As Canções Heróicas

Resistência e luta na boca do povo

Su­ple­mento «No cen­te­nário do nas­ci­mento de Fer­nando Lopes-Graça»

As He­róicas são um caso ex­tremo… can­ções po­li­ti­ca­mente em­pe­nhadas. Po­li­ti­ca­mente em­pe­nhadas na me­dida em que pre­ten­deram con­tri­buir – e cremos que, de facto, con­tri­buíram – para a luta do povo por­tu­guês, a que pri­mor­di­al­mente foram des­ti­nadas, contra o re­gime des­pó­tico, an­ti­de­mo­crá­tico e vi­o­len­tador de corpos e almas que du­rante cin­quenta anos lhe foi im­posto

In Ma­nuel Au­gusto Araújo, Ca­derno Ver­melho n.º 14, Se­tembro de 2006
Quando Fernando Lopes-Graça compõe as Canções Heróicas, em 1945, já o seu percurso de resistência ao fascismo se encontra repleto de batalhas. Estas surgem no contexto do amplo movimento político e social da época contra o regime, movimento que ganha força com a luta dos trabalhadores e das populações por melhores condições de vida e ao qual as Heróicas emprestam um vigoroso ânimo suplementar, tão necessário nos tempos de tenaz combate à repressão.
As composições feitas por Lopes-Graça sobre poemas de grandes e insubmissos nomes da nossa literatura, como Mário Dionísio, Carlos de Oliveira, João José Cachofel, Miguel Torga ou José Gomes Ferreira, tornam-se hinos à acção consequente, não só entre os activistas do MUD – organização a que Lopes-Graça fica ligado desde a sua fundação como dirigente – mas entre o povo que as toma como parte indissociável da resistência.
As Heróicas andam de boca em boca, são cantadas plenos pulmões pelo povo que as acolhe com entusiasmo, ganham estatuto de organizador colectivo e percursor dos ritmos de um caminho revolucionário que haveria de desaguar país fora, três décadas depois, em Abril de 1974.
Em 1946, a censura apreendeu a publicação que colocou algumas das Heróicas no papel, intitulada «Marchas, Danças e Canções – próprias para grupos vocais ou instrumentais populares». As canções, até então ouvidas em espectáculos e sessões públicas de casa cheia em diversas colectividades populares, foram proibidas pelo fascismo, mas a interdição não atinge os corações e as almas sedentas de liberdade. As Heróicas continuam a ser entoadas, quando possível às claras nos limites do desafio, muitas outras vezes em surdina, pelos prisioneiros nos calabouços do fascismo, por milhares de portugueses em convívios político-culturais, em protestos audaciosos ou no exílio onde a esperança desespera mais depressa.
Às primeiras composições, Lopes-Graça foi juntando outras – em 1960, assinalando a passagem do 50.º aniversário da implantação da República Portuguesa, surge a colecção «Canções Heróicas, Dramáticas, Bucólicas e outras» - formando um acervo ilustrativo do combate de todo um povo contra a tirania.
Em Maio de 1974, na impressionante manifestação do Dia do Trabalhador, Lopes-Graça pôde entoar as Canções Heróicas na rua e em liberdade. E voltaria a fazê-lo com a mesma convicção na primeira Festa do Avante! ou na homenagem a Bento de Jesus Caraça, em manifestações de trabalhadores, em sessões nas Unidades Colectivas de Produção, em todos os lugares onde estivesse quem delas necessitava, o seu legítimo destinatário e ao mesmo tempo actor principal, o povo.


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