Jovens sem livros
Agora, para competir com os veteranos de «Morangos com Açúcar», campeoníssimos das audições juvenis e, mais que isso, verdadeiros educadores do povo jovem deste nosso País (pois bem se sabe, embora muito se esconda, que os heróis da TV são modelos de comportamento para milhares ou milhões, o que explica em grande parte a eficácia da publicidade televisiva), chegou Floribella, que já arrebatou a camisola amarela das audiências e de quem a SIC muito espera. Mas Floribella ainda não chegou há tempo bastante para que acerca dela seja seguro botar alguma empolada sentença, embora, valha a verdade, pelo que até agora se viu, parece claro que Floribella será flor mas talvez não que muito se cheire. De qualquer modo, o certo é que durante meses e meses foi com os jovens dos «Morangos» que boa parte da juventude portuguesa aprendeu, ou julgou aprender, o que é apetecível na vida, o que vale a pena desejar ter e ser, até qual a música que merece a sua devoção. É este último aspecto que explica o arrasador êxito comercial dos D’Zrt, grupinho de rapazes com muito mais sorte que talento, pelo que não se diga que estou para aqui a exagerar. Mas o sucesso dos D’Zrt é o que menos impressiona, excepto talvez nos pouco frequentes momentos em que os vejo e ouço, embora não deixa de registar que a mesma capacidade para induzir gostos e preferências musicais podia ter sido bem melhor utilizada. O que me impressiona muito, isso sim, é que os modelos humanos e sociais que são o verdadeiro recheio dos «Morangos» se tenha abatido e alastrado como uma espécie de epidemia fulminante entre os jovens portugueses, até com uma eficácia transclassista, transportando inevitavelmente os «valores» que lhes são característicos. Dir-se-á que, previsivelmente, o reinado dos «Morangos com Açúcar» e da jovem gente que os habita está a passar, já sendo de muito maravilhar que tenha durado tanto tempo. Pois estará. Mas é altamente duvidoso que passe também na memória e nos hábitos dos seus devotos a lição de vida e de sociedade que foi o seu verdadeiro conteúdo, lição cujo enorme êxito pode e deve ser entendido como um precioso elemento caracterizador deste tempo actual na sociedade portuguesa. E também, o que será mais grave, como factor de agravamento de uma já anterior perversão da saúde cívica e de algum modo globalmente mental de um segmento importante dos jovens portugueses.
Na superfície da vida
Recordemos um pouco, embora sumariamente e sem preocupações de rigor «científico», os hábitos e os gostos dos jovens que, protagonizando o(s) entrecho(s) dos «Morangos», induzem preferências, hábitos e talvez caminhos aos jovens telespectadores que quotidianamente se nutrem dos sucessivos episódios da novela e deles fazem o seu único alimento cultural. Vestem muito bem na óptica do gosto mais ou menos «teenager». Gostam de namorar, não naturalmente na linha de uma duração estável, o que na verdade lhes seria prematuro, mas sim com vista a curtir, seguindo, aliás, a regra geral, da geração ou daquele fragmento da geração. Adoram nadar, dançar. Presume-se que estudem, que frequentem os últimos anos do secundário ou os primeiros do universitário, mas essa actividade não se nota muito, para não dizer que não se nota nada. Praticam intensamente o ciúme, isso sim, e também a intriga ou a pequena deslealdade. Quanto a gostos musicais, já se disse o bastante quando foi referido o culto pelos D’Zrt. Dos grandes problemas do País e do mundo não parece que alguma vez tenham sequer ouvido falar, quanto mais preocuparem-se com eles. Mas o que pessoalmente mais me impressiona, e o defeito há-de ser meu, é que aquela jovem gente vive num mundo sem livros, ou pelo menos num mundo sem leitura. Significa isto que, provavelmente, nunca hão-de entender em termos de sensibilidade profunda os mais discretos mas também mais significativos sinais dos grandes sentimentos: da ternura ou da fraternidade, do desespero ou da angústia, da dúvida ou da certeza; pois não é o audiovisual, peses embora as suas enormes capacidades, que é capaz de nos explicar tais coisas. É terrível: aqueles jovens não exibem um livro, não lêem, e o mesmo é dizer, creio, que nunca serão capazes de entender completamente as gentes e a vida, por muito excelentemente que venham a estar tecnologicamente preparados. O mesmo é dizer que aqueles jovens ameaçam tornar-se os habitantes de uma sociedade de barbárie altamente tecnologizada e com gostos pessoais e comportamentos pouco mais que primários. Desculpe-se-me a fraqueza, mas é uma ameaça que me assusta. Felizmente, a minha expectativa aposta numa boa alternativa: as apetências mais inteligentes do género humano e a força da História.
Na superfície da vida
Recordemos um pouco, embora sumariamente e sem preocupações de rigor «científico», os hábitos e os gostos dos jovens que, protagonizando o(s) entrecho(s) dos «Morangos», induzem preferências, hábitos e talvez caminhos aos jovens telespectadores que quotidianamente se nutrem dos sucessivos episódios da novela e deles fazem o seu único alimento cultural. Vestem muito bem na óptica do gosto mais ou menos «teenager». Gostam de namorar, não naturalmente na linha de uma duração estável, o que na verdade lhes seria prematuro, mas sim com vista a curtir, seguindo, aliás, a regra geral, da geração ou daquele fragmento da geração. Adoram nadar, dançar. Presume-se que estudem, que frequentem os últimos anos do secundário ou os primeiros do universitário, mas essa actividade não se nota muito, para não dizer que não se nota nada. Praticam intensamente o ciúme, isso sim, e também a intriga ou a pequena deslealdade. Quanto a gostos musicais, já se disse o bastante quando foi referido o culto pelos D’Zrt. Dos grandes problemas do País e do mundo não parece que alguma vez tenham sequer ouvido falar, quanto mais preocuparem-se com eles. Mas o que pessoalmente mais me impressiona, e o defeito há-de ser meu, é que aquela jovem gente vive num mundo sem livros, ou pelo menos num mundo sem leitura. Significa isto que, provavelmente, nunca hão-de entender em termos de sensibilidade profunda os mais discretos mas também mais significativos sinais dos grandes sentimentos: da ternura ou da fraternidade, do desespero ou da angústia, da dúvida ou da certeza; pois não é o audiovisual, peses embora as suas enormes capacidades, que é capaz de nos explicar tais coisas. É terrível: aqueles jovens não exibem um livro, não lêem, e o mesmo é dizer, creio, que nunca serão capazes de entender completamente as gentes e a vida, por muito excelentemente que venham a estar tecnologicamente preparados. O mesmo é dizer que aqueles jovens ameaçam tornar-se os habitantes de uma sociedade de barbárie altamente tecnologizada e com gostos pessoais e comportamentos pouco mais que primários. Desculpe-se-me a fraqueza, mas é uma ameaça que me assusta. Felizmente, a minha expectativa aposta numa boa alternativa: as apetências mais inteligentes do género humano e a força da História.