qualquer: é o provedor dos telespectadores da RTP pela graça de Deus e pela vontade da administração da própria RTP. Pelo que, aparentemente, é forçoso fazer qualquer coisa. Numa escala mais ampla, rever os critérios de exclusão do PCP, cumprindo assim os deveres de efectivo pluralismo que cabem à estação e, de caminho, retirando razão às palavras do dr. Augusto Santos Silva quando, ainda ele não tinha a tutela da RTP, reconheceu perante as câmaras que o PCP tem na TV uma presença menor. Numa escala mais pequenina, remover Fátima Campos Ferreira para programa onde as suas pessoais opções político-ideológicas não sejam pressentíveis (talvez as televendas, tantas vezes evocadas por José Carlos Malato como lugar certo para apresentador inadequado) ou substituir o «Prós e Contras» por um outro programa semelhante, sim, mas pluralista e isento. E, já agora, dependente da Direcção da Informação da RTP. Só por uma questão de rigor organizativo.


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