Mudar a “2:”
Ao que consta, não apenas o governo se propõe impedir que as estações portuguesas de televisão façam, quanto à transmissão de programas, o que muito bem lhes apeteça sem que ninguém tenha nada com isso, intenção que causou grande surpresa e logo acusações de intenções censórias, mas também se dispõe a alterar o perfil actual do «segundo canal», agora com a designação de a «2:» por obra e graça do ex-ministro Nuno Morais Sarmento. Ao que também consta, a intenção do governo é, porventura entre outras, a de reforçar a integração da «2:» na prestação do serviço público a que RTP está obviamente obrigada. Desconhecendo de todo até onde irá a alteração projectada e, para falar com franqueza, não esperando muito dela, não posso deixar de sentir pelo menos uma réstia de esperança: Na verdade, é necessário e mesmo imperioso mexer naquela coisa informe, incaracterística e pouco interessante que é a «2:», não quero cometer o excesso de dizer que a «2:» não tem programas de mérito: é certo que os tem, embora não seja menos certo que os transmite de preferência depois da meia-noite, aparentemente para que sejam poucos os telespectadores que os vêem. O que digo, isso sim, é que é insuportável que, a pretexto da diversidade, se use a «2:» como uma espécie de saco onde se metem praticamente a par documentários sobre chimpanzés (na «2:» abundam os documentários sobre chimpanzés e outros símios) e os debates entre os eurodeputados portugueses em Estrasburgo, comédias britânicas que não se tornam excelentes só por serem britânicas e as entrevistas conduzidas por Ana Sousa Dias. Se, como por vezes se diz, é preciso de tudo para fazer um mundo, o que aliás parece altamente duvidoso, não é preciso de tudo para fazer um canal de TV com a missão de prestar serviço público e uma suposta vocação culturalizante: bem pelo contrário, é preciso escolher, ter o cuidado de não excluir áreas importantes, pois a diversidade não implica promiscuidade. E, escusado seria lembrá-lo, é fundamental que não se coloque em horários de acesso difícil à gente comum alguns dos melhores programas de que o canal dispõe. Neste aspecto, tem a «2:» cometido verdadeiros ultrajes aos telespectadores que não estão dispostos a ver tudo o que lhe seja impingido e têm o direito de poderem assistir ao melhor sem terem que sacrificar o tempo que a generalidade dos cidadãos tem de dedicar ao sono. A «2:» comporta-se como se escolher programas de interesse cultural fosse uma espécie de pecado que deva implicar penalização e penitência.
Um país de grunhos?
É claro que mesmo um «segundo canal» com uma programação diversa mas sempre de qualidade não resolve inteiramente a questão de um serviço público que uma estação estatal de TV há-de prestar: nenhuma razão aceitável pode justificar que programas que tenham a ver com as diversas áreas de cultura sejam remetidos para um canal que passa a funcionar como uma espécie de «guetto» enquanto que no canal de maior audiência, que não por acaso é designado com o número 1, é acolhido tudo o que é fútil e tonto, quando não medíocre, sob o pretexto de facto intrigante de tratar-se de um canal generalista. É um curioso generalismo este que exclui tudo o que tenha vínculo directo ou indirecto à vida cultural. Já aqui se falou nisto, eu sei, e por isso dizê-lo uma vez mais pode parecer o resultado de uma obsessão repetitiva. Mas como não repetir uma indignada discordância com o que é hoje a televisão pública se ela se obstina a repetir ao longo do tempo a mesma prática? O argumento sempre invocado de que a mesma segregação é praticada noutros países não colhe, pelo menos pela razão de que esses países são «outros», isto é, são diferentes, e talvez o seu grau de desculturalização não seja o mesmo que o que nos foi imposto ao longo de séculos. Se o for, porém, que não seja o mal dos outros razão para que não cuidemos do nosso. É sabido, pelo menos por quem o queira saber, que uma TV medíocre faz medíocre a população que a consome e, quanto ao nosso país, já aí estão os canais abertos privados a fazerem muito para esse resultado; que não pactue com essa desgraçada tarefa também a televisão pública. E, neste tempo em que tudo parece resumir-se ao económico, caberá perguntar se um país de grunhos atrairá mais e melhor investimento. É certo que muito se diz, embora nem sempre em voz alta, que as receitas publicitárias afluem a uma programação reles e fogem espavoridas quando ouvem falar de cultura. Mas talvez seja assim porque nunca foi explicado aos anunciantes que o prestígio e a qualidade também vendem. E a RTP tem o dever de explorar essa via.
Um país de grunhos?
É claro que mesmo um «segundo canal» com uma programação diversa mas sempre de qualidade não resolve inteiramente a questão de um serviço público que uma estação estatal de TV há-de prestar: nenhuma razão aceitável pode justificar que programas que tenham a ver com as diversas áreas de cultura sejam remetidos para um canal que passa a funcionar como uma espécie de «guetto» enquanto que no canal de maior audiência, que não por acaso é designado com o número 1, é acolhido tudo o que é fútil e tonto, quando não medíocre, sob o pretexto de facto intrigante de tratar-se de um canal generalista. É um curioso generalismo este que exclui tudo o que tenha vínculo directo ou indirecto à vida cultural. Já aqui se falou nisto, eu sei, e por isso dizê-lo uma vez mais pode parecer o resultado de uma obsessão repetitiva. Mas como não repetir uma indignada discordância com o que é hoje a televisão pública se ela se obstina a repetir ao longo do tempo a mesma prática? O argumento sempre invocado de que a mesma segregação é praticada noutros países não colhe, pelo menos pela razão de que esses países são «outros», isto é, são diferentes, e talvez o seu grau de desculturalização não seja o mesmo que o que nos foi imposto ao longo de séculos. Se o for, porém, que não seja o mal dos outros razão para que não cuidemos do nosso. É sabido, pelo menos por quem o queira saber, que uma TV medíocre faz medíocre a população que a consome e, quanto ao nosso país, já aí estão os canais abertos privados a fazerem muito para esse resultado; que não pactue com essa desgraçada tarefa também a televisão pública. E, neste tempo em que tudo parece resumir-se ao económico, caberá perguntar se um país de grunhos atrairá mais e melhor investimento. É certo que muito se diz, embora nem sempre em voz alta, que as receitas publicitárias afluem a uma programação reles e fogem espavoridas quando ouvem falar de cultura. Mas talvez seja assim porque nunca foi explicado aos anunciantes que o prestígio e a qualidade também vendem. E a RTP tem o dever de explorar essa via.