«Quinhão de sucesso»

Vasco Cardoso
Sendo uma presença constante no conteúdo informativo do nosso país, a quadra natalícia é particularmente recheada de esmolas, assistencialismo e caridade. Nas próximas semanas, jornais, revistas e noticiários serão encharcados das mais variadas iniciativas deste âmbito, às quais, não irão faltar ilustres artistas da nossa praça, figuras de proa do nosso Governo, e também, beneméritos capitalistas que não pouparão esforços para «ajudar quem precisa».
Aliás, foi o próprio Presidente da República a dar o mote, ao reunir cerca de cem «empresários» - a propósito do abandono escolar - apelando para que «homens de negócios bem sucedidos» em Portugal se mobilizem e contribuam para o reforço da justiça social no País, partilhando «uma parte do seu quinhão de sucesso». Cavaco vai mais longe, depois do «capitalismo popular» - que na avalanche privatizadora dos seus governos semeou ilusões – surge agora o «capitalismo de inclusão» que é como quem diz – capitalismo sem classes.
A difusão destes conceitos não fica naturalmente pela nata. Aos trabalhadores e à população em geral, aguardam-nos milhares de voluntários à porta dos supermercados para recolher alimentos, não faltarão também os SMS´s cujo o valor se destina a uma qualquer obra de caridade, rifas, postais de Natal e outros expedientes, emitidos em grande escala, para aproveitar a generosidade de quem tem cada vez menos, sem esquecer uns poucos, que à pala de tanta oferta ainda farão crescer o seu negócio. Tudo isto, para que tudo fique, rigorosamente, na mesma.
Na realidade, o que a promoção desta histeria caritativa significa, é que há mais pobres, mais desempregados, mais salários de miséria, mais doentes a precisarem de cuidados de saúde, mais idosos abandonados, mais crianças desapoiadas, mais explorados e mais excluídos. A atitude de quem recusa o aumento dos salários, aumenta a precariedade, encerra as empresas, foge aos impostos, exige a extinção e privatização das funções sociais do Estado e, nestas alturas, aparece a «estender a mão ao próximo», tem tanto de calculista como de hipócrita e deve ser denunciada e combatida.
É sabido, mas repeti-mo-lo. Ao país não fazem falta esmolas, caridade, nem apoios ou apelos solidários. Portugal precisa de justiça económica e social, de uma outra política que rompa com a degradação das condições de vida da população. O «quinhão de sucesso» que o Presidente encontrou naquele punhado de patrões, é o resultado dos muitos milhões, que todos os dias são roubados a quem trabalha. Enquanto essa contradição essencial não se resolver, bem podem distribuir migalhas.


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