Clamores em Valença
Parecem-me impressionantes as imagens que a TV trouxe da manifestação dos cidadãos de Valença contra o projectado encerramento do serviço de urgências básicas. Foi, já se sabe, mais uma ideia que se alojou na cabeça do senhor ministro da Saúde, e o argumento expresso ou implícito é sempre o mesmo nestes casos: manter uma urgência médica custa caro e o dinheiro é preciso para outras coisas. De um modo geral, mesmo sem excepções que eu conheça ou sequer imagine, as populações não gostam, como não gostaria o próprio senhor ministro se ele e a sua família vivessem em lugar e situação que os expusessem a um tal risco. Mas tudo se passa como se um dia mal aconselhado ou por iniciativa própria, o senhor ministro olhasse um mapa, medisse distâncias, considerasse que umas dezenas de quilómetros são pouca coisa que se galga num instante, e julgasse descobrir mais uma sábia medida que lhe permita poupar uns euros para o seu ministério. A contrapartida disso não lhe parece significativa, pelos vistos: o sofrimento físico e psicológico de um doente que faz quilómetros aos solavancos maiores ou menores no interior de ambulância ou automóvel (suponho que o senhor ministro nunca viajou nestas condições que, garanto por experiência própria, são inesquecíveis), a angústia dos familiares justificadamente receosos de que a demora de apenas uns minutos possa corresponder à perda de anos de vida se não ao seu puro e simples final, o possível congestionamento do serviço que irá acolher mais um doente a acrescer aos que já recebia e aos que outras circunvizinhas urgências encerradas passaram a remeter-lhe. Cuidará o senhor ministro que vinte ou trinta quilómetros de estrada são coisa pouca e rápida. É talvez porque se esquece de que os carros ministeriais têm facilidades de velocidade e percurso que o comum das gentes não usufrui e talvez também por ter das estradas portuguesas uma ideia lisonjeira que a realidade cruelmente desmente. O certo, como se sabe, é que a urgência de Valença está longe de ser a primeira, ou sequer a segunda ou terceira, que o senhor ministro se dispõe a extinguir com uma douta penada e sem anestesia. Se as populações protestam, arriscam-se a levar roda de procedimento não-democrático. Como se para o senhor ministro a democracia estivesse sediada nele próprio e no voto que aliás de forma muito indirecta lhe colocou nas mãos a pasta da Saúde. Em tempos, um sujeito francês disse que o Estado era ele, e a coisa acabou muito mal. Não era mau que o senhor ministro reflectisse um pouco sobre este triste procedimento.
«... mas a nossa vida não!»
Aqui há uns tempos foi a onda de encerramento das maternidades, agora soou a hora das urgências médicas. Nos dois casos, sempre ou quase sempre no interior do País. Dizem alguns que o senhor ministro está a ser o coveiro da saúde dos portugueses, que aliás já tinha a cova meio aberta graças à acção de ilustres predecessores; começa a justificar-se que se pense que, por este caminho, será também o coveiro do interior português, este de resto com a cova já escancarada. Na verdade, não é fácil imaginar muita gente, sobretudo se gente jovem, disposta a instalar-se em zonas sem maternidades, sem escolas, sem hospitais, sem serviços de urgência. O contrário é que naturalmente será verdade: casais jovens não vão querer viver, ter filhos, em lugares onde os garotos estarão condenados a longos e incómodos percursos diários de autocarro ou carrinha, a aflitas demandas de um serviço de urgência médica através da noite. O senhor ministro em especial e, de um modo mais geral, o actual governo, declararam de facto guerra de morte ao interior do País, embora não só ao interior como o caso de Valença tristemente ilustra. É claro que a extinção de urgências e maternidades fere mais fundo que o encerramento de escolas: é a própria vida que pode estar em risco, é pelo menos o dever de humanidade para com doentes em situação de dor e angústia. Nada que pareça contar para o senhor ministro que pela sua acção parece confirmar que o dinheiro é preciso para outras coisas. Fica a gente a tentar imaginar que «coisas», pois nem tudo hão-se ser os submarinos do dr. Portas, símbolos do que parece ser muito importante para um ministro mas não interessa nada à generalidade dos cidadãos. Bem podia o senhor ministro da Saúde reparar, pelo menos, no que disse uma das manifestantes junto à ponte internacional de Valença, qualquer coisa como isto: «- Mexem nos nossos ordenados e nós suportamos; agravam os impostos e nós continuamos a suportar; mas não ponham a nossa saúde e a nossa vida em risco, que é de mais!» É que fechar os ouvidos aos clamores do povo oprimido nunca deu grande futuro aos governantes. Por mais democráticos que se pensem.
«... mas a nossa vida não!»
Aqui há uns tempos foi a onda de encerramento das maternidades, agora soou a hora das urgências médicas. Nos dois casos, sempre ou quase sempre no interior do País. Dizem alguns que o senhor ministro está a ser o coveiro da saúde dos portugueses, que aliás já tinha a cova meio aberta graças à acção de ilustres predecessores; começa a justificar-se que se pense que, por este caminho, será também o coveiro do interior português, este de resto com a cova já escancarada. Na verdade, não é fácil imaginar muita gente, sobretudo se gente jovem, disposta a instalar-se em zonas sem maternidades, sem escolas, sem hospitais, sem serviços de urgência. O contrário é que naturalmente será verdade: casais jovens não vão querer viver, ter filhos, em lugares onde os garotos estarão condenados a longos e incómodos percursos diários de autocarro ou carrinha, a aflitas demandas de um serviço de urgência médica através da noite. O senhor ministro em especial e, de um modo mais geral, o actual governo, declararam de facto guerra de morte ao interior do País, embora não só ao interior como o caso de Valença tristemente ilustra. É claro que a extinção de urgências e maternidades fere mais fundo que o encerramento de escolas: é a própria vida que pode estar em risco, é pelo menos o dever de humanidade para com doentes em situação de dor e angústia. Nada que pareça contar para o senhor ministro que pela sua acção parece confirmar que o dinheiro é preciso para outras coisas. Fica a gente a tentar imaginar que «coisas», pois nem tudo hão-se ser os submarinos do dr. Portas, símbolos do que parece ser muito importante para um ministro mas não interessa nada à generalidade dos cidadãos. Bem podia o senhor ministro da Saúde reparar, pelo menos, no que disse uma das manifestantes junto à ponte internacional de Valença, qualquer coisa como isto: «- Mexem nos nossos ordenados e nós suportamos; agravam os impostos e nós continuamos a suportar; mas não ponham a nossa saúde e a nossa vida em risco, que é de mais!» É que fechar os ouvidos aos clamores do povo oprimido nunca deu grande futuro aos governantes. Por mais democráticos que se pensem.