No centenário de Fernando Lopes-Graça

Canta camarada, canta

Hugo Janeiro

Suplemento «No centenário do nascimento de Fernando Lopes-Graça»

Que retirei eu do Roubo das canções?
Eu vo-los confesso. Revelaram-me elas melhor a alma do povo português, ensinaram-me a conhecê-lo mais intimamente, ajudaram-me a procurar uma mais funda identificação com ele e eu considero isto um benefício muito importante para um artista, para um músico, que deseja e se esforça por que a sua arte, mais do que uma aventura ou uma confissão pessoal, seja um meio de comunicação, melhor, um meio de comunhão com o povo a que pertence.


«Sobre os arranjos corais das canções folclóricas portuguesas» (1956), in Alexandre Branco Weffort (org.), «A Canção Popular Portuguesa em Fernando Lopes-Graça», Editorial Caminho, Lisboa, 2006
Assinalar os cem anos do nascimento de Fernando Lope-Graça é celebrar e obra de um artista genial, o exemplo de um militante comunista verdadeiramente empenhado, a vida do maestro que quem traz Abril no coração jamais esquecerá.
As notas biográficas que destacamos neste suplemento pretendem, mais do que a cronologia exaustiva da vida de uma das mais marcantes personalidades do século XX em Portugal, funcionar como estímulo ao conhecimento de Lopes-Graça e dos valores a que se entregou de corpo inteiro sem resignação.
O compromisso político e ideológico radicado nas mais justas causas populares e as convicções artísticas são, em Lopes-Graça, uma unidade coerente, tornando mais pobre qualquer análise que dissocie ambas as vertentes do percurso do músico e lutador antifascista.

A esta edição do Avante! acresce ainda um CD com gravações inéditas do maestro Lopes-Graça e de trabalhos da sua autoria.
A Festa do Avante! de 1976, na FIL, em Lisboa, realizada entre 25 e 27 de Setembro, é o primeiro palco revisitado nesta compilação. Lopes-Graça dedicou muitas horas de trabalho voluntário para que o maior e mais completo evento político-cultural do País fosse uma realidade e se afirmasse de pleno direito.
Presentes também estão peças ouvidas no concerto organizado pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, em 25 de Maio de 1974, no Coliseu dos Recreios, quando o Coro da Academia de Amadores de Música se apresentou pela primeira vez após o derrube do fascismo e na máxima força perante milhares de pessoas que enchiam plateia e galerias da sala de espectáculos.
A actuação do Coro no Primeiro Mercado Popular do Livro e do Disco, promovido entre 1 e 7 de Abril de 1977, é outro dos registos sonoros incluídos nestas gravações inéditas. A iniciativa, vale a pena sublinhar, foi pioneira na aproximação do povo português à aquisição massificada de livros e discos. O cariz verdadeiramente popular e o extenso e qualificado programa cultural contribuíram para que, a par do lançamento de meia centena de novidades editoriais, fossem vendidos cerca de 40 mil livros e 15 mil discos.
Finalmente, o presente CD traz-nos as gravações feitas já este ano, a 25 de Maio, no Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa, numa homenagem do PCP ao compositor e militante comunista.


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<em>Canta Camarada Canta<br>Combate<br>Acordai</em>

______________________________Canta Camarada CantaCanta, camarada, cantaCanta, que ninguém de afronta.Que esta minha espada cortaDos copos até à pontaEu hei-de morrer de um tiroOu de uma faca de ponta;Se hei-de morrer amanhãMorra hoje, tanto monta!Tenho sina de morrerNa ponta de uma navalha,Toda a vida hei-de dizer:Morra...

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