«Povo que dorme, tirania que desperta.»
«Quando a história for verdadeiramente o que deve ser – e já tende para isso – há que falar menos em batalhas, em datas de nascimentos, de casamentos e mortes de príncipes, e mais na legislação, nos costumes e na literatura dos povos. Quem vier a escrever e a estudar a história deste nosso século nem a entenderá nem a fará entender decerto, se o não fizer pelos livros dos sábios, dos poetas, dos moralistas que caracterizam a época, e são ao mesmo tempo causa e efeito de seus mais graves sucessos», escrevia Almeida Garrett, numa anotação à sua intervenção «Ao Conservatório Real», uma memória lida em conferência do Conservatório Real de Lisboa em 1843.
Porque é da gente comum, da população que enche o País, de quem trabalha e aqui vive que nasce a história. A História que tantas vezes se reflecte em histórias, grandes ou pequenas, acontecimentos marcantes ou episódios simples ligados ao quotidiano. É desse povo que fala Almeida Garrett em Arco de Sant’Ana. A narrativa tem como pano de fundo o Porto medieval. Para os autores românticos, a Idade Média é a época de nascimento das nacionalidades europeias e do «espírito do povo», então ainda genuíno, numa concepção verdadeiramente nacionalista, por isso os recuperam a sua ambiência, os seus acontecimentos, os seus valores e os seus heróis em primeiro lugar para reaver a essência do espírito e identidade nacional indo às origens e depois procurando ultrapassar o grande atraso cultural, social, político e económico que Portugal vivia no século XIX. Como afirma na advertência d’O Arco de Sant’Ana, «o romance é deste século: se tirou o seu argumento do décimo quarto, foi escrito sob as impressões do décimo nono».
O povo>
Na introdução ao seu Romanceiro, declara Garrett que «o que é preciso é estudar as nossas primitivas fontes poéticas, os romances em verso e as legendas em prosa, as fábulas e crenças velhas, as costumeiras e as superstições antigas: lê-las no mau latim moçárabe, meio suevo ou meio godo, dos documentos obsoletos, no mau português dos forais, das leis antigas e no castelhano do mesmo tempo – que até bem tarde a literatura das Espanhas foi quase toda uma. O tom e o espírito verdadeiro português esse é forçoso estudá-lo no grande livro nacional que é o povo e as suas tradições e as suas suas virtudes e os seus vícios e os seus erros.»
É isso que faz n’O Arco de Sant’Ana, não só porque o povo é, através de personagens individuais ou de forma colectiva, o grande protagonista, mas também porque supostamente utilizou uma fonte antiga para produzir a obra. É precisamente no povo que reside a sua esperança, o único com poder para mudar Portugal, tal como o fez na Idade Média, não apenas no episódio que narra no romance, mas noutros casos, alguns também aqui referidos: «Por menos entrámos nós há dez anos nos paços do bispo e lhe matámos dois maus criados seus.» Esta ideia é resumida numa curta frase do capítulo XVIII: «Povo que dorme, tirania que desperta.»
Garrett pretende fazer um retrato do seu país no seu tempo, mas através de um paralelo com o Portugal medieval para ao mesmo tempo exortar o povo a agir e a vencer «esses consules que aí andam aos coices por esta nossa terra de Portugal, que V. S: e os outros bravos libertaram, para viver escravos nela, e senhores os tais meliantes que nada fizeram», como diz na dedicatória ao coronel Luna.
Na introdução «Ao Leitor Benévolo», o autor afirma que pretende com O Arco de Sant’Ana «desfazer o vilão artifício» dos «prosistas e calculistas da oligarquia». Para isso usa um episódio medieval apresentado como verídico em que o povo se organiza para impedir a tirania e a opressão do bispo do Porto, D. Pedro. Não é por acaso que se narra esta história em meados do século XIX. Pouco tempo antes «não era generoso» referi-la, mas em 1845 «a oligarquia ecelsiastica levantou a cabeça» e vai «aprovando quando crueldade e perseguição podem contra os liberais». «Hoje não é já só conveniente, é necessária a recordação daquele severo exemplo da crua justiça real. Hoje é útil e proveitoso lembrar como os povos e os reis se uniram para debelar a aristocracia sacerdotal e feudal. Não há medo [...] que ela volte; mas há certeza que tenta voltar: e essa tentativa só por si, e só em si, é uma revolução terrível», escreve. Garrett faz paralelos entre o período medieval e o século XIX. Resta-nos a nós fazer outros com o início do século XXI...
