A têvê do faz-de-conta
A euforia do futebol – que, já agora, esperemos que continue por cá até ao próximo domingo, acompanhando a desejada presença vitoriosa de Portugal na final de Berlim do Campeonato do Mundo… - tem camuflado animadamente, nas últimas semanas, a pobreza confrangedora da programação televisiva em Portugal nos três canais generalistas e de sinal aberto, como se sabe a RTP-1, a SIC e a TVI .
A situação nos canais SIC e TVI avizinha-se da calamidade. Só para se ter uma ideia, basta dizer que, de segunda a sexta-feira, desde o telejornal do almoço até cerca da meia-noite, estes dois canais emitem 11 telenovelas com episódios de uma hora de duração média, o que significa que cada um deles preenche, diariamente, quase metade de 14 horas de emissão principal com historietas enlatadas. Para se ver que não exageramos, aqui ficam os títulos destas 11 magníficas peças de cultura e lazer actualmente em exibição em qualquer lar português: na SIC, temos, sucessivamente, Laços de Família, New Wawe, Floribella, Sinhá Moça, de novo Floribella e, finalmente, Belíssima, enquanto na TVI a coisa começa também às 14 horas, sempre sucessivamente, mas agora com Anjo Selvagem, a que se segue Morangos com Açúcar, Tempo de Viver, Dei-te Quase Tudo e Fala-me de Amor. Com um pormenor: em ambos os canais, as quatro últimas telenovelas sucedem-se umas às outras sem interrupções (a não ser as da publicidade…), com uma única e inevitável quebra, a do telejornal das 20 horas.
Não cabem, agora, apreciações detalhadas sobre as inacreditáveis ficções que enformam a quase generalidade das telenovelas, mas atendo-nos apenas às de «produção nacional», de que tanto se gabam os responsáveis da TVI, para aferir a coisa bastar-nos-á perguntar, a quem a escreve e produz, quantas famílias abastadas, ou mesmo ricas, imaginam haver presentemente em Portugal tendo ao serviço da casa uma bateria de criados com fardas e bandós por todo o lado. Só para os descontos à Segurança Social (pelo menos enquanto o Governo de Sócrates os não declarar tipo «supranumerários») era preciso que os «patrões» daquilo fossem todos Belmiros de Azevedo, o que é manifestamente um exagero: os ricos, para serem muito ricos, têm de ser obrigatoriamente poucos, pelo que os que há, assim, em Portugal não dão para encher tanta telenovela…
Filmes «a designar»
Quanto ao fim-de-semana - onde, mesmo assim, o sábado não escapa a cinco telenovelazinhas por junto, nos dois canais… -, tanto a SIC como a TVI optam por substituir a enxurrada de enlatados novelísticos por doses equivalentes de filmes. Também só para se ter uma ideia, basta dizer que no passado fim-de-semana (sábado e domingo) a SIC programou seis longas-metragens (três por dia) e a TVI oito (quatro por dia) sob o mesmo pormenor para ambas: nenhum dos 14 filmes foi escolhido ou anunciado a não ser algumas horas antes de ser transmitido, o que diz tudo sobre o critério da selecção, bem como sobre a cultura que possui o seleccionador e a importância que reconhece ao cinema em geral e aos filmes do seu canal, em particular.
Contudo, poder-se-ia esperar que, pelo menos em termos de produção própria, os dois canais apresentassem alguma coisa de jeito. Desiludam-se.
Por junto e atacado, durante a semana a SIC programou para a noite de segunda-feira mais um Levanta-te e Ri, o programa de anedotas enchouriçadas umas nas outras ao longo de um serão também por isso cada vez mais interminável, enquanto a TVI, na tarde de sexta-feira, servia o concurso Quem quer ganha, mais um a entreter o pagode à volta de uns prémios pescados à linha.
Quanto ao fim-de-semana, estamos igualmente conversados. Essencialmente, a SIC continua pendurada no já interminável Herman SIC, onde em definitivo se instalou a graçola pesada e convencida no lugar de um humor cuja fina extracção chegou a ser uma referência nacional, enquanto a TVI, no defeso temporário dos seus inenarráveis big brothers, resiste na liderança da boçalidade militante com O Meu Odioso e Inacreditável Noivo, o entretenimento com que desceu o mais recente degrau da degradação programática.
Pondo de lado as manhãs dos três canais, onde as programações de variedades populistas se assemelham como gotas de água, qual empadão em triplicado, o que se conclui dos produtos televisivos servidos pelos dois canais privados é que estes praticam, afinal, uma «têvê do faz-de-conta» em vez da prometida e reivindicada «televisão criativa, rigorosa e independente».
