Logro boçal

Francisco Silva
Domingo, 4 de Março de 2006, o Público titulava a toda a largura da sua nova fatiota da primeira página - que são as páginas que costumo ler nos escaparates - que um «um terço» bloqueara a OPA (Oferta Pública de Aquisição) que a empresa possuidora do Público, a Sonaecom, tinha lançado uns treze meses antes sobre o Grupo Portugal Telecom. Mais, pobrinhos - como diriam os galegos, contra quem nada tenho, antes pelo contrário tenho, felizmente, bem queridos amigos entre as pessoas de este Povo, e por isso com eles aprendi a dizer «pobrinhos» -, os da Sonaecom mais os outros apoiantes - supporters -, pobrinhos, ia dizendo, que teriam tido de sofrer, ainda, a tenebrosa cumplicidade do nosso poderoso Governo que contra eles se teria colocado. Na mesma primeira página do mencionado órgão de comunicação social de referência constava uma fotografia da impressionante manifestação de protesto dos trabalhadores contra o Governo que uma imensa multidão de umas 150 000 pessoas tinha realizado à mesma hora do mesmo dia em que aconteceu a Assembleia Geral (AG) de accionistas da PT que rejeitou a desblindagem dos estatutos daquela empresa.
Mas já lá vamos à (des-)blindagem e à OPA, mais ao chamado «terço de bloqueio». Antes queria registar a estranheza pelo positivo facto informativo de uma chamada da manifestação convocada pela CGTP à primeira página do Público. Nem me lembro de quando terá sido a última vez que tal aconteceu - acaso estarei a exagerar com este meu espanto? Bom, de qualquer forma, estou de acordo que, em termos noticiosos ideais, a escolha daquelas duas notícias - a da manifestação e a da morte da OPA «da Sonaecom» à PT - tivesse ocupado a primeira página, só que, e ainda em termos da minha humilde opinião, claro, a ordem deveria ter sido trocada, com a referência à manifestação no topo e à OPA na metade de baixo. Contudo, a chamada da manifestação à primeira página, e a forma como toda essa primeira página do Público foi concebida convidam à reflexão. Será que o jornal queria vingar-se do Governo, segundo ele um cúmplice dos accionistas da PT no assassinato da OPA? Ou será que o jornal foi movido para noticiar que os trabalhadores tinham estado contra esta OPA e disso correctamente informar os seus leitores? Seria isto - a oposição à OPA - uma manobra de «comunas» que enlearam a clarividência do Governo e dos accionistas, uma importante percentagem deles sedeados a milhares de quilómetros de Portugal como é o caso de fundos de investimento dos EUA ou da operadora mexicana TELMEX? Vá-se lá saber que mensagem ou conjunto de subliminares mensagens nos quiseram passar - aos leitores - os responsáveis daquele jornal, com a notícia da manifestação naquela posição…
Quanto ao «rigor» do título do Público - não li o texto do corpo do artigo, a simples passagem dos olhos pelo escaparate não o permite fazer -, o tal «um terço» de accionistas que teria bloqueado a desblindagem dos estatutos da PT - que raio de palavras são utilizadas neste jargão! -, os tais 33%, afinal tal como, por exemplo, nos diz o mais que insuspeitíssimo Jornal de Negócios (JN), não foram mais que 31,4% do capital total da PT. Com efeito, 32,5% dos accionistas não responderam à chamada - afinal não é só nas eleições da Política que há ausentes -, não obstante os seus interesses em termos de «cacau». No entanto, deve ser referido que nem todos os accionistas podem votar. Aliás muitos dos accionistas, nos quais se incluem milhares de trabalhadores do Grupo PT, não têm o número de acções necessárias para participar e votar - neste caso um capital de cerca de mil contos - nas respectivas AGs. Pois é esta a natureza do chamado capitalismo popular! Ao menos na política já chegámos à situação de um cidadão, um voto.
De facto, e se fizermos as contas à maneira dos referendos, isto é, excluindo as abstenções no capital representado na AG (que constituíram, estas, 9,5% das acções representadas na AG), verifica-se que os votos a favor da desblindagem nem maioria obtiveram, quanto mais os dois terços requeridos pelos estatutos. Pelo seu lado, a desblindagem foi recusada por cerca de 52%. Ou seja foi aprovada por 48% do capital representado, o que corresponde apenas a 29,6% do total das acções da PT - pois, isso mesmo, 29,6%, se quisermos ir pela via informativa malabarista seguida pelo Público para os escaparates.
(Assim é, o escrevente destas linhas, impacientíssimo com os sistemáticos ludíbrios inculcados nos leitores através dos mass media, não conseguiu evitar mais este urro de protesto.)


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