Porque é da gente comum, da população que enche o País, de quem trabalha e aqui vive que nasce a história. A História que tantas vezes se reflecte em histórias, grandes ou pequenas, acontecimentos marcantes ou episódios simples ligados ao quotidiano. É desse povo que fala Almeida Garrett em Arco de Sant’Ana. A narrativa tem como pano de fundo o Porto medieval. Para os autores românticos, a Idade Média é a época de nascimento das nacionalidades europeias e do «espírito do povo», então ainda genuíno, numa concepção verdadeiramente nacionalista, por isso os recuperam a sua ambiência, os seus acontecimentos, os seus valores e os seus heróis em primeiro lugar para reaver a essência do espírito e identidade nacional indo às origens e depois procurando ultrapassar o grande atraso cultural, social, político e económico que Portugal vivia no século XIX. Como afirma na advertência d’O Arco de Sant’Ana, «o romance é deste século: se tirou o seu argumento do décimo quarto, foi escrito sob as impressões do décimo nono».
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Na introdução ao seu Romanceiro, declara Garrett que «o que é preciso é estudar as nossas primitivas fontes poéticas, os romances em verso e as legendas em prosa, as fábulas e crenças velhas, as costumeiras e as superstições antigas: lê-las no mau latim moçárabe, meio suevo ou meio godo, dos documentos obsoletos, no mau português dos forais, das leis antigas e no castelhano do mesmo tempo – que até bem tarde a literatura das Espanhas foi quase toda uma. O tom e o espírito verdadeiro português esse é forçoso estudá-lo no grande livro nacional que é o povo e as suas tradições e as suas suas virtudes e os seus vícios e os seus erros.»
É isso que faz n’O Arco de Sant’Ana, não só porque o povo é, através de personagens individuais ou de forma colectiva, o grande protagonista, mas também porque supostamente utilizou uma fonte antiga para produzir a obra. É precisamente no povo que reside a sua esperança, o único com poder para mudar Portugal, tal como o fez na Idade Média, não apenas no episódio que narra no romance, mas noutros casos, alguns também aqui referidos: «Por menos entrámos nós há dez anos nos paços do bispo e lhe matámos dois maus criados seus.» Esta ideia é resumida numa curta frase do capítulo XVIII: «Povo que dorme, tirania que desperta.»
Garrett pretende fazer um retrato do seu país no seu tempo, mas através de um paralelo com o Portugal medieval para ao mesmo tempo exortar o povo a agir e a vencer «esses consules que aí andam aos coices por esta nossa terra de Portugal, que V. S: e os outros bravos libertaram, para viver escravos nela, e senhores os tais meliantes que nada fizeram», como diz na dedicatória ao coronel Luna.
Na introdução «Ao Leitor Benévolo», o autor afirma que pretende com O Arco de Sant’Ana «desfazer o vilão artifício» dos «prosistas e calculistas da oligarquia». Para isso usa um episódio medieval apresentado como verídico em que o povo se organiza para impedir a tirania e a opressão do bispo do Porto, D. Pedro. Não é por acaso que se narra esta história em meados do século XIX. Pouco tempo antes «não era generoso» referi-la, mas em 1845 «a oligarquia ecelsiastica levantou a cabeça» e vai «aprovando quando crueldade e perseguição podem contra os liberais». «Hoje não é já só conveniente, é necessária a recordação daquele severo exemplo da crua justiça real. Hoje é útil e proveitoso lembrar como os povos e os reis se uniram para debelar a aristocracia sacerdotal e feudal. Não há medo [...] que ela volte; mas há certeza que tenta voltar: e essa tentativa só por si, e só em si, é uma revolução terrível», escreve. Garrett faz paralelos entre o período medieval e o século XIX. Resta-nos a nós fazer outros com o início do século XXI...