O estilo e a luta

Jorge Cordeiro
No assinalar do seu primeiro ano de mandato na Presidência da República, Cavaco Silva deu a conhecer a sua intenção de vir a escrever um «livro de estilo» daquilo que será o seu entendimento sobre qual deve ser a actuação de um Presidente. Registe-se, por um lado, o anúncio e assinale-se o despacho de quem em tão curto espaço de tempo está capaz de tal contribuição. Mas registe-se, por outro, que a ambição do autor parece ser a de, extravasando os limites do exercício presidencial, discorrer sobre algo que se aproxime de um «livro de estilo» para o exercício da política em Portugal. A expectativa sai assim ampliada tanto mais quanto a dúvida que a justifica e anima – a de saber se no estilo aconselhado predominará o registo soft da actual cooperação estratégica ou o modelo autoritário e autista da sua experiência governativa de uma década – só com a saída do prelo e a chegada às livrarias será dissipada.
Entretanto registe-se a indisfarçável sintonia entre Presidente e Governo na promoção das linhas gerais da acentuação da política de direita em curso. Se dúvidas restassem sobre esta comunhão de projectos – oportunamente baptizada de «cooperação estratégica» – bastaria observar a agora concluída visita ao Luxemburgo com que Cavaco Silva quis assinalar o seu primeiro ano de mandato. Confrontado com a justa e crescente indignação dos emigrantes face ao anunciado encerramento dos consulados, e na eminência de um vigoroso protesto já agendado para Paris contra os projectos do Governo, Cavaco encarregou-se de assumir um papel destinado a desmobilizar a luta, sob o pretexto de que o governo lhe garantiu que os encerramentos estão apenas, e só, em fase de estudo e sugerindo, em alternativa aos protestos, o diálogo.
Daí que cada vez se compreenda com mais nitidez o sentido e conteúdo fundamentais da chamada cooperação estratégica, o enlevo recíproco entre Sócrates e Cavaco, o estímulo e apoio deste a todas e a cada uma das medidas que aquele vai tomando no sentido da eliminação de direitos, na destruição de conquistas sociais e no favorecimento dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros. Ou, formulando de modo diverso e recorrendo às palavras do Presidente: com a «estabilidade» imposta por uma maioria absoluta e com a garantia total da sua cooperação “não há desculpa para adiar o que tem de ser feito”. Talvez se engane. Pela simples razão de que a luta crescente dos que resistem e se opõem à actual ofensiva acabará por se impor e não deixar fazer o que alguns, por mais livros que escrevam, julgam inevitável.


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