O plano inclinado da desgraça

Francisco Silva
Tinha programado para este texto um conteúdo pouco agarrado às últimas notícias destes dias, algo distanciado delas, um artigo sobre os investimentos não financeiros, incluindo em I&D, em ambiente de neoliberalismo, de há um quarto de século para cá. Estava a avançar no artigo, um trabalho que ia exigindo bastante um esforço pesado. «Eis senão quando» se me espelharam diante dos olhos números frescos do INE sobre o desemprego, relativos ao final do primeiro trimestre de 2006.
Taxa de desemprego nos 7,7%, o que compara - é expressando-se assim que muitos gostam de dar conta das variações dos valores entre diferente datas - com os 7,5% de há um ano, mas também com os 8% do trimestre anterior.
(Esta gente, que gosta tanto de números podia, ao menos, arredondar os valores para a mesma ordem de precisão; ou seja, tanto 7,7% como 7,5% são 8%; e já que querem jogar com os números, escrevam 8,0% em vez de 8%, senhores jornalistas especializados; estou a ser mesquinho? Azedo? Talvez, mas interessado.)
Portanto, lá está outra vez, e sempre, a dança dos números. que o sinal é bom, ainda não é o que queremos - os do governo do País. Outros, a jogarem ao rigoroso: Ah, mas isto são efeitos sazonais, o melhor é considerar a variação homóloga, isto é, primeiro trimestre de 2006 comparado com o primeiro trimestre de 2005. O dirigente da UGT, evitando cair naquelas confusões, esse, que o nível de desemprego é elevado, mas ao menos já estará a agravar-se menos (qualquer coisa deste género). Outro, mais científico, a lembrar-nos que se estão a comparar alhos com bugalhos porque do ano passado para este ano se alterou o método de calcular o desemprego. Vá lá a gente entender-se.
Mas nem todos os números são tão desinteressantes, se bem que sejam preocupantes, como os desta taxa agregada que paira pelos 8% de desemprego que nos fornece o INE.
Com efeito, o número desempregados registados nos inscritos nos centros de desemprego caiu em Abril de 2%, tendo esta redução (ou progresso de emprego) sido registada sobretudo entre os que têm seis ou menos anos de escolaridade e, em particular, entre os jovens. Por outro lado, deu-se uma subida de 17% de licenciados universitários em termos de registos nos centros de emprego. Nos escalões dos que concluíram o ensino básico ou que frequentam ou terminaram o ensino secundário os números também são tudo menos brilhantes.
Basta atentar nestes dados par percebermos o negrume da situação. Ou seja, mais que o progresso dos postos de trabalho em quantidade, escasso mas em princípio bem vindo, é a continua regressão - já nem falo em progressão ou em estabilização - da composição total dos que estão disponíveis que continua com grande dinamismo, para mal dos nosso pecados - de um mês para o outro mais 17% de licenciados universitários a inscreverem-se nos centros de emprego! E mais não serão porque vão emigrando, como aqueles cinco que estão a desenvolver software na Finlândia, empregados pela Nokia, e que tanto contribuíram - recorde-se - para o orgulho do nosso Primeiro Ministro Sócrates nas capacidades dos portugueses. Ainda por cima capacidades de grande relevo para o “seu” Plano Tecnológico.
Mas, fora de brincadeiras, são números como estes relativos à variação em Abril de 2006 dos desempregados que mostram o que está acontecer com as «tretas» do Plano Tecnológico, da Formação Profissional - para quê?, da Inovação, do Bill Gates que em conjunto com o Governo fizeram aí um show fantástico. Mas o que mostra isto, não sabeis?
Isto é a verdadeira e claríssima resposta do tecido económico nacional já tantas vezes demonstrada, e agora outra vez, e de que retumbante maneira. Terá sido por saber isso muito bem que o Presidente da República, entendendo que com este empresariado não vai a lado nenhum, e que já começa a ficar com receio de o povo português o vir associar ao descalabro em alastramento, que lhe parecerá inexorável, será por isso - dizia eu - que o Presidente da República recomendou à COTEC, onde se encontra a «nata» dos empresários e gestores portugueses, para agregarem a eles, já que estamos em tempos de globalização, empresários e gestores de grande fama oriundos de outras partes? Não sei, foi uma pergunta que me surgiu. Mas que esta do Plano Tecnológico e dos apelos à Inovação e à Formação se está a transformar numa fantochada é uma enorme e desgraçada verdade.
Valha-nos o Campeonato do Mundo de Futebol e o desenegrecer da nossa vida por uns dias, que através dele nos poderá ser proporcionado.


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