Afinal, com a SIC e TVI faz-de-conta que as telenovelas ao quilómetro, os filmes a quilo, as séries a metro e as boçalidades a esmo justificam duas licenças privadas de televisão, para com elas se inventar uma «concorrência» televisiva que, em substância, se realiza na competição de mediocridades, ainda por cima tendencialmente clonadas umas das outras…
A situação nos canais SIC e TVI avizinha-se da calamidade. Só para se ter uma ideia, basta dizer que, de segunda a sexta-feira, desde o telejornal do almoço até cerca da meia-noite, estes dois canais emitem 11 telenovelas com episódios de uma hora de duração média, o que significa que cada um deles preenche, diariamente, quase metade de 14 horas de emissão principal com historietas enlatadas. Para se ver que não exageramos, aqui ficam os títulos destas 11 magníficas peças de cultura e lazer actualmente em exibição em qualquer lar português: na SIC, temos, sucessivamente, Laços de Família, New Wawe, Floribella, Sinhá Moça, de novo Floribella e, finalmente, Belíssima, enquanto na TVI a coisa começa também às 14 horas, sempre sucessivamente, mas agora com Anjo Selvagem, a que se segue Morangos com Açúcar, Tempo de Viver, Dei-te Quase Tudo e Fala-me de Amor. Com um pormenor: em ambos os canais, as quatro últimas telenovelas sucedem-se umas às outras sem interrupções (a não ser as da publicidade…), com uma única e inevitável quebra, a do telejornal das 20 horas.
Não cabem, agora, apreciações detalhadas sobre as inacreditáveis ficções que enformam a quase generalidade das telenovelas, mas atendo-nos apenas às de «produção nacional», de que tanto se gabam os responsáveis da TVI, para aferir a coisa bastar-nos-á perguntar, a quem a escreve e produz, quantas famílias abastadas, ou mesmo ricas, imaginam haver presentemente em Portugal tendo ao serviço da casa uma bateria de criados com fardas e bandós por todo o lado. Só para os descontos à Segurança Social (pelo menos enquanto o Governo de Sócrates os não declarar tipo «supranumerários») era preciso que os «patrões» daquilo fossem todos Belmiros de Azevedo, o que é manifestamente um exagero: os ricos, para serem muito ricos, têm de ser obrigatoriamente poucos, pelo que os que há, assim, em Portugal não dão para encher tanta telenovela…
Filmes «a designar»
Quanto ao fim-de-semana - onde, mesmo assim, o sábado não escapa a cinco telenovelazinhas por junto, nos dois canais… -, tanto a SIC como a TVI optam por substituir a enxurrada de enlatados novelísticos por doses equivalentes de filmes. Também só para se ter uma ideia, basta dizer que no passado fim-de-semana (sábado e domingo) a SIC programou seis longas-metragens (três por dia) e a TVI oito (quatro por dia) sob o mesmo pormenor para ambas: nenhum dos 14 filmes foi escolhido ou anunciado a não ser algumas horas antes de ser transmitido, o que diz tudo sobre o critério da selecção, bem como sobre a cultura que possui o seleccionador e a importância que reconhece ao cinema em geral e aos filmes do seu canal, em particular.
Contudo, poder-se-ia esperar que, pelo menos em termos de produção própria, os dois canais apresentassem alguma coisa de jeito. Desiludam-se.
Por junto e atacado, durante a semana a SIC programou para a noite de segunda-feira mais um Levanta-te e Ri, o programa de anedotas enchouriçadas umas nas outras ao longo de um serão também por isso cada vez mais interminável, enquanto a TVI, na tarde de sexta-feira, servia o concurso Quem quer ganha, mais um a entreter o pagode à volta de uns prémios pescados à linha.
Quanto ao fim-de-semana, estamos igualmente conversados. Essencialmente, a SIC continua pendurada no já interminável Herman SIC, onde em definitivo se instalou a graçola pesada e convencida no lugar de um humor cuja fina extracção chegou a ser uma referência nacional, enquanto a TVI, no defeso temporário dos seus inenarráveis big brothers, resiste na liderança da boçalidade militante com O Meu Odioso e Inacreditável Noivo, o entretenimento com que desceu o mais recente degrau da degradação programática.
Pondo de lado as manhãs dos três canais, onde as programações de variedades populistas se assemelham como gotas de água, qual empadão em triplicado, o que se conclui dos produtos televisivos servidos pelos dois canais privados é que estes praticam, afinal, uma «têvê do faz-de-conta» em vez da prometida e reivindicada «televisão criativa, rigorosa e independente».
Afinal, com a SIC e TVI faz-de-conta que as telenovelas ao quilómetro, os filmes a quilo, as séries a metro e as boçalidades a esmo justificam duas licenças privadas de televisão, para com elas se inventar uma «concorrência» televisiva que, em substância, se realiza na competição de mediocridades, ainda por cima tendencialmente clonadas umas das outras…