A excepção e a regra

Anabela Fino
Em pleno ataque de Israel ao Líbano – só por eufemismo se pode dizer que a guerra é «apenas» contra o Hezbollah, sendo libaneses os mortos, as casas e estruturas destruídas, a terra ocupada – a base das Lajes voltou a estar no centro das atenções por ter servido de escala a pelo menos um avião da Força Aérea israelita.
Questionado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) explicou à agência Lusa que a escala de aviões tem de ser autorizada pelas autoridades portuguesas; que em tempo de conflito, como é o caso, «há uma atenção especial» no respeitante às autorizações de escalas e voos; que o pedido israelita foi solicitado de acordo com as normas; que se tratou de «uma excepção»; que o embaixador de Israel em Lisboa, Aarin Ram, chamado ao MNE, informou tratar-se de um voo de cargueiro militar transportando «material bélico não ofensivo» e em «pouca quantidade»; e que «em período de guerra o governo de Israel não se atreveria a mentir sobre a natureza do material transportado».
A panóplia de explicações é no mínimo curiosa, sobretudo vinda de um governo que durante um mês não alinhavou uma única posição explícita sobre o conflito, limitando a sua alegada iniciativa a uma patética reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia tão vazia de intenções que só podia dar no que deu, ou seja, coisa nenhuma.
Mas vale a pena reter esta pretensa ingenuidade do executivo Sócrates quanto ao carácter do material transportado – como se as guerras se fizessem sem «material bélico não ofensivo», quer se trate de sistemas de transmissões ou óleo para os tanques de combate –, bem como o enorme crédito que deposita nas autoridades de Telavive, ao ponto de não curar de comprovar a veracidade da carga declarada, confiando que Israel «não se atreveria a mentir».
Sabendo-se, como se sabe, que a base das Lajes é utilizada desde 1943 pelos EUA, que ali tem um contingente sempre pronto a intervir; que Washington e Telavive são duas caras da mesma moeda; que no passado recente a base serviu de palco à tristemente célebre cimeira onde Bush e Blair anunciaram a guerra contra o Iraque por causa das tais armas de destruição massiva deliberadamente inventadas, cabe perguntar em que fundamenta o Governo a sua crença nas declarações de Israel. Porque se não é fé, só pode ser conivência. E já agora, seria interessante apurar de onde veio a tal carga de «material bélico não ofensivo». É que estas coisas das excepções, de tanto repetidas, tornam-se a regra da submissão a interesses que nada têm a ver com Portugal.


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