Uma consequência
do modelo de desenvolvimento económico

As assimetrias no emprego e nas regiões

Anselmo Dias
As consequências das políticas (no seu conceito amplo) impostas ao País nos últimos 30 anos, designadamente após a integração, em 1986, por razões ideológicas, (leia-se: anticomunista) naquilo que se designa por União Europeia, essas consequências, dizíamos nós, são múltiplas e complexas.
Para onde quer que nos viremos basta um pequeno olhar para se detectar que o rotativismo exercido pelo Bloco Central de interesses está, dramaticamente, a afectar o futuro do País por via de um processo visando uma miríade de objectivos, todos eles apostados na existência de um Estado, simultaneamente omisso, residual, vocacionado para um restrito conjunto de missões, numericamente inferiores ao número de dedos de uma só mão (no que concerne aos serviços prestados à maioria da população), mas assumidamente omnipresente na defesa dos grandes interesses económicos.
O processo histórico em curso (este termo não é excessivo) atinge praticamente todas as vertentes da nossa vivência tendo como ponto de partida, desde Mário Soares e Cavaco Silva, a questão da titularidade dos principais meios de produção e acabando, nos dias que correm, nas mais ínfimas e modestas funções sociais do Estado o qual, sucessivamente fatiado, regredirá, mais cedo que tarde, ao simples estatuto de Nação, caso o povo português venha a consentir tal recuo civilizacional.
Este processo histórico de minimização do Estado e de maximização do funcionamento exclusivo das leis de mercado determina, pela natureza do sistema (capitalismo puro e duro) e pela natureza do regime (instituições públicas subordinadas ao poder económico), um vastíssimo conjunto de consequências das quais, desejamos, por agora, abordar apenas uma: as assimetrias (no emprego e nas regiões).

Trabalhadores por conta de outrem
no sector privado da economia


A estatística, com base nos Quadros de Pessoal, reportados a Outubro de 2003, diz-nos que existiam 2 846 451 trabalhadores por conta de outrem, (TPCO) (1) dispersos por 354 000 estabelecimentos, profundamente mal distribuídos, não só sectorial, como territorialmente. Esta distribuição não resulta de um processo natural, sedimentado numa lógica racional, mas, antes, resulta, isso sim, das opções dos detentores dos meios de produção que, ao investirem, fazem-no na exigência de um retorno rápido e vultuoso do capital investido.
É, pois, a lógica do lucro a determinar o que se investe, quando se investe e quanto se investe.
Tal comportamento devia estar subalternizado aos interesses do bem público pelo que cabia ao Estado, na sua acção, intervir no sentido da racionalização dos investimentos tendo em conta o todo nacional e a diversificação dos investimentos de forma a não criar a sua «guetização», como hoje acontece com o sector têxtil, predominantemente localizado nos distritos de Porto e Braga (79% dos TPCO do sector, no País), como acontece com o sector do vestuário, predominantemente localizado nos distritos do Porto e Baga, (75% dos TPCO do sector, no País), como acontece na indústria de calçado, predominantemente localizada nos distritos do Porto e Aveiro, (74% dos TPCO do sector, no País), como acontece no alojamento e restauração fortemente localizado no Algarve e Madeira, regiões onde abundam os baixos salários, elevadas assimetrias sociais e elevado nível de pobreza. Estamos perante um gravoso duplo efeito: por um lado, a existência de um «acantonamento» industrial bastante vulnerável a essa «coisa» que dá pelo nome de «globalização» que mais não passa do que uma criação do imperialismo em ordem a obrigar os países pobres a fabricarem produtos de baixo valor acrescentado, ao mesmo tempo que são obrigados a importar, dos países ricos, produtos de elevado valor acrescentado; por outro lado, a existência de baixos salários de que resultam modestos índices de poder de compra, dramaticamente exemplificados no distrito de Braga onde, nos seus 14 concelhos, não há um sequer que atinja a média nacional. Mercê do peso excessivo de sectores mal pagos resulta que, nos 24 concelhos do País com mais de 100 000 habitantes, Guimarães e Barcelos ocupem rigorosamente os últimos lugares em termos de índice de poder de compra, a par de Santa Maria da Feira.
Acresce a este «acantonamento» industrial e a esta «guetização» do investimento da mono actividade uma outra circunstância: o capital aplica o dinheiro, predominantemente, nos grandes centros populacionais, próximo dos portos marítimos, aeroportos e das restantes vias de comunicação que confinam com o litoral, fazendo com que o aumento populacional aqui verificado não resulte de uma evolução natural mas sim devido a fortes migrações internas, criando problemas, não só onde a densificação é já de si elevada, de que o IC19 é, apenas, um mero exemplo, mas também ao interior do país com a debandada geral de pessoas activas, num processo de desenraizamento, à procura de emprego.
É, pois, esta lógica que explica que 8 distritos (Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Setúbal, Leiria, Faro e Santarém) representem 81% dos trabalhadores do sector privado da economia, enquanto outros 8 distritos representam, apenas, 9%.
É um escândalo que 7 distritos que fazem fronteira terrestre com a Espanha (Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja), que no seu conjunto representam 51% do território nacional, alberguem, apenas, 7,5% dos trabalhadores atrás referidos.
E como se isto, por si só, já não fosse preocupante, mais preocupante se torna ao saber que entre 2002 e 2003 essa zona teve uma quebra de 1% no emprego, situação que se agravou nos últimos anos, mercê não só das deslocalizações mas, igualmente, das medidas tomadas pelo actual governo na redução das funções sociais do Estado.

As assimetrias no plano do emprego

Como consequência das erradas opções na política de investimentos, gerando a concentração da mono actividade numas regiões e a rarefacção noutras, é obvio que isso acarreta efeitos negativos no tecido produtivo, perfeitamente tipificado no facto de o sector do comércio a retalho e por grosso no distrito de Lisboa exceder todo o tecido produtivo nos 5 distritos do Alentejo e Trás-os-Montes.
A irracionalidade do modelo de desenvolvimento imposto ao nosso País vai, também, ao ponto de os serviços de limpeza industrial no distrito de Lisboa exceder o número de trabalhadores na agricultura, na indústria e nos serviços do distrito de Beja. A litoralização dos investimentos, designadamente a «betanização» e os serviços de reduzida qualificação técnica (limpeza industrial, segurança, comércio a retalho e alojamento e restauração), a par da desertificação do interior acarretam um preço elevadíssimo ao nosso país, penalizando quer os que vivem junto ao mar quer os que vivem no interior.
Para além dos conceitos atrás referidos, determinados pela lógica da «economia de mercado», designadamente as «assimetrias» e as «irracionalidades», há que acrescentar o conceito do «absurdo» consubstanciado na seguinte realidade: o número de trabalhadores ligados às empresas de segurança na cidade de Lisboa (repete-se: cidade de Lisboa) supera o número de trabalhadores agrícolas por conta de outrem que laboram nos 17 622 Km2, correspondentes aos distritos de Évora e Beja. Aqui, nestes distritos, há 0,6 operários agrícolas por Km2, mas em Lisboa há 124 trabalhadores dos serviços de segurança por Km2.

O déficit produtivo

Para se ter uma ideia das consequências do modelo de desenvolvimento que nos foi imposto (aproveitando como exemplo a recente quadra natalícia) basta referir que, em 2003, tivemos de importar brinquedos, para as nossas crianças, no valor de 200 milhões de euros, verba que é multiplicada por 10 vezes na área da agricultura, da produção animal e na silvicultura (qualquer coisa como cerca de dois mil milhões de euros). Se acrescentarmos a tal verba, já de si escandalosa, os três mil e setecentos milhões de euros em importações na área das indústrias alimentares e das bebidas, eis, em toda a sua plenitude, onde nos levaram os governos do PS e do PSD com a sua submissão às leis da «economia de mercado» e ao endeusamento a um modelo de desenvolvimento económico baseado no lucro e que, por isso mesmo, subalterniza quer a ocupação racional do território quer o desenvolvimento harmonioso da economia, tendo em conta a natureza do nosso consumo, a par das exigências impostas pelo vasto conjunto de direitos ligados à cidadania, nomeadamente o direito ao trabalho.
A este propósito bastaria que o governo analisasse, numa perspectiva patriótica, a natureza do nosso comércio externo, tomasse medidas na substituição das importações por produção própria e estimulasse o investimento nos sectores onde, conjugadamente, somos deficitários e onde dispomos de tecnologia suficiente, bastaria, pois, tudo isto para atenuar o nosso déficit comercial (mal chegamos a cobrir 2/3 daquilo que compramos lá fora) e, dessa forma, aumentar o emprego de onde resultariam mais impostos, mais contribuições para a segurança social e menos déficit orçamental. O nosso país, à revelia da lógica atrás referida, foi, ao invés, «formatado» a um modelo de desenvolvimento em que os quatro principais sectores, em termos de mão-de-obra no sector privado da economia, são exercidos na construção civil e obras públicas, no comércio a retalho, no comércio por grosso e no alojamento e restauração, onde, «legalmente» exercem a sua actividade cerca de 1 milhão de trabalhadores por conta de outrem. O que sobra em serviços mal pagos falta em indústrias com elevado valor acrescentado. Note-se que este tipo de actividades não só tem efeitos positivos nas relações de troca, (2) como, também, segundo investigadores científicos, gera por cada posto de trabalho criado na indústria a corresponde criação de dois a três empregos na área dos serviços.
Entretanto as nuvens negras que se abatem sobre a ocupação racional do território e sobre o trabalho qualificado e com direitos adensa-se. O modelo de desenvolvimento económico vigente não só não resolve nenhum destes problemas como, antes, os agrava. O País vai, cada vez mais, litoralizando-se, tercearizando-se e «guetizando-se». O encerramento de milhares de escolas, de serviços de saúde, de esquadras da PSP e da GNR, de tribunais, de estações de correios e de outros serviços públicos, tudo isto também contribuirá para uma acentuada desertificação do interior. Este êxodo populacional das regiões de Trás-os-Montes, Beira Interior e Alentejo a par da sobrevalorização dos investimentos em serviços mal pagos vai custar caro a todos nós, salvo, naturalmente, aos donos do dinheiro e respectivos mandarins.

(1) O número de trabalhadores por conta de outrem, incluindo a função pública e os estabelecimentos que não enviaram, ao Ministério, os Quadros de Pessoal era, em 30/6/2006, de 3 895 100.

(2) Para se poder comprar um avião «Airbus A380» temos de exportar cerca de 14 milhões de pares de sapatos.